Legionários de Cristo iniciam Capítulo extraordinário: um caminho de profunda renovação – entrevista ao Cardeal Velasio De Paolis

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13 Janeiro 2014

Teve início na tarde desta quarta-feira, em Roma, o Capítulo Geral extraordinário da Congregação dos Legionários de Cristo. Presidida pelo Delegado Pontifício, Cardeal Velasio De Paolis, a missa inaugural teve lugar às 18h30 locais na Capela do Centro de Estudos Superiores dos Legionários de Cristo.

Os trabalhos do Capítulo foram abertos na manhã desta quinta-feira, dia 9, e se realizarão na sede da direção geral da Congregação, devendo concluir-se provavelmente até o final de fevereiro.

Em vista desta ocasião, o Delegado Pontifício para a Congregação dos Legionários de Cristo concedeu uma longa entrevista a Pe. Federico Lombardi – para a Rádio Vaticano – sobre a preparação e as perspectivas do Capítulo.

A entrevista é publicada pelo Rádio Vaticano, 09-01-2014.

Eis a entrevista.

Eminência, neste 8 de janeiro tem início o Capítulo dos Legionários de Cristo: representa um passo ulterior e fundamental do longo caminho de renovação, que o senhor conduziu por encargo do Santo Padre. Poderia resumir-nos brevemente os passos e os eventos principais deste caminho de preparação, desde a sua nomeação até o Capítulo?

Em primeiro lugar, gostaria de precisar que este caminho não é o início do caso da Legião e do Regnum Christi, mas é uma etapa. A primeira etapa é o caso do Fundador; a segunda, a visita da parte dos cinco bispos enviados pelo Santo Padre para tomar conhecimento desta realidade; a terceira etapa, precisamente, a nomeação do Delegado Pontifício. Por que é importante ressaltar isso? Porque a visita dos cinco Visitadores trouxe um resultado de reflexão, de avaliação e, portanto, também de ponderação sobre o futuro. Quando o Santo Padre nomeou o Delegado Pontifício já havia emitido no Boletim oficial um juízo severo sobre a atuação do Fundador da Legião, mas não a ponto de destruir a realidade da Legião: se o Papa nomeia um Delegado, implicitamente nega que se deva dar um juízo substancialmente negativo sobre a própria Legião. Ele mesmo, no início da Bula de nomeação, diz: "Há um grande número de sacerdotes zelosos e comprometidos no caminho da santidade". Justamente porque havia essa premissa de confiança, essa etapa – que começou com a nomeação do Delegado Pontifício – era mais, portanto, uma nomeação positiva, ou seja, queria repercorrer o caminho junto aos Legionários para levá-los, mediante um período de reflexão, de renovação, também penitencial, a rever o próprio carisma, a reescrever suas Constituições e, portanto, a retomar sua colocação positiva dentro da Igreja. É necessário dizer isso porque se considerava, de certo modo, concluído o exame sobre o Fundador; consideravam-se concluídas também as visitas aos diversos lugares. Era então necessário atuar no seio do Instituto para fazer as pessoas refletirem e ajudá-las a superar as dificuldades. E essa foi precisamente a nossa missão. O Papa diz que, entre as muitas tarefas, a principal é a da revisão das Constituições. Havia Constituições que não foram redigidas segundo os critérios do pós-Concílio, mas tinham ainda os critérios tradicionais: um texto muito longo, pesado, inclusive ferruginoso, em que não se distinguiam as normas constitucionais das outras e se refletia também uma mentalidade que – a nível disciplinar – não distinguia nem mesmo o grau das leis, a importância das leis e, portanto, também a substância da disciplina, de outras normas que são úteis, talvez inclusive necessárias, mas não características. Um mar de normas, no seio das quais o próprio carisma acabava aguado, ou mesmo liquefeito e era difícil dar-lhe consistência. Essa era a tarefa principal.

E como atuou com seus colaboradores para enfrentar a situação?

