Chile. A dívida pendente é a desigualdade

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Por: André | 17 Dezembro 2013

De acordo com a Universidade do Chile, a renda per capita dos 10% mais pobres da população é 78 vezes menor que a dos 10% mais ricos. É o legado de políticas neoliberais impostas sob a ditadura de Augusto Pinochet.

A reportagem é de Mercedes López San Miguel e publicada no jornal argentino Página/12, 16-12-2013. A tradução é de André Langer.

O Chile, com seus 16,5 milhões de habitantes, costuma ser elogiado pelo FMI por sua estabilidade econômica, desenvolvimento e sólidas instituições. O país andino faz parte da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), que reúne os países mais ricos. Esse é um lado da moeda. O outro, pode-se ver sem maquiagens a través das câmeras de televisão após o terremoto de 2010: a desigualdade em termos de renda e acesso à educação, saúde e aposentadoria.

Os níveis de pobreza foram reduzidos drasticamente no país nos últimos 23 anos (de 45% da população em 1990 para 14,4% em 2011). Contudo, no último período esta diminuição foi muito menor, razão pela qual se fala de uma “pobreza dura”, que, além disso, é muito mais dramática nas zonas suburbanas ou rurais do que nas grandes cidades.

A enorme brecha que separa ricos de pobres situa o país como um dos mais desiguais do continente. De acordo com a Universidade do Chile, a renda per capita dos 10% mais pobres da população é 78 vezes menor que a dos 10% mais ricos. As políticas impostas sob a ditadura de Augusto Pinochet, de corte neoliberal, que 20 anos de governo democrático da centro-esquerda da Concertación não mudaram (menos ainda o último governo, conservador, de Sebastián Piñera), agem como camisa de força para aplicar reformas sociais e fomentam a exclusão de muitos. Consuelo Silva, pesquisadora da Universidade Arcis, assinalou a esta enviada que a desigualdade é um fenômeno inerente ao chamado milagre chileno. “No atual modelo econômico que impera no país, não houve uma política de redistribuição de renda, porque se assume que o mercado é o mecanismo que distribui as rendas de maneira eficiente e ótima. Esta foi a postura de todos os governos nos últimos 40 anos, embora com alguns matizes diferentes. Por exemplo, o primeiro governo da Concertación (1990-1994), encabeçado por Patricio Aylwin, defendeu a ideia de um ‘crescimento com equidade’, que foi rapidamente abandonada”.

Silva assinalou que a solução para este flagelo só se consegue com mudanças de fundo. “Em vez das políticas redistributivas, implementaram-se programas que buscam reduzir os níveis de pobreza, os quais são focalizados e temporais. Portanto, quem tiver como propósito provocar uma real redistribuição da renda deveria realizar uma série de reformas em áreas chaves da economia e da sociedade, como é o caso do mercado de trabalho, no âmbito da educação e nos regimes tributários”.

Os massivos protestos protagonizados pelos universitários em 2011, reclamando o fim do lucro na educação, mostraram ao mundo que o modelo de ensino no Chile é regido pelas regras do mercado. A Lei Geral de Universidades, sancionada em 1981, delineou a privatização do financiamento do ensino superior e hoje os universitários não podem ter um estudo gratuito e são obrigado a se endividarem para pagar seus cursos. No ensino secundário, apenas 40% dos estudantes têm acesso ao ensino público gratuito (municipais); os demais estudam em escolas privadas (que recebem subvenções do Estado) e os 10% mais ricos do Chile pagam colégios privados exclusivos, que costumam ser os de melhor qualidade.

A lógica de que quem ganha mais acessa um serviço melhor reproduz-se com o sistema de saúde. A grande maioria dos chilenos pode optar pela derivação de 7% do salário para as privadas Isapres (Instituição de Saúde Previdenciária) ou o Fundo Nacional de Saúde (Fonasa), estatal, de acordo com um modelo vigente desde 1981. Aqueles que por questões salariais não podem ter um plano básico são derivados para o Fonasa. De fato, 82% da população contribui para esta última cobertura, e é recorrente a queixa de pacientes que entram em listas de espera para receber um tratamento ou submeter-se a uma cirurgia. Além de que devem pagar à parte algumas mensalidades de saúde.

Um dado não menor é que dois terços dos médicos trabalham em clínicas privadas. As AFP (Administradoras de Fundos de Pensão) foram criadas pelo ministro de Trabalho de Pinochet, José Piñera, irmão do atual presidente, e são o único sistema previdenciário no Chile. Vendido nos anos 1980 como a grande solução privada, ou o sistema de capitalização individual ou poupança forçada, carece do direito individual de escolher entre economizar com o Estado ou com uma empresa privada. A primeira geração pura do sistema privado demonstrou que as aposentadorias, em média – que beiram os 600 dólares –, estão muito longe de superar às do antigo sistema de partilha.

Se nos próximos quatro anos Bachelet não cumprir com sua promessa de fazer reformas substanciais na educação, saúde e aposentadoria, a líder socialista terá desaproveitado a segunda oportunidade que a maioria da população lhe deu para fazer do Chile uma sociedade mais justa.

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