O fim das ordens religiosas?

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10 Abril 2015

Quem caracteriza o rosto da Igreja Católica são as religiosas e os religiosos. São quase um milhão no mundo. Mas, na Europa e na América do Norte, a maioria dos conventos em breve estarão vazios.

A reportagem é de Christian Modehn, publicada no sítio Publik-forum.de, 27-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O Papa Francisco declarou 2015 como o "ano das ordens religiosas". Na Alemanha, são propostos dias de portas abertas, fins de semana de reflexão e cursos espirituais. Um congresso público sobre a vida religiosa em Berlim, em maio, deveria oferecer uma constatação crítica da situação atual. Mas o congresso foi cancelado repentinamente pela Zentrale der Deutschen Ordenoberen.

"Tem-se o medo de que haverá muita exposição política, especialmente sobre o problema da migração para a Europa. Depois, há a preocupação de que se possa chegar a conflitos entre a hierarquia e os religiosos", afirma o padre Ulrich Engel, dominicano, professor em institutos superiores e, desde sempre, um espírito crítico.

Muitos religiosos são pessoas exemplares quando defendem os direitos humanos e tomam posição em favor de uma teologia crítica. Mas muitos conventos na Europa e na América do Norte já são praticamente lares de repouso para religiosos idosos. Em 2013, formaram-se na Alemanha 62 noviças na sua congregação feminina. Há 60 anos, as noviças eram 3.500.

A idade média dos jesuítas nas províncias de língua alemã é de 65 anos. As outras ordens têm uma média de idade ainda maior.

Para poder fazer com que os mosteiros funcionem, muitas ordens fazem ir à Europa os membros da Índia ou das Filipinas. Os agostinianos, nos últimos 20 anos, abriram mão de 11 conventos e fundaram um único novo.

Ulrich Engel sintetiza o clima: "A situação parece sem esperança, e o tempo das ordens religiosas parece superado no nosso país. Ou, ao menos, é o que as estatísticas levam a pensar".

Há muitas razões para o desaparecimento das ordens clássicas: a secularização, o consumismo, a crescente distância da Igreja. É fundamental o desconforto em relação aos três votos das congregações: castidade, obediência e pobreza.

Sobre o voto de castidade, debateu-se fortemente desde que se tornaram conhecidos os escândalos de abuso sexual nas escolas das congregações. O problema sobre o qual é difícil discutir é o seguinte: um homem na casa dos 30 anos ou uma mulher de 25 anos podem jurar que irão viver "para sempre" em castidade, isto é, sem erotismo e sexualidade? A quase total ausência de novas adesões é uma resposta.

O voto de obediência parece hoje bastante inócuo. Na falta de pessoal, cada membro da ordem pode escolher hoje o trabalho que lhe agrada e no qual mais se adapta. Se o superior de uma ordem impõe que um membro realize um determinado trabalho, "o indivíduo é bastante livre para aceitar totalmente, ou em parte, ou até mesmo a recusar", afirma o padre dominicano Thomas Eggensperger. A obediência se transforma em uma espécie de "livre escolha".

Para a opinião pública, a irritação surge em relação ao voto de pobreza. Sobre a questão do dinheiro, as ordens religiosas se calam ainda mais do que as dioceses ou o Vaticano. Elas não estão prontas para declarar com precisão o montante do patrimônio de uma província ou de um convento individual.

Arnulf Salmen, da Zentrale der Deutschen Ordensoberen, tenta motivar essa atitude: "As comunidades religiosas não recebem dinheiro dos impostos da Igreja e devem se encarregar da sua manutenção, do sustento dos religiosos idosos e do financiamento dos seus projetos sociais e pastorais. A conferência dos superiores das ordens não tem conhecimento dos orçamentos dos seus membros".

Mas será preciso se preocupar com isso, já que o diretor do "ministério das ordens" vaticano, o cardeal João de Aviz, diz: "O testemunho do Evangelho exige uma administração das obras totalmente transparente".

O fato é que diversas ordens se beneficiam dos impostos para a Igreja. "Cerca de 70% dos padres pertencentes às ordens estão a serviço das dioceses, com contratos (Gestellungsverträgen)", afirma Ulrich Engel.

Isso significa que as províncias religiosas são beneficiárias dos impostos pagos pelos leigos. Além disso, as ordens são entidades de direito público e, portanto, têm consideráveis benefícios fiscais.

Quem, por exemplo, se informa sobre a província alemã dos jesuítas obtém a seguinte resposta: "Os próprios jesuítas – como a maioria das outras comunidades – não sabem exatamente que patrimônio toda a ordem da Alemanha tem".

De fato, as obras individuais – escolas, institutos etc. – atuam autonomamente. Porém, alguém tem uma ideia global? As ordens não revelam o patrimônio.

Um pouco de transparência é oferecida por alguns mosteiros na Áustria. Os premonstratenses de Schlägl explicitam que as suas posses no bosque se estendem por 6.500 hectares, isto é, 65 quilômetros quadrados. Também obtém receitas da produção de cerveja, de um hotel, da produção de eletricidade ecológica a partir de hidrelétricas.

A Augustiner-Chorherren-Stift Klosternneuburg indica a posse de 8.000 hectares de bosque. Também possui 108 hectares de vinhedos, administra 700 apartamentos e tem muitos contratos de locação de imóveis.

Naturalmente, a manutenção do esplêndido palácio-convento custa muito caro, mas, para a restauração, há uma substancial intervenção do Estado austríaco. No entanto, o Klosterneuburg refere que doou em 2013 cerca de 15 mil euros para as vítimas das inundações, e os ricos monges também usam o seu patrimônio para ajudar os pobres da Romênia.

Mas um membro individual de uma ordem religiosa pode ser verdadeiramente pobre em conventos financeiramente bem abastecidos? Os pobres religiosos talvez não vivem muito acima da média da população?

"Absolutamente", afirma o padre beneditino Ghislan Lafont, da França, "a nossa vida como monges está muito acima do nível da classe média. Estamos muito longe de uma Igreja realmente pobre".

Às vezes, as direções das ordens não podem mais esconder que são realmente ricas. Por exemplo, o superior-geral dos franciscanos, Anthony Perry, teve que admitir no fim de 2014 que a central dos franciscanos em Roma estava no vermelho, porque o seu ecônomo, Giancarlo Lati, tinha feito especulações de diversos milhões de euros.

Lati tinha errado investindo no luxuoso projeto do hotel Il Cantico, em Roma, e tinha feito investimentos duvidosos na Suíça, em parte também em empresas de produção de armas. O superior não explica a origem desses milhões de euros – não exatamente quantificados – em posse dos freis mendicantes.

O superior-geral da ordem dos camilianos, Renato Salvatore, não queria desperdiçar as "suas boas relações com os gerentes suspeitos", relata a imprensa italiana. Para realizar um novo projeto de construção de uma clínica da ordem em Nápoles, com o parceiro de negócios Paolo Oliveiro, fez com que fossem presos por policiais falsos, em novembro de 2013, dois coirmãos que tinham expressado suas críticas ao projeto.

Desse modo, sem os seus votos contrários, esperava poder ser reeleito como superior-geral da ordem e realizar o seu projeto. Essa farsa terminou com a prisão do superior. E, nesse meio tempo, foi eleito um novo superior.

Conclusão: as ordens na Europa perderam a oportunidade de criar novas formas de vida religiosa, com membros leigos casados e celibatários, que permitissem a sua sobrevivência.

Na Holanda, são os "leigos dominicanos", por enquanto cerca de 60 homens e mulheres, que levam adiante a congregação de padres que está se extinguindo. Uma experiência importante, mas ainda uma exceção.

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