Começou-se precisamente apresentando aos próprios Legionários aquilo que os Visitadores disseram, porque deveríamos partir daí. Efetivamente, apresentamos, em várias conferências, a todos aqueles que estavam aqui em Roma – em Roma eram cerca de 400 ou 500 entre estudantes e sacerdotes – as observações que os Visitadores haviam feito. Eles gravavam essas conferências, que depois eram enviadas a toda a Legião e ao Regnum Christi, que é maior do que a Legião. Quando teve início, houve – podemos dizer – quase uma divisão em dois grupos: um que realçava o fato de ter havido uma ocultação dentro do governo do Instituto, razão pela qual – de certo modo – não se podia esperar nada de novo; e outro grupo, ao invés, que não conseguia colher a novidade, porque viam quase tudo positivo, aliás, pensavam que a característica deles, que lhes havia impedido de cair nos defeitos dos outros Institutos religiosos, era justamente a de ser uma realidade bem compacta. Na verdade, eles tinham caído numa cilada muito mais perigosa, a do próprio Fundador! Percorremos este caminho encontrando os problemas relativos às conseqüências do comportamento do Fundador em relação às vítimas. Encontramos problemas de ordem econômica, porque os Legionários não são tão ricos como se pensa: a situação econômica havia piorado para eles quer a nível mundial por causa da crise financeira, quer a nível institucional, porque a fama perdida fez diminuir os estudantes em seus colégios e, portanto, as entradas financeiras. Ademais, houve sobretudo o problema das Constituições, sobre o qual mais se trabalhou. A questão principal era revê-las, particularmente em alguns pontos nodais. Quais eram? A distinção clara, mais clara e precisa do foro interno e do foro externo, foro sacramental e foro – digamos – disciplinar, externo. Era necessário, de modo particular, reafirmar que a autoridade não é arbitrária, mas que deve atuar no âmbito do Conselho: tinham, além disso, uma certa constituição de autoridade muito difusa e fracionada, com muitos elementos de incerteza. Em suma, reconduzimos todo o problema à realização de Constituições segundo as indicações do Concílio, pós-Concílio e do Código de Direito Canônico. E justamente em torno deste tema deu-se o trabalho maior. Houve ainda o trabalho também para renovar os superiores, que era muito importante: no início deixamos que os superiores permanecessem em seus lugares. Essa era uma exigência necessária, porque nós que estávamos entrando não podíamos atuar e governar sem conhecer a realidade. Pareceu-nos mais útil e mais eficaz manter os superiores, mas sob o controle da nossa presença: por isso nos comprometemos a estar sempre presentes em seus Conselhos gerais. Eles podiam dispor de seu governo, porém não podiam decidir nada sem a nossa presença. Portanto, houve essa osmose de diálogo contínuo, ao menos uma vez por semana tínhamos os encontros dos dois Conselhos, eu tinha o meu Conselho e eles tinham o Conselho deles. Iniciamos assim esse percurso, em que todos tratamos dos grandes problemas: os problemas do Fundador; os problemas da formação; os problemas do Regnum Christi; e também os problemas disciplinares, porque embora os casos de sacerdotes que se mancharam de delitos na Igreja não sejam tão numerosos, existiam casos desse tipo também na Legião, como de resto existem também em outros Institutos. Esse é o quadro geral no qual atuamos.

Creio que o Capítulo agora tenha substancialmente duas tarefas: a de renovar o governo com eleições e a da aprovação das novas Constituições. Mas se o trabalho das Constituições já foi levado adiante, em que o Capítulo deve ainda intervir em relação a elas?

Distinguimos o Capítulo em três etapas. Uma verificação do caminho percorrido: um exame de consciência – assim o chamamos – a realizar-se diante das acusações que foram feitas, como as verificamos e qual é o compromisso que devemos assumir para superar essas dificuldades. Foi reconhecido também um empenho penitencial que deveria levar a reconhecer, inclusive publicamente, essas responsabilidades, porém como compromisso de cada um de saber assumir também o sofrimento que deriva desta situação, como expiação para renovar a Legião e, portanto, reencontrar a justa posição dentro da Igreja. O segundo momento há de ser a eleição dos novos superiores, que depois deverão governar o Instituto. O terceiro momento, a revisão das Constituições, que deverá ser simples, justamente porque já trabalhamos sobre isso nestes três anos e meio. Toda a Congregação foi consultada e apresentamos aos capitulares um texto das Constituições, com o suporte das fontes e do caminho percorrido. Esperamos que agora não seja necessário tanto tempo, embora o caminho – conhecendo as situações – possa ainda apresentar obstáculos, porque todos têm um pouco a vontade de fazer propostas adicionais. Porém, é também verdade que o texto que sairá do Capítulo não será o texto definitivo, porque depois deverá ser apresentado ao Santo Padre para a revisão e, portanto, também para a eventual aprovação definitiva.

Um ponto que é muito importante neste caso é a relação entre o Fundador e o carisma. Normalmente nos institutos religiosos o carisma está estreitamente ligado à experiência e à figura do Fundador: no caso em questão, ao invés, era necessário separá-los radicalmente. A seu ver, se conseguiu isso, de modo a identificar um carisma que seja autônomo, alheio à figura do Fundador?

Este tema em si nos dizia respeito somente em parte, porque implicitamente já havia sido julgado pelas conclusões dos Visitadores e depois pelas ações tomadas sucessivamente. Se tivessem identificado uma inseparabilidade entre Fundador e Instituto, a questão teria sido encerrada; ao invés, ter previsto que a Congregação caminhasse adiante por sua estrada com um carisma, implicitamente admitia que talvez já existisse um carisma válido. Porém é também verdade que o Santo Padre na Bula de nomeação fala sobre a necessidade de rever profundamente o carisma, o que procuramos fazer. Inserimos este carisma no âmbito de uma realidade mais ampla, que havia em torno do Fundador: a do Regnum Christi. Identificou-se um carisma do Regnum Christi, vivido de modo diversificado, segundo as vocações, como leigos, como leigos consagrados e como religiosos sacerdotes. Nosso parecer é de que a identificação é bem precisa. Preferimos – eu particularmente –, mais do que falar de "carisma", que é uma palavra um pouco problemática, seguir o Código falando de "patrimônio", do "patrimônio do Instituto", ou seja, dos elementos institucionais, porque se nos limitarmos ao carisma como momento originário e spiritual, nos encontraremos em dificuldade. Mas se pensarmos nos aspectos institucionais, isto é, num carisma entregue à Igreja e aprovado pela Igreja, pode ser identificado: são os religiosos sacerdotes, são os leigos, são os leigos consagrados, que querem viver o Mistério de Jesus que anuncia o Reino, com a espiritualidade típica da realeza de Cristo – realeza de Cristo não do ponto de vista triunfalista, mas sob o aspecto de Jesus que triunfa a partir da Cruz – e alem disso com a piedade eucarística muito acentuada e a piedade mariana, e ainda com o apostolado –, ou seja, com o anúncio do Reino de Cristo, particularmente através da inserção das universidades e dos estudos superiores. Considerando tudo isso nosso parecer é de que a fisionomia, a espiritualidade deste Instituto é bem clara e precisa.

Em todo este caminho a sua avaliação é de que o corpo da Legião e do Movimento Regnum Christi em seus aspectos essenciais reagiu positivamente, com disponibilidade para esse caminho de renovação, de modo que agora se possa ter verdadeiramente confiança, ou estamos ainda de certo modo a caminho...

Em primeiro lugar, gostaria de ressaltar que o nosso trabalho esteve de modo prevalente voltado para os superiores, porque esse era o tema principal e que tinha movido toda a discussão sobre a própria Legião, que se concentrou em seu Fundador, que era superior e superior absoluto! Basta pensar – assim afirmam – que ele fazia e desfazia, e não se servia nem mesmo do Conselho! Portanto, o problema era educá-los a uma forma de governo em que os superiores fossem transparentes e observantes do ordenamento da Igreja e respeitosos das regras. Nessa perspectiva, não nos sendo possível em pouco tempo estar presentes em todos os territórios da Legião e nos encontrando empenhados em tantas questões a serem enfrentadas, seguimos o caminho de cooperar com os superiores, ou melhor, de buscar que os superiores cooperassem conosco para a renovação, particularmente sobre o exercício da autoridade. Convencidos de que, uma vez a Legião dotada de superiores idôneos, o caminho pudesse ser iniciado e, portanto, pudesse prosseguir. Foram inclusive superadas tensões internas, que existiram: não desapareceram certamente, mas a grande maioria se reencontrou compacta. Creio que o Capítulo se inicie sob bons auspícios, porque ainda existirão tendências de abertura e de fechamento de alguns, mas a tendência fundamental é de aceitação do esquema apresentado das Constituições. A característica a ser ressaltada é a absoluta obediência à Igreja. Recordo-me, no início, ter escrito numa carta que se eles tivessem conservado esta fidelidade e obediência à Igreja, o caminho só poderia ser positivo. Meu parecer é de que efetivamente houve obediência à Igreja: jamais os vi resmungar contra a autoridade da Igreja, nem contra nós que fomos colocados ali. Claro, algum caso, mas é normal... Sob esse aspecto podemos esperar que efetivamente essas Constituições possam ser adequadas à sua finalidade, acompanhem na renovação e deem bom fruto. Constituições que, porém, deverão ser depois ser aprovadas pela Santa Sé quando terão saído do Capítulo geral.

Com este Capítulo serão tratados os problemas da renovação da Legião ou mesmo do conjunto mais amplo do Regnum Christi, que é uma grandíssima realidade?

Penso que o nosso caminho, nesse sentido tenha sido um caminho novo porque o Regnum Christi antes era como uma extensão da Legião: ao invés, cresceu a consciência de que cada grupo tem uma sua autonomia, uma identidade e também uma disciplina próprias, porém todos juntos formam – assim o chamamos porque se fala de "movimento" – um Movimento, embora com a palavra "movimento" seja difícil defini-lo, porque se trata de um complexo de pessoas que querem na Igreja se dedicar ao Regnum Christi segundo a própria vocação. Portanto, esta grande unidade entre os leigos, leigos consagrados e religiosos sacerdotes empenhados em estreita colaboração: algo a ser ainda ulteriormente definido. Porém, é importante ressaltar também que aquilo que, de certo modo, abalou a Legião por causa dos escândalos verificados, não tocou este grande Movimento do Regnum Christi. Portanto há uma grande fatia, uma grande realidade eclesial que permanece intacta e que está servindo à Igreja particularmente no campo da cultura religiosa, das universidades católicas e pontifícias, e que é promissor.

Este trabalho foi iniciado com um mandato dado pelo Pontífice Bento XVI; neste espaço de tempo houve também uma passagem de Pontificado e agora temos o Papa Francisco. O Pontífice tomou pleno conhecimento do caso em questão: o sentimento que se tem é de que há um acompanhamento do Papa? Ele está bem informado sobre o que está acontecendo?

Nestes três anos e meio reiteradas vezes me dirigi ao Santo Padre Bento XVI e regularmente fiz relatórios. No último relatório, porém, fomos pegos de surpresa, porque assim que o relatório foi entregue, o Papa renunciou. Quando foi eleito o novo Papa, senti o dever de apresentar este relatório a ele, o qual imediatamente me chamou e após alguns dias escreveu-me também uma carta, na qual me confirmava no trabalho, aprovava o programa que havia apresentado, que era propriamente o programa das datas do Capítulo Geral, e solicitava que o informasse sobre o caminho de preparação para o Capítulo. Ao término do mês de novembro, início de dezembro, entreguei ao Santo Padre o material de preparação. O Papa tem estado muito atento, muito próximo e quer justamente acompanhar o caminho que estamos percorrendo, porque – são palavras suas – "sente a grande responsabilidade, como Sucessor de Pedro, de acompanhar a vida religiosa e consagrada".

Uma última pergunta. Com o Capítulo se prevê que seja eleito um novo governo do Instituto. Já é possível prever que, se tudo transcorrer como desejado, se conclua o mandato do Delegado, ou é possível que o Delegado deva acompanhar ulteriormente o caminho?

O mandato do Delegado, dado por Bento XVI, não estabelecia tempos, porém a conclusão estava ligada à realização do Capítulo extraordinário. Concluído o Capítulo extraordinário, o mandato deveria cessar.

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