08 Outubro 2019
Néstor Paz Zamora. Bolivia, †1970
Seminarista, universitario, hijo de un general boliviano, mártir de las luchas de liberación de su pueblo.
Nestor Paz Zamora, filho de um general boliviano. Fez estudos teológicos, vinculou-se desde cedo ás Fraternidades de Charles de Foucauld e era estudante de medicina quando se incorporou á guerrilha de Teoponte, onde morreu de fome.
Toda sua vivência de cristão místico e militante está admiravelmente contida nas páginas do Diário que dedicou à sua esposa, Cecy. Um verdadeiro testamento de espiritualidade libertadora. Irradiava o sentido transcendente que ele encontrou em sua luta pela “terra nova”, onde o amor fosse à lei fundamental.
Em 12 de agosto escreveu: “Sou um fermento que vai trabalhando muito por igual. Esta é pelo menos a sensação que tenho. Uma grande paz e tranquilidade me invadem. Estou ‘vitalmente’ passando da ideia da ‘morte’ como diminuição para a ideia da ‘morte’ como plenitude e passo a uma nova dimensão. Não a procuro, mas se vier a esperarei com a serenidade e a tranquilidade que merece tal momento, e mesmo lhe pedirei que avise a eles que passei ao Pai, que o ‘Vem, Senhor Jesus’, tornou-se realidade em mim”.
De seu diário de guerrilha:
Sábado, 12 de setembro
Meu querido Senhor:
Estou escrevendo depois de muito tempo. Hoje de fato me sinto necessitado de ti e de tua presença, talvez seja a proximidade da morte ou o fracasso relativo da luta. Sabes que tenho procurado por todos os meios ser fiel a ti.
Consequente com meu ser em plenitude. Por isso aqui estou. Entendo o amor como uma urgência em solucionar o problema do outro onde tu estás. Deixei o que tive e vim. Hoje talvez seja a minha Quinta-feira e esta noite a minha Sexta-feira.
Em tuas mãos entrego-me inteiramente; o que me dói é talvez deixar o que mais quero neste mundo, a Cecy e minha família, e talvez não poder sentir concretamente o triunfo do povo, sua Libertação.
Somos um grupo cheio de plenitude humana, “cristão”, e isso, creio, é bastante para impulsionar a História. Isto me conforta. Amo-te e te entrego o que sou e o que somos, sem medida porque és meu Pai. Morte alguma será inútil se sua vida estiver plena de sentido e isso, penso, é valido aqui entre nós. Tchau, Senhor, talvez até o teu céu, essa terra nova por que tanto ansiamos.
Sexta-feira, 2 de outubro
Minha querida rainha:
Faz muitos dias que não escrevo porque me faltava ânimo. Ontem recordei muito tudo o que é NOSSO. Estamos passando momentos extremamente difíceis e duros. Meu corpo está desmoronado, mas meu espirito permanece intacto. Quero entrega-lo a ti em primeiro lugar e aos outros. Amar-te com a plenitude de minhas forças, com tudo que posso, pois tu encarnas minha vida, minha luta e minhas aspirações. Dia 9 dificilmente poderemos estar juntos, talvez dia 29 ou pelo Natal.
Mas tenho confiança que assim será. Somos um grupinho pequeno. Tenho a sorte de estar ao lado de companheiros que também são amigos ou parentes e isso me dá mais tranquilidade. É difícil a esta altura não desesperar e é a confiança no Senhor Jesus que me dá ânimo para seguir até o fim. Perdemos a batalha, ao menos esta, irremediavelmente. Devemos recobrar ânimo e ver com critério claro e realista o que faremos no futuro. Vamos ver o que será.
Oxalá não seja para além da morte nosso encontro, embora este seria superabundante de felicidades. Creio nesta verdade e também me consola porque é real. Espero estar em breve junto de ti. Conversar longamente, olhar-nos nos olhos, trazer ao mundo um Pazuelopis ou uma Pazuelopita, que nos alegre os dias e tocar para frente. Tenho medo que te aconteça alguma coisa, espero, porém, que estarás bem. Enfim, me despeço.
Como sempre o papel é um limite sério, não sirvo para escrever, apenas posso expressar-me. Penso nos velhos. Em meus irmãos e irmãs. Logo os abraçaremos. Quero, e isso é o principal, comer, comer, comer nos primeiros dias, pois já faz um mês que não comemos, a não ser comidinhas esporádicas do que encontramos. Eu te amo muito. Que isso fique bem claro. És o que mais amo e o que amo em plenitude...
Nestor Paz Zamora
Texto elaborado por Tonny, da Irmandade dos Mártires da Caminhada
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8 de outubro de 1970 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU