‘Se elites brasileiras derrubarem Dilma, vai se abrir um fosso social profundo’

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04 Abril 2016

Um aparente paradoxo ronda a atual crise política no Brasil. As raízes dessa crise estão no futuro. “Tudo o que está ocorrendo neste momento, desde as eleições passadas, tem como referência 2018. É 2018 que informa todos os movimentos. Os conservadores não admitem, de forma nenhuma, uma nova vitória do Lula, que é um candidato, quer se queira ou não, bastante expressivo e com chance de se eleger em 2018”, assinala Carlos Franklin Paixão de Araújo, político, advogado trabalhista e ex-marido da presidenta Dilma Rousseff. Carlos Araújo fala sobre a ofensiva conservadora no país para derrubar a presidenta eleita em 2014 e para inviabilizar a possibilidade de uma nova vitória de Lula em 2018.

A entrevista é de Marco Weissheimer, publicada por Sul21, 04-04-2016.

Araújo reconhece que a situação política e social do país é muito delicada, mas acredita que o governo Dilma tem fôlego para superar a crise atual. E adverte: “Se ocorrer de eles derrubarem a Dilma, acho que vai ficar um fosso social mais profundo do que o que ocorreu após a derrubada de Jango e do suicídio de Getúlio”. Para ele, as elites brasileiras e seus braços midiáticos têm uma postura idealista similar a de grupos de extrema esquerda: “Eles imaginam que a realidade é o que eles pensam que é. Por isso, nunca conseguem traçar uma estratégia mais eficiente. Eles sempre estão anunciando para daqui a pouco uma coisa que não ocorre. Estão nesta aventura de querer derrubar a Dilma, mas derrubar a Dilma é uma aventura inconsequente para eles mesmos. O povo está olhando tudo isso que está acontecendo”, assinala.

Eis a entrevista.

Como você definiria a atual situação política do país?

Estamos vivendo uma situação política extremamente delicada. Tudo o que está ocorrendo neste momento, desde as eleições passadas, tem como referência 2018. É 2018 que informa todos os movimentos. Os conservadores não admitem, de forma nenhuma, uma nova vitória do Lula, que é um candidato, quer se queira ou não, bastante expressivo e com chance de se eleger em 2018. O projeto dos conservadores, especialmente do PSDB, que se tornou um partido de direita, era derrubar a Dilma já em 2015, quando o governo estava no fundo do poço, e assim pegar o Lula mais fragilizado. Na visão deles, essa seria a forma mais eficiente de enfrentar Lula em 2018. Como isso não foi possível, fizeram uma grande frente este ano, uma frente clássica que já se repetiu em 32, em 54 e em 64. Essa postura das elites brasileiras é tradicional, não é nenhuma novidade.

Neste momento, essa frente conservadora, que quer dar um golpe contra Dilma, se depara com duas questões delicadas. A primeira é que não podem apelar para o Exército, pois este não está disposto a participar. O primeiro socorro ao qual eles recorrem, historicamente, é ao Exército. Desta vez não contam com esse socorro. A segunda tem a ver com o Supremo Tribunal Federal. Esse Supremo também não é muito confiável para eles. Então, eles precisam achar uma solução independente destes dois fatores. Daí essa tentativa de aprovar o impeachment de qualquer jeito, sem interessar se há razão para isso ou não, para que as próximas eleições ocorram em melhores condições para eles enfrentarem Lula.

Eu não acredito que eles derrubem a Dilma, mas, na hipótese disso acontecer, a unidade deles é quase impossível de ser mantida. O PSDB não consegue sequer manter sua unidade internamente. Eles já têm dois pré-candidatos, Aécio e Alckmin. Isso já está traçado há algum tempo. E, agora, tiveram essa dissidência do Matarazzo em São Paulo, cuja expressão ainda não sabemos, mas que expõe a contradição quase insuperável que eles têm internamente. O que será da candidatura do Aécio sem os votos de São Paulo? O que será da candidatura do Alckmin sem os votos de Minas e de outros lugares do Brasil? Isso está presente na análise deles, pois não são tão incompetentes. Sabem que se não resolverem essa questão, que é de difícil solução, não pode se excluir a hipótese de termos, em 2018, um segundo turno entre Lula e Marina.

Qual o papel que o PMDB desempenha nesta estratégia?

Sobre o PMDB não se pode ter nenhuma ilusão. Assim como está no governo, está na oposição. É preciso entender bem a natureza do PMDB. Esse partido, na verdade, é uma federação de líderes estaduais que não se comunicam entre si. Cada um é autônomo. É o Pedro Simon aqui, o Luís Henrique em Santa Catarina, o Requião no Paraná, o Temer em São Paulo, o Cabral no Rio, o Sarney no Maranhão, o Eunício no Ceará e assim vai Brasil afora. Eles não conseguem se unir porque os interesses deles são muito diversos. O PMDB teve duas candidaturas à presidência da República, que foram dois fracassos homéricos. A do Quércia e a do Ulysses, que não fez um por cento dos votos. Os interesses particulares são gigantescos e não se comunicam entre si. Eles podem constituir uma unidade episódica. Agora, por exemplo, que estão achando que vão derrubar a Dilma, estão todos pensando nos cargos do hipotético futuro governo.

Há um ingrediente muito importante no PMDB hoje, tradicionalmente um partido de centro, com muitos interesses regionais. Quando fundaram o PPS, com Roberto Freire, fizeram uma reunião para discutir o que iam fazer com o Partidão, onde estavam até então. Nesta reunião, dois estados disseram que não teriam condições de entrar desde logo no PPS, pois não teriam chances eleitorais se fizessem isso. Os dois estados foram São Paulo, com Alberto Goldman e Aloysio Nunes, que eram do Partidão, e o Rio Grande do Sul, de Sartori, Osmar Terra e outros que foram do PCB. Vários destes, que tiveram uma posição mais realista que o rei, hoje, são de extrema direita. O que é o Aloysio Nunes hoje? O que é o Osmar Terra, que fica fazendo discursos histéricos todo dia. Esse ingrediente está presente hoje dentro do PMDB com alguma força significativa. O PPS é uma força auxiliar, mas que atua muito dentro do PMDB. Esse partido foi uma criação artificial patrocinada pelo Serra que mais tarde financiaria a eleição de Roberto Freire como deputado em São Paulo.

Eles tiveram essa reunião agora, apelidada de reunião miojo, pois em três minutos resolveram tudo. O PMDB não pode reunir mais do que três minutos, pois senão racha tudo. Tem que ser tudo bem ligeiro antes que alguém faça uma pergunta e esculhambe tudo. Mas mesmo essa decisão tomada rapidamente é tão frágil que os ministros do partido vão continuar no governo e não serão expulsos ou algo do gênero. Talvez a Katia Abreu saia do governo, pois ela tem interesses específicos em Tocantins, onde o filho dela é candidato a governador pelo partido do Kassab. Os demais vão ficar ali. O Picciani (Leonardo Picciani, PMDB/RJ) disse que vai conseguir de 20 a 25 votos de apoio a Dilma. Se isso acontecer, ela se fortalece bastante. Esse é o retrato do PMDB. Quem se aventurar a ser candidato a presidente da República pelo PMDB nunca conseguirá ter o apoio de um partido nacional. O PMDB é uma espécie de PSD antigo, que sempre apoiou o que a gente poderia chamar de esquerda da época. Primeiro com Getúlio Vargas, depois com Jango.

Seja como for, eu estou otimista, com todas as cautelas que o momento exige. Há alguns dias, fizeram uma fotografia do Temer com o Renan, que teriam fechado um acordo. No dia seguinte, Renan disse que não fechou acordo nenhum e apoiou os ministros que decidiram ficar no governo. Se Renan permanecer nesta posição, o impeachment, se passar na Câmara, não passa no Senado. Mas são conjecturas. Vamos ver também qual será o efeito da presença de Lula nas articulações, pois ele é muito hábil neste trabalho.

Qual sua avaliação sobre o papel desempenhado pelos grandes grupos de comunicação em todo o processo da crise política?

Nós temos um problema sério no Brasil e uma pergunta que precisa ser feita e respondida com profundidade: como é que todo esse oligopólio da mídia, com tudo na mão, perde quatro eleições seguidas? Eu tenho um jeito mais hilário para responder essa questão e um mais reflexivo. No mais hilário, o povo brasileiro olha para todo esse oligopólio e diz: nós gostamos muito de novela e de futebol, o resto deixa conosco. Mas acho que a questão é mais profunda. A grande mídia e as elites brasileiras pensam como a extrema esquerda. São idealistas. Eles imaginam que a realidade é o que eles pensam que é. Por isso, nunca conseguem traçar uma estratégia mais eficiente. Eles sempre estão anunciando para daqui a pouco uma coisa que não ocorre…

A revolução iminente…

Isso, a revolução iminente. Estão sempre assim. A mídia brasileira tem um gênio que nós devemos aplaudir, esse rapaz da Globo que articula todos os jornais e as manchetes, o Ali Kamel. O Kamel é o gênio deles. Veja como eles estão de gênio… Quem é que pensa na Globo? Estou falando de pensar mesmo, não de colocar um caminhão na rua e passar por cima de tudo. Há uma grande incompetência aí. Eles são muito sectários e isso cega e coloca fora da realidade. Além disso, há uma questão secundária, mas que sempre tem o seu peso. Eles se unem todos contra a gente, mas se odeiam entre si.

Precisamos pensar essa mídia brasileira com mais profundidade. Qual a classificação política e ideológica de um jornal que, certo dia, chama seu redator chefe que está lá há 15 anos, e comunica a ele: nós vamos apoiar o Frota para derrubar o Geisel, porque ele está com muitos comunistas no governo. Claudio Abramo deixava aí a direção da Folha de São Paulo. Como classificar um jornal que achava que o governo Geisel tinha muitos comunistas? E a história da Globo então? Roberto Marinho foi um dos maiores gangsters da história do Brasil e o império dele foi construído em cima de gangsterismo. Qual foi a forma pela qual ele conseguiu, em 1966, fazer um acordo com o grupo Time Life? Uma sociedade que foi, inclusive, ilegal, pois deram 30% das ações para a Time Life, quando a Constituição proibia estrangeiros terem ações de empresas nacionais. A ilegalidade foi aceita tranquilamente. Castelo Branco não topou, mas Costa Silva topou e conseguiu dinheiro dos Estados Unidos para fazer um empréstimo gigantesco, em troca de quinze anos de propaganda na Globo. Foi um adiantamento por propaganda.

E o Estadão, golpista desde há muito tempo. Ultraconservador, tentou derrubar Getúlio em 32 num arremedo de revolução que não passou de uma quartelada braba. Essa é a mídia que nós temos. Mas quando as forças progressistas conseguem se organizar e tocar as coisas com eficiência, passam por cima deles. Mas é preciso fazer algo sobre esse tema. Acho que o PT errou no primeiro governo de Lula em não ter providenciado alguma coisa para limitar esse estado de coisas. O Brasil é o único país do mundo que alguém pode ser proprietário, ao mesmo tempo, de canais de televisão, rádio, jornal, internet, o que ele quiser…

Em tese nem poderia, pois a Constituição veda essa prática de monopólio…

Pois é, mas aqui isso não acontece. O Brasil é o único país do mundo também em que os corruptos organizam passeatas contra a corrupção, colocando milhares de pessoas na rua. Então, eu vejo a conjuntura como muito preocupante, mas acho que o governo ainda tem algum fôlego. O grande problema é que, se não passar o impeachment, vão tentar derrubar a Dilma via Justiça, pois não podem deixar o Lula ser candidato em 2018. Uma pesquisa do próprio Datafolha que saiu há uns vinte dias aponta o Aécio com 22%, o Lula com 20% e a Marina com 18%, debaixo de um mau tempo desses. É impressionante. O Lula é muito parecido com o Getúlio Vargas. As conjunturas se alteram, as coisas batem nele, mas não grudam. Ele tem uma relação muito direta com o povo. Os grandes líderes populares sempre tiveram essa característica. Esses grandes líderes sabem que o aprendizado entra pelo ouvido. Por isso que o Fidel fazia discursos de 14 horas, o Brizola de oito horas, o Chávez de seis horas. Todos eles pegavam três ou quatro temas e ficavam repetindo esses temas com metáforas diferentes. O Lula também faz isso.

Para quem viveu diretamente 1964, quais comparações podem ser feitas com o momento atual, se é que podem, e há algum ensinamento que aquele período traz para hoje?

Eu acho 64 diferente de hoje. Em 64, o que nós tivemos foi quase um golpe externo, patrocinado pelos Estados Unidos que tinha medo do governo Jango. Era a época da Guerra Fria e do combate ao comunismo, liderado pelos Estados Unidos em toda parte. Foram eles que lideraram o golpe e hoje já temos bastante documentação sobre isso. As elites brasileiras estavam aí para isso mesmo e as Forças Armadas também, dominadas por eles. Hoje nós não temos a Guerra Fria, o que é uma diferença importante. Outra coisa que não tem hoje é o apoio das Forças Armadas para os golpistas. As elites são as mesmas, seus interesses são os mesmos, mas os seus instrumentos e a conjuntura são diferentes.

