Cardeal Reinhard Marx fala sobre o Papa Francisco, sínodo, mulheres na Igreja e relacionamentos homoafetivos

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26 Janeiro 2015

O Cardeal Reinhard Marx, arcebispo de Munique e Freising, é presidente da conferência episcopal alemã, membro do Conselho dos Cardeais que assessoram o Papa Francisco sobre a governança da Igreja, coordenador do Conselho para a Economia e autor de “Das Kapital: A Plea for Man” (2008). Marx palestrou no evento anual “Roger W. Heyns Lecture”, no dia 15 de janeiro deste ano na Stanford University, Califórnia. A entrevista a seguir, editada para esclarecimentos e aprovada pelo cardeal, foi feita no último dia 18 na Memorial Church da mencionada universidade.

A entrevista é de Luke Hansen, SJ, ex-editor associado da revista America e estudante na Faculdade Jesuíta de Teologia, da Universidade de Santa Clara, em Berkeley, Califórnia, publicada pela revista America, 22-01-2015. A tradução de Isaque Gomes Correa.

Eis a entrevista. 

A sua experiência no Conselho dos Cardeais lhe propiciou uma perspectiva diferente sobre a Igreja?

Tenho uma nova responsabilidade. Quando sou entrevistado – como hoje –, me perguntam: “O que o senhor está fazendo neste Conselho?” e “Como é estar com o papa?” Sinto uma responsabilidade maior. Não vejo a Igreja de uma maneira nova, no entanto. Sou bispo há 18 anos e cardeal há 5, e venho participando dos Sínodos. O que vejo são minhas novas responsabilidades e oportunidades, e também o momento histórico de a Igreja avançar e sermos parte da história dela.

Quais são as novas oportunidades?

Este pontificado como um todo abriu novos caminhos. Podemos sentir isto. Aqui, nos Estados Unidos, todo mundo está falando sobre o Papa Francisco, até mesmo as pessoas que não pertencem à Igreja Católica. Tenho que dizer: o papa não é a Igreja. A Igreja é mais que o papa. Mas há uma atmosfera renovada. Um rabino me disse: “Diga ao papa que ele nos ajuda, porque está fortalecendo todas as religiões, não somente a Igreja Católica”. Então, temos um novo movimento.

No Conselho dos Cardeais, temos a tarefa especial de construir uma nova constituição para a Cúria Romana, de reformar o Banco Vaticano e discutir muitas outras coisas com o papa. Mas não podemos estar presentes o tempo todo em Roma. Devemos ver este pontificado desta forma, como um passo mais amplo e novo. Tenho a impressão de que estamos num caminho novo. Não estamos criando uma nova Igreja – ela continua sendo a católica –, mas há um ar renovado, um novo passo para frente.

Qual o desafio que acompanha este novo tempo?

Melhor é ler a encíclica “Evangelii Gaudium”. Algumas pessoas dizem: “Não sabemos o que o papa realmente está querendo”. Eu digo: “Leia este texto”. Ele não dá respostas mágicas para questões complexas, mas sim expressa o caminho do Espírito, o caminho da evangelização, estando-se próximo das pessoas, próximo dos pobres, próximo dos que fracassam, próximo dos pecadores; este documento não expressa uma Igreja narcisista, não é uma Igreja do medo. Há um impulso renovado e livre para se sair ao mundo.

Alguns se preocupam com o que vai acontecer. Francisco usa uma imagem forte: “Eu prefiro uma Igreja que esteja machucada, ferida e suja porque tem saído às ruas”, em vez de uma Igreja que esteja bem limpa e possuidora da verdade e de tudo o que é necessário. Esta segunda forma não ajuda as pessoas. O Evangelho não é novidade, mas Francisco está expressando-o de uma maneira nova e que inspira muitas pessoas, em todo o mundo, pessoas que estão dizendo: “Sim, esta é a Igreja”. Trata-se de um grande presente para nós. Algo muito importante. Vemos o que ele irá fazer. Até este momento ele foi papa por apenas dois anos, o que não é muito tempo.

O que o senhor pode nos contar sobre o Papa Francisco, a pessoa, a partir de seu trabalho?

Ele é muito autêntico. Tranquilo, calmo. Na idade que tem, ele não precisa realizar algo ou provar alguma coisa para mostrar que é alguém. Ele é muito claro e aberto, não é orgulhoso. É forte. Não uma pessoa fraca, mas forte. Não acho que seja tão importante se analisar o caráter do papa, mas compreendo o interesse.

O que é um tanto interessante é como, junto dele, iremos desenvolver o caminho a seguir para a Igreja. Por exemplo, ele escreve [na exortação apostólica] “Evangelii Gaudium” sobre a relação entre o centro em Roma e as conferências episcopais, e também sobre o trabalho pastoral nas paróquias, nas igrejas locais e o caráter dos sínodos. Estes são elementos importantíssimos para o futuro da Igreja. É também bastante importante que temos um papa. Neste momento, todo mundo está falando sobre a Igreja Católica, nem todos de forma positiva, mas a maioria.

Então, Cristo fez muito bem em estabelecer o escritório de São Pedro. Percebemos isto. Mas isso não significa centralismo. Eu disse ao papa: “Uma instituição centralizada não é uma instituição forte. É uma instituição fraca”. O Concílio Vaticano II começou a estabelecer um novo equilíbrio entre o centro e a igreja local, porque viram, há 50 anos, o início da Igreja universal. Não se alcançou isto, no entanto. Devemos fazer acontecer pela primeira vez. Hoje, 50 anos depois, vemos o que pode exigir para sermos uma Igreja num mundo globalizado, uma Igreja universal. Nós ainda não a organizamos de maneira suficiente. Esta é a grande tarefa deste século. A tentação é centralizar, mas assim ela não vai funcionar. O outro desafio é encontrar uma forma de explicar a fé nas diferentes partes do mundo. O que os sínodos e as igrejas locais podem fazer juntos com Roma? Como podemos agir de forma que seja boa?

Dois problemas no presente sínodo são os católicos divorciados e recasados, e os católicos gays (especialmente os que se envolvem em relacionamentos homoafetivos). O senhor tem oportunidades de escuta direta destes católicos em seu atual ministério?

Sou sacerdote há 35 anos. Este problema não é novo. Tenho a impressão de que temos muito trabalho a fazer no campo teológico, não só relacionado à questão do divórcio, mas também à teologia do matrimônio. Fico admirado que alguns digam: “Tudo está claro”, referindo-se a este assunto. As coisas não estão claras. Não se trata de a doutrina católica estar sendo determinada pelos tempos modernos. Trata-se de uma questão de aggiornamento, para dizê-lo de uma forma que as pessoas possam entender, e de sempre adaptar a nossa doutrina ao Evangelho, à teologia, no intuito de encontrar, num novo caminho, o sentido do que Jesus disse, o significado da tradição da Igreja e da teologia, e assim por diante. Há muita coisa a fazer.

Converso com muitos especialistas – canonistas e teólogos – que reconhecem muitas das questões relacionadas à sacramentalidade e validade dos casamentos. Uma delas é: O que podemos fazer quando uma pessoa se casa, se divorcia e encontra um novo parceiro? Há diferentes posições. Alguns bispos no Sínodo disseram: “Elas estão vivendo em pecado”. Mas outros disseram: “Não se pode dizer que alguém esteja em pecado todo dia. Isso não é possível”. Vê, há interrogações sobre as quais devemos falar.

Abrimos um debate sobre este assunto da conferência episcopal alemã. Hoje, o texto está publicado. Eu o considero um material muito bom e uma grande contribuição para a discussão sinodal.

É muito importante que o Sínodo não tenha o espírito de “tudo ou nada”. Este não é um bom caminho. O Sínodo não pode ter vencedores e perdedores. Este não é o espírito do Sínodo. O espírito do Sínodo é encontrar uma forma de andarmos juntos, e não de dizer: “Como posso encontrar um jeito de fazer valer a ‘minha’ posição?” Em vez disso, [devemos nos perguntar]: “Como posso entender a outra posição, e como podemos juntos encontrar uma nova possibilidade?” É este o espírito do Sínodo.

Portanto, é de grande importância que estejamos trabalhando nestas questões. Espero que o papa inspire este Sínodo. O Sínodo não pode decidir; apenas um concílio ou o papa pode decidir. Estas interrogações devem ser compreendidas num contexto mais amplo. A tarefa é ajudar as pessoas a viverem. Não tem a ver, segundo o “Evangelii Gaudium”, com a forma como podemos defender a verdade. Tem a ver com ajudar as pessoas a encontrar a verdade. E isto é importante.

A Eucaristia e a Reconciliação são necessárias às pessoas. Dizemos para algumas delas: “Vocês jamais se reconciliarão”. É impossível acreditarmos nisso quando nos deparamos com certas situações. Eu poderia dar exemplos. No espírito da “Evangelii Gaudium”, temos que ver como a Eucaristia é um remédio às pessoas, servindo para ajudá-las. Devemos procurar maneiras de as pessoas receberem a Eucaristia. Não se trata de encontrar formas de mantê-las fora. Devemos encontrar meios para acolhê-las. Precisamos usar a nossa imaginação, perguntando: “Podemos fazer algo?” Talvez não possamos ajudar em algumas situações. Mas esta não é a questão. O foco deve estar em como acolher as pessoas.

No Sínodo, o senhor se referiu ao “caso de dois homossexuais que viveram juntos por 35 anos e que cuidavam um do outro, mesmo nos últimos momentos de suas vidas”, e o senhor se perguntou: “Como posso dizer que isto não tem valor?” O que o senhor aprendeu a partir destes relacionamentos e isto tem alguma relação com a ética sexual hoje?

Quando falamos sobre ética sexual, talvez devemos não começar com “dormir juntos”, mas sim falando sobre o amor, a fidelidade e a busca por um relacionamento que dure a vida inteira. Fico admirado que a maioria dos nossos jovens, e também homossexuais católicos praticantes, desejam um relacionamento que dure para sempre. A doutrina da Igreja não é tão estranha às pessoas.

A Igreja diz que o relacionamento homoafetivo não está no mesmo nível de uma relação entre um homem e uma mulher. Isto está claro. Mas quando eles são fiéis, quando estão engajados no trabalho a favor dos pobres, quando estas pessoas estão trabalhando, não é possível dizer: “Tudo o que vocês fazem, pelo fato de serem homossexuais, é negativo”. Não se pode ver alguém somente de um ponto de vista, sem enxergar a situação como um todo. Esta postura é bastante importante para a ética sexual.

O mesmo vale para as pessoas que vivem juntas mas que se casam depois, ou quando são fiéis juntas mas só no casamento civil. Não é possível dizer que a relação era negativa em seu todo, se o casal é fiel e se estão esperando, ou planejando suas vidas, e 10 anos depois encontram o caminho para o sacramento. Quando possível, devemos ajudar as pessoas que vivem juntas a encontrar uma realização no matrimônio. Discutimos este assunto no Sínodo, e muitos dos padres sinodais partilham desta opinião. Não estive sozinho neste sentido.

No mês passado, Dom Johan Bonny, da Arquidiocese de Antuérpia, Bélgica, disse que a Igreja deveria reconhecer uma “diversidade de formas” e que poderia abençoar alguns relacionamentos homoafetivos com base nestes valores de amor, fidelidade e compromisso. É importante para a Igreja discutir estas possibilidades?

No Sínodo dos Bispos, eu disse que o Papa Paulo VI teve uma grande intuição na [carta encíclica] “Humanae Vitae”. A relação sexual num relacionamento fiel funda-se no procriar, no dar amor, na sexualidade e na abertura à vida. Paulo VI acreditava que esta série de elementos pudesse ser destruída. Ele estava certo; basta vermos todas as questões envolvendo a medicina reprodutiva e assim por diante. Não podemos excluir este grande modelo de sexualidade e dizer: “Temos uma diversidade”, ou ainda: “Todos têm o direito de...”. O grande significado da sexualidade é a relação entre um homem e uma mulher e a abertura à vida.

Como a Igreja Católica e as igrejas protestantes marcarão o 500º aniversário da Reforma em 2017? Quais são as possibilidades de uma cooperação maior entre as nossas igrejas?

Estamos tendo um bom diálogo na Alemanha e no nível da Santa Sé, com a Federação Luterana Mundial, no intuito de realizarmos uma memória desse período. Nós católicos não podemos “celebrar” este aniversário, visto não ser bom que a Igreja tenha se dividido durante estes séculos. Mas temos que curar as nossas memórias, um ponto importante e um bom passo adiante em nossa relação.

Na Alemanha, fiquei muito feliz que os líderes da igreja protestante não querem celebrar este aniversário sem os católicos. Há 100 anos, ou mesmo 50 anos atrás, um bispo protestante não diria: “Só irei celebrar quando os católicos estiverem presentes”. Então, estamos planejando este momento. “Curar as Memórias” vai ser uma celebração conjunta.

Na Alemanha, os líderes protestantes e católicos farão uma peregrinação à Terra Santa, para voltarmos às nossas raízes. Faremos uma celebração maior não a Martinho Lutero e sim a Cristo, uma “Christusfest”, para olharmos adiante: Qual é o nosso testemunho hoje, o que podemos fazer hoje, qual o futuro da religião cristã e o que podemos fazer juntos. São estes os nossos planos para marcar o 500º aniversário.

O Papa Francisco pede por uma participação maior das mulheres na Igreja. O que o senhor pensa neste sentido? O que ajudaria a Igreja a melhor cumprir a sua missão?

A desclericalização do poder é importantíssima na Cúria Romana e nas administrações diocesanas. Devemos olhar para o Direito Canônico e refletirmos teologicamente para vermos quais papéis necessariamente exigem sacerdotes; e então “todos” as outras funções, no sentido mais amplo possível, devem ser abertas aos leigos, homens e mulheres, mas especialmente as mulheres. Na administração do Vaticano, não é necessário que religiosos liderem todas as congregações, conselhos e departamentos. É uma pena que não haja mulheres entre os leigos no Conselho para a Economia. Os especialistas foram escolhidos antes que eu começasse como coordenador, mas irei procurar mulheres para atuarem nesta função.

Pela primeira vez no Vaticano, o nosso Conselho tem leigos com as mesmas responsabilidades e direitos que os cardeais. Pode não parecer grande coisa, mas as grandes coisas começam com passos pequenos, certo?

Digo e repito em minha diocese: Por favor, vejam o que vocês podem fazer para trazerem os leigos, especialmente as mulheres, para as posições de responsabilidade na administração diocesana. Fizemos um plano para a Igreja Católica na Alemanha ter mais postos de liderança nas administrações diocesanas assumidos por mulheres. Em três anos, veremos o que foi feito.
Nesta questão devemos fazer um grande esforço em vista do futuro, não só para sermos modernos ou imitar o mundo, mas também para percebermos que esta exclusão das mulheres não está no espírito do Evangelho. Às vezes, o desenvolvimento do mundo dá-nos um sinal: vox temporis vox Dei (“a voz do tempo é a voz de Deus”). O desenvolvimento do mundo dá-nos sinais, sinais dos tempos. João XXIII e o Concílio Vaticano II disseram que precisamos interpretar os sinais dos tempos à luz do Evangelho. Um destes sinais são os direitos das mulheres, a emancipação delas. João XXIII disse isto há mais de 50 anos. Estamos sempre em vias de sua realização.

O progresso não é aparente.
Às vezes, ao invés de as coisas melhorarem elas pioram.

Qual o impedimento que precisa ser superado?

Mentalidade! Mentalidade! Mentalidade! E as decisões dos que têm cargos de responsabilidade. Isto é claro: os bispos têm que decidir. Os bispos e o Santo Padre precisam começar a mudança. Muitas vezes participei de seminários ou cursos para gerentes de empresas, e isto sempre esteve claro: as escadas são limpas a partir de cima, não de baixo. Assim devem fazer os líderes; os chefes devem começar. A mentalidade deve mudar. A Igreja não é um negócio, mas os métodos não são tão diferentes. Precisamos trabalhar mais em equipe, em projetos. A questão é: “Quem tem os recursos para fazer acontecer estas ideias?”.

Deus nos dá todas estas pessoas e nós dizemos: “Não, ele não é padre, ele não podem fazer este trabalho, ou esta ideia não é tão importante”. Isto é inaceitável. Não mesmo.

O Papa Francisco fará a sua primeira visita aos Estados Unidos em setembro. O que o senhor espera desta visita?

Sempre fico admirado com a capacidade do papa de reunir as pessoas e inspirá-las. Espero que as pessoas nos Estados Unidos possam vivenciar isto também. Uma das principais tarefas e desafios de um bispo, e de um papa, é unir as pessoas e unificar o mundo. A Igreja é o um instrumentum unitatis, um instrumento e sacramento de unidade entre as pessoas e entre Deus e elas. Espero que, quando o papa visitar este país – e possivelmente a ONU –, a Igreja possa mostrar ao mundo que a ela será um instrumento não para si mesma, mas para a unidade do país e do mundo.

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