As mulheres cardeais e o “machismo de saia”

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Por: André | 28 Setembro 2013

Quem retomou a ideia foi um teólogo jesuíta estadunidense, o padre James Keenan, que, em seu perfil no Facebook, propôs uma mudança radical na estrutura da Igreja católica, com a nomeação de mulheres para o colégio de cardeais, o “clube” mais exclusivo do mundo que, durante séculos, tem o poder de eleger o Papa. Juan Arias retomou a hipótese na coluna do El País, mas acrescentou-lhe um suposto “pensamento” do Papa Francisco sobre o assunto.

 
Fonte: http://bit.ly/1731XQj  

A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada no sítio Vatican Insider, 26-09-2013. A tradução é de André Langer.

A historiadora Lucetta Scaraffia, editorialista do jornal romano Il Messagero (em cujas páginas apareceu o artigo), mas, sobretudo, do jornal vaticano L’Ossservatore Romano, escreveu um comentário favorável a este respeito.

“Nomear uma mulher cardeal: a hipótese, proposta pelo jornal El País, não é inteiramente nova. Outras vozes se levantaram ao longo dos anos – pessoalmente, quero lembrar a grande antropóloga inglesa Mary Douglas, católica – para indicar essa via mestra para dar autoridade e, assim, aumentar a influência das mulheres na Igreja. A nomeação, de fato, teria a grande vantagem de ser possível, sem implicar o espinhoso problema da ordenação sacerdotal feminina. Constituiria um ato de mudança forte, significativo, daqueles que já estamos acostumados a esperar do Papa Francisco. E, além disso, não surpreenderia muito, no fundo, depois de ter ouvido as frases comprometedoras que o papa pronunciou recentemente sobre o papel das mulheres na Igreja.”

Foi justamente a editorialista do L’Osservatore Romano que se havia lamentado pelo fato de que, durante os dias do último pré-conclave, não tivesse havido mulheres nas discussões que delineariam o futuro da Igreja católica e o “perfil” do novo Papa.

A ideia das mulheres “purpuradas”, que teria que associar ao tradicional colégio cardinalício, como indicou Scaraffia, não é nenhuma novidade. Irrompeu no Sínodo dos Bispos dedicado à África, no dia 10 de outubro de 1994, na presença de João Paulo II, quando Ernest Kombo, bispo jesuíta do Congo, propôs o seguinte: “Peço que as mulheres possam chegar aos postos mais altos da hierarquia da Igreja, que possam ser nomeadas cardeais”. Pouco tempo antes havia ocorrido a primeira ordenação anglicana de mulheres sacerdotes, a que o Papa Wojtyla reagiu com uma breve, mas densa, carta apostólica (“Ordinatio Sacerdotalis”), na qual insistia que na Igreja católica era impossível ordenar mulheres.

Kombo, em sua intervenção que foi acolhida pelo silêncio no Sínodo, havia dito: “Que Deus possa inspirar a atitude profética que consistiria em fazer das mulheres uma parte importante entre os consagrados, tanto numérica como qualitativamente, ao nomeá-las para postos de responsabilidade e nos mais altos da hierarquia, como cardeais-leigas, se fosse possível”. Mulheres cardeais, portanto, não “sacerdotes”.

É verdade que o cardenalato é um título honorífico, não uma ordem sacra. Um título que inclui o purpurado – disposto a oferecer o testemunho da sua fé “usque ad sanguinis effusionem”, até o sacrifício extremo da vida – no clero da diocese de Roma e no grupo dos colaboradores e conselheiros do Papa. Mas também é verdade que o novo Código de Direito Canônico, promulgado em 1983, é bastante claro a este respeito: “Para ser promovido a Cardeal – pode-se ler no cânon 351 – o Romano Pontífice escolhe livremente entre aqueles varões que tenham recebido ao menos o presbiterado e que se destaquem notavelmente por sua doutrina, costumes, piedade e prudência na administração dos assuntos; mas, os que ainda não são bispos, devem receber a consagração episcopal”.

Assim, pois, “varões” e “sacerdotes”. Quando nomeados, “devem” ser ordenados bispos. Uma lei, esta última, que foi introduzida por João XXIII: durante séculos, efetivamente, houve cardeais que eram apenas sacerdotes e também cardeais que eram apenas diáconos (o último cardeal diácono que não era sacerdote foi Giovanni Mercati, criado em 1936 por Pio XII).

A regra do episcopado continua em vigor, embora durante os Pontificados dos Papas Wojtyla e Bento XVI começasse a ser derrogada, caso o interessado, no momento da nomeação cardinalícia com uma idade avançada, pedisse para ser exonerado da ordenação episcopal. É o caso de diferentes teólogos que receberam a púrpura com mais de 80 anos (entre eles os jesuítas Henri De Lubac, Avery Robert Dulles, Roberto Tucci e Albert Vanhoye).

Mas, o que foi mesmo que disse o Papa Francisco sobre o papel da mulher? Na entrevista publicada pela revista La Civiltà Cattolica, explicou: “É necessário ampliar os espaços de uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Temo a solução do ‘machismo de saias’, porque, na verdade, a mulher tem uma estrutura diferente do homem. E, pelo contrário, os argumentos que ouço sobre o papel da mulher são muitas vezes inspirados precisamente numa ideologia machista”.

“A Igreja não pode ser ela mesma sem a mulher e o seu papel – explicou. A mulher, para Igreja, é imprescindível. Maria, uma mulher, é mais importante que os bispos. Digo isto, porque não se deve confundir a função com a dignidade.” É como dizer que o indispensável reconhecimento do valor da mulher na Igreja não deve passar por sua “clericalização”. Extrair destas observações a ideia das “cardeais” é bastante arriscado. Para ser valorizada e ter responsabilidades na Igreja não deveria ser indispensável a veste cor púrpura.

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