20 Abril 2017
Na manhã desta quarta-feira, o prefeito de São Paulo, João Doria, teve um breve encontro público com o Papa Jorge Bergoglio, no Vaticano. "É ali que nós seremos recebidos pelo Papa Francisco", dizia ele, em um vídeo, em que apontava para a praça São Pedro, onde o pontífice, todas as quartas-feiras realiza a audiência papal com o público, incluindo o que se inscreveu pela internet. Pediu a ele que visitasse o Brasil, e escutou de Francisco que seria difícil. O rápido momento foi transformado em quase 17 minutos de imagens em sua página do Facebook, divididos em três vídeos, em que ele narrava a expectativa do encontro, atendia a um séquito de jornalistas que o acompanhava e mostrava uma espécie de pot-pourri de melhores momentos do fato, que terminava com a foto de um Papa sorridente à sua frente. Com isso, garantiu 5.686 compartilhamentos aos posts e 61.000 reações, entre curtidas, corações e carinhas de espanto.
A reportagem é de Talita Bedinelli, publicada por El País, 20-04-2017.
À frente da maior cidade da América Latina desde janeiro deste ano, Doria fez de seu Facebook um reality show particular. Tornou-se, assim, o prefeito mais influente da internet brasileira e o que possui maior engajamento e compartilhamento de posts, segundo uma pesquisa feita a pedido da revista Exame. Ganhou, nos primeiros 100 dias de seu mandato, mais de dois milhões de seguidores, quase a totalidade de sua base de 2,5 milhões de fãs, número próximo à quantidade de votos que o colocou no comando da cidade, 3 milhões. Segundo um levantamento feito pela analista de redes sociais do El País, Fernanda Becker, seu post mais popular, em que ele aparecia em um vídeo doando seu primeiro salário à instituição AACD, teve 569.094 interações. Em seu segundo vídeo com maior interação (439.293), aparece com um boné do McDonald's, anunciando uma parceria para seu projeto de realocar no mercado de trabalho moradores de rua. E, no terceiro (327.687 interações), anuncia a doação de medicamentos por laboratórios.
No canal de comunicação que criou para falar sobre si mesmo e sua gestão, pago de seu próprio bolso, segundo a Prefeitura, o prefeito não deixa nada de fora. Há vídeos em que ele aparece tomando café da manhã ao lado da mulher, Bia Doria, brinca com os cachorros antes de sair para trabalhar, faz visitas surpresas a equipamentos públicos da cidade e, até, comunica a demissão de uma secretária, numa cena que guarda lembranças com O Aprendiz, programa que apresentou nos anos de 2010 e 2011, à exemplo do presidente Donald Trump.
Neste vídeo, que obteve 17.000 reações, incluindo emoticons de gargalhada, Soninha Francine, que cuidava da Secretaria de Assistência Social, aparece abatida, constrangida, enquanto ele explica a decisão "mútua" que levou à saída dela. Horas depois, ela explicou que a decisão foi só dele e que seu abatimento era, na verdade, cara choro de quem acabara de ser demitida. "Eu falei 'a gente vai gravar um vídeo? Eu vou aparecer com essa cara?´”. Eu até brinquei com ele: “E se eu chorar?”. Me falaram que tudo bem, que seria do meu coração", afirmou a ex-secretária em uma entrevista ao portal da revista Veja. "O vídeo foi feito em comum acordo. Entendo que é a forma transparente. Utilizo as redes sociais intensamente e desta feita não deveria ser diferente", ressaltou o prefeito, após ter a conduta questionada por uma jornalista.
Estratégia política
André Miceli, professor e coordenador do MBA em marketing digital da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que a estratégia de Doria começou a dar certo mesmo antes das eleições. "Pesquisas indicavam que existia essa visão de que tanto [Fernando] Haddad quanto Lula trabalhavam pouco. Por isso ele criou a imagem de João Trabalhador, que se colocava como antagonista disso. É uma estratégia que deu certo e foi repetida depois que ele assumiu", afirma. "Com o uso das redes sociais, ele tem a chance de mostrar tudo o que faz. Coloca os vídeos que mostram sua rotina de trabalho, que começa cedo, para reforçar a ideia do trabalhador".
Para o especialista, a estratégia funciona porque o Facebook permite essa proximidade com o eleitor, que acaba por espalhar seus posts pela rede social aos seus seguidores. Com isso, ele consegue atingir um público que vai, inclusive, para além da cidade, num momento em que crescem as apostas de que ele pode ser um nome do PSDB até mesmo para a disputa presidencial no ano que vem. Este tipo de ação ajuda a amenizar os efeitos das últimas mudanças eleitorais, como a proibição do financiamento empresarial, que diminuiu o dinheiro disponível para o marketing político, e o menor tempo de campanha. "A política vive um momento peculiar. Os políticos estão se reinventando e precisam de novas formas de comunicação", destaca Miceli. Não há, portanto, cenário melhor para um ex-apresentador de TV, como Doria.
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Papa, café da manhã e demissão: o imparável ‘reality show’ de João Doria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU