Será que o 'Papa populista' tem problemas com o populismo?

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04 Abril 2017

O Papa Francisco não segurou suas críticas ao populismo, descrevendo-o como "cruel" e uma forma de "egoísmo", mas a mídia o elogia por ser um 'papa populista'. Porém, a abordagem única adotada por este pontificado para as missas não pode ser entendida sem os três Ps: populismo, proximidade e periferias.

A reportagem é de Claire Giangravè, publicada por Crux, e traduzida por Luísa Flores Somavilla. 31-03-2017.

Para um “Papa do povo”, Papa Francisco certamente não segura as críticas ao populismo. Em entrevista ao jornal alemão Die Zeit, o Papa se referiu a ele como simplesmente “cruel”. Ao jornal espanhol El País, ele explicou que “o populismo no sentido europeu da palavra” é exemplificado por Hitler, que foi “eleito pelo seu povo e, depois, o destruiu”.

Mais recentemente, em um discurso para mais de 20 líderes europeus reunidos para a celebração do 60º aniversário da assinatura do Tratado de Roma, o embrião do que hoje é a União Europeia, o Papa entrou no ringue para dar o golpe final no populismo.

“As formas de populismo”, disse o Papa, são “fruto de um egoísmo que aprisiona as pessoas e as impede de superar e 'enxergar além' da sua própria visão restrita”.

Francisco pediu uma nova liderança na Europa, “que não apele para as emoções para entrar em acordo".

A série de duras críticas do Papa levou alguns populistas e apoiadores a se questionarem: ele não era parte do time?

A verdade é que muitas vezes eles não se revelam abertamente e não se admitem populistas. A própria definição é fluida e se aplica igualmente a Bernie Sanders, Adolf Hitler e ao Wikipedia.

Existem algumas maneiras de saber se uma pessoa pública é populista ou não e o próprio Papa Francisco certamente é um exemplo de alguns de seus principais aspectos mesmo tendo seu estilo próprio.

Francisco: entre populismo, periferia e proximidade

O Papa Francisco não é uma pessoa facilmente classificável. A mídia se esforça para se manter atualizada com o turbilhão de declarações, conferências, vídeos, tweets e viagens do pontífice. Deste vasto conjunto de discursos e observações improvisadas advém um material confuso e por vezes contraditório.

Quando se trata de compreender a abordagem do Papa Francisco às massas, o populismo não parece se encaixar. Sim, Bergoglio tem uma 'influência populista', mas que só pode ser compreendida em conexão com a ênfase do Papa na proximidade e nas periferias.

A 'influência populista' do Papa Francisco não vem do descontentamento crescente que dominou a Europa pós-migração e pós-crise financeira e tampouco compartilha dos princípios e espírito populista em voga nos EUA.

No início dos anos 2000, quando o populismo estourou na mídia, a questão não residia no Ocidente, mas na América do Sul. Hugo Chávez estava unindo a Venezuela, Rafael Correa conquistando o Equador e Nestor e Cristina Kirchner vivendo seu auge na Argentina.

O renascimento populista na América do Sul ocorreu após a crise econômica que atingiu o continente e veio da desigualdade social que se seguiu. O Papa Francisco assistiu de perto a ascensão de sua popularidade e os problemas que se seguiram a isso.

Considerando suas visitas à Bolívia, ao Equador e ao Paraguai, o Papa provou que simpatiza mais com o populismo sul-americano do que com o europeu.

Talvez porque o estilo singular do populismo do Papa está associado aos pobres e marginalizados - um lema comum entre os populistas da América do Sul -, já que ele considera a pobreza como a brasa que alimenta a divisão cultural.

“A Europa encontra novas esperanças quando investe em desenvolvimento e paz”, disse o Papa Francisco aos chefes de Estado europeus. “Não há paz verdadeira quando as pessoas são negligenciadas ou forçadas a viver na pobreza extrema. Não há paz sem emprego e a perspectiva de um salário digno. Não há paz nas periferias das nossas cidades, devido ao uso de drogas e à violência desenfreada".

Claro que o Papa utiliza outros aspectos do kit populista: a forte agenda anti-establishment, seu desdém pelas estruturas hierárquicas em geral e posição firme em relação às críticas.

A insistente defesa das periferias por parte do Papa Francisco foi uma marca de seu pontificado até agora e ele alertou muitas vezes contra a “globalização da indiferença” e sua “cultura do descarte".

No editorial de 04 de março do New York Times, Austen Ivereigh detalhou outro aspecto fundamental do pontificado de Francisco.

“O populismo do Papa não se destina à popularidade – que é algo inconstante, e, de qualquer forma, sua popularidade é muito maior que a de qualquer político - mas à proximidade”, escreveu Ivereigh. “Este Papa gosta de estar perto.”

É essa proximidade que é a essência do pontificado de Francisco, seja em seus telefonemas surpresa, ao levar crianças no papa-móvel em meio à multidão ou bater papo com os membros da Cúria em Domus Sanctae Mathae, onde ele mora.

Ao falar com pessoas como a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês François Hollande, ambos provenientes de países onde acontecem eleições cruciais este ano, a liderança do Papa era baseada em “um espírito de solidariedade e subsidiariedade”, para elaborar “políticas para que a União como um todo se desenvolva harmoniosamente”.

O foco do papa na subsidiariedade, basicamente em como a proximidade funciona na política e na lei, não pode ser subestimado. Estar “perto” das pessoas não é um meio, como para muitos líderes populistas. Em vez disso, é o próprio objetivo, o único que pode curar o atual mal-estar do Ocidente.

O populismo não é tanto um fenômeno quanto é um cinto de utilidades, que o Papa tem plenas condições de usar. Mas em relação a para quê usá-lo, o Papa opta por se concentrar nas causas do problema, como a pobreza e a desigualdade, e não em seus sintomas.

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