Se ocorrer de eles derrubarem a Dilma, acho que vai ficar um fosso social mais profundo do que o que ocorreu após a derrubada de Jango e do suicídio de Getúlio. Com o tempo, vai se ver isso. Essa derrubada seria uma violência absurda. A imprensa internacional começa a perceber isso e vários veículos vêm manifestando apoio ou simpatia a Dilma. Até o Macri, na Argentina, que falou em suspender o Brasil do Mercosul, caso ela seja derrubada. Seria um escândalo internacional. Como é que eles vão recompor o país com uma violência dessas. Acharam que fazer uma reunião em Portugal, dirigida pelo Gilmar Mendes, abriria portas para eles. O tiro saiu pela culatra. O governo conservador de Portugal se retirou do seminário.

A Dilma mantém relações pessoais muito fortes com muitas dessas lideranças internacionais. São coisas da vida que ela foi construindo. Ela tem relações pessoais muito fortes com Obama e com Hillary Clinton, principalmente com esta última. Você não vê hoje um apoio externo ao golpe. Nenhum. Podem fazer críticas ao governo, mas não há nenhum apoio ao golpe. Isso é mais uma evidência de que estamos diante de uma violência grave que abre um precedente igualmente grave. Não sei se tudo isso terá consequências imediatas, mas mediatas terão, de modo significativo. O primeiro ponto do programa do Temer é acabar com a legislação trabalhista. Os caras estão loucos. O dono das lojas Riachuelo, Flávio Rocha, já deu duas entrevistas dizendo que as empresas vão todas embora do Brasil para o Paraguai, pois não dá mais para ficar aqui. No Paraguai é que é interessante e se funciona de modo racional. Lá, por exemplo, disse ele, tem doze dias de férias por ano. Então, o veneno que vem junto com essas propostas, a população vai sentir, caso eles consigam derrubar a Dilma. Eles vêm para fazer o serviço.

Acho que o movimento popular vai crescer no decorrer deste processo. E aí, faz o quê? Bota o Exército na rua? Eles estão criando as condições para que o movimento popular comece a ser mais ativo no Brasil. Esse é um dos aspectos importantes dessa conjuntura que está aí, se derrubarem a Dilma. Mas eles não pensam nisso. Como eu disse, eles têm um pensamento idealista. Eles acham que vão derrubar a Dilma, eleger o presidente, acabar com o PT, com a esquerda e com a diferença entre direita e esquerda…

Nas manifestações a favor do impeachment realizadas no Parcão, aqui em Porto Alegre, as referências teóricas são Ronald Reagan, Margaret Thatcher, Von Mises e por aí vai…

Sim, é isso. É uma coisa inacreditável. O Mino Carta bate toda a semana nesta tecla, dizendo que ainda se trata de casa grande e senzala. E ele está certo. Há uma elite branca, racista e endinheirada que se acha super poderosa e que não está nem aí. Mas eles têm fissuras. Roberto Setúbal, do Itaú, voltou a dizer, há alguns dias, que não apoia golpe nenhum. Eles querem ganhar dinheiro. Historicamente, os setores que agem com mais radicalismo ideológico normalmente pertencem à burguesia industrial de São Paulo, aquele povo que vive em torno da FIESP. Normalmente está ali o centro de irradiação do radicalismo. Foi assim em 64 e foi assim também na ditadura que se seguiu. Foram eles que financiaram a repressão.

A formação ideológica das elites brasileiras foi sempre muito conservadora. Eles não conseguiram entender que o que Getúlio Vargas estava fazendo em 30 era uma revolução capitalista para desenvolver o Brasil. Tiveram uma reação ideológica a esse processo. Grandes empresários como Ermínio de Moraes e Matarazzo ficaram com Getúlio, mas esse povinho da FIESP não, desde aquela época. Hoje, estão fazendo a mesma coisa. Estão nesta aventura de querer derrubar a Dilma, mas derrubar a Dilma é uma aventura inconsequente para eles mesmos. Se a Dilma está mal no governo, que critiquem, metam ferro e se preparem para as próximas eleições. Fernando Henrique também teve um momento no governo igual ao da Dilma, enfrentando uma conjuntura muito difícil. Mas nem por isso se tentou derrubá-lo. Pedaladas? Então, todos os governadores do Brasil tem que sofrer impeachment. Pega o caso do Sartori aqui que pagou o décimo terceiro salário com dinheiro do Banrisul. Quer mais pedalada que isso? É uma hipocrisia muito grande.

A presidenta Dilma já disse várias vezes que suporta bem o ambiente de pressão. Vocês têm conversado sobre toda essa situação?

A gente não conversa muito sobre detalhes disso tudo. Ela vem para cá para ficar com a família dela. Mas ela está com um ânimo forte, consciente de tudo o que está acontecendo e disposta a ir à luta. Eles subestimam muito a Dilma, dizendo que ela vai renunciar. É inacreditável isso passar pela cabeça de alguém. Como eu disse, são idealistas. Agora vamos fazer uma pressão e ela renuncia, acreditam. Não vai ter renúncia nenhuma. Não vai ter. Pode ter até o golpe. Isso é outra coisa. Eles estão sempre se equivocando.

Essa questão do tríplex e do sítio do Lula é uma coisa ridícula. Isso só existe porque a mídia está em cima. Um tríplex de 220 metros quadrados, onde num andar tem a cozinha, no outro tem a sala e no outro o quarto. O cara agora é rico, milionário e ladrão por isso? Vamos supor que aquela chácara seja dele. Mas e daí? Ele não pode ter uma chácara, sem ser ladrão? E não há nenhuma prova de nada. Tudo são indícios e ilações. Já o Cunha tem milhões em contas no exterior, documentadas, e não acontece nada. Invadiram a casa do Lula às seis horas da manhã com 200 policiais. Onde é que nós estamos? O povo está olhando para tudo isso. O povo olha tudo.

O Brizola dizia que o povo, em última instância, nunca erra. Ele tem uma percepção especial das coisas que a gente não sabe aprender direito. Numa dessas reuniões típicas de um partido trabalhista, uma esculhambação geral onde o líder era questionado o tempo todo, um gaiato questionou a tese: “Como assim, Brizola. Para de dizer bobagem. Como é que nunca erra, acabou de eleger o Jânio Quadros”. E Brizola respondeu: “Pois é, mais uma vez não errou. Ele olhou quem eram os candidatos, tinha um tal de Marechal Lott, foi passando um a um os nomes e viu que não tinha nenhum do lado dele. Então vamos eleger o pior”. Na verdade, o Brizola exagera um pouco, mas há uma percepção popular. Sempre houve. Há outra coisa que não se entende direito: como é que, quando morre um líder popular, logo vem outro em seguida?

As elites brasileiras estão mexendo com o que não tinham que mexer. Estão mexendo com uma coisa muito séria. Acho que não vai acontecer, mas, caso derrubem a Dilma, quero ver qual vai ser a atitude das Forças Armadas…

Na sua avaliação, houve uma mudança de mentalidade nas Forças Armadas, comparando com a que havia em 1964?

Acho que houve, sim. Eles não se meteram em nada até agora, não sofrem a pressão internacional que sofriam em 64. E a conjuntura internacional mudou muito também, com a presença da China e o enfraquecimento da capacidade de intervenção dos Estados Unidos na América Latina. Então, acho muito difícil as Forças Armadas se envolverem nesta crise. Mas, se daqui a pouco a situação social ficar muito explosiva, o que pode ocorrer, como é que elas vão se comportar?

Acho a situação extremamente delicada e não está nada definido. A Dilma está confiante que vai conseguir os votos. As elites estão cometendo um grande erro. Se o governo está mal, deixa o governo se lascar, isso seria melhor para eles. Caso consigam dar o golpe, a versão histórica vai ser: “Quem derrubou a Dilma foi o Cunha. Como é que um corrupto derruba um governo que não tem nenhuma acusação de corrupção? As elites brasileiras não têm uma formação ideológica consistente para fazer uma política conservadora clássica. Quem é Fernando Henrique Cardoso, um homem movido pela vaidade, que hoje só abre a boca para dizer besteiras? Eles estão num clima de oba-oba que é típico deles, achando que está tudo dando certo. Colocaram três milhões de pessoas nas ruas. Faltaram 50 milhões, pois a Dilma teve mais de 54 milhões de votos.

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