23 versos. Horácio Costa na oração inter-religiosa desta semana

Foto: lounge.obviousmag.org

17 Abril 2020

Neste espaço se entrelaçam poesia e mística. Por meio de orações de mestres espirituais de diferentes religiões, mergulhamos no Mistério que é a absoluta transcendência e a absoluta proximidade. Este serviço é uma iniciativa feita em parceria com o Prof. Dr. Faustino Teixeira, teólogo, professor e pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG.

23 versos

Hoje é o primeiro dia de quarentena em São Paulo.
Uma cidade igual a dois países
ou uma vila igual a uma vila
nunca entra em quarentena.
Os cães não deixam de ladrar. Voam os pássaros.
Os cabelos dos cadáveres
suas unhas
não param de crescer depois
que desce o caixão e os vivos
começam o seu milimétrico trabalho
de esquecimento.
O próprio esquecimento nunca deixa
de fazer o seu trabalho.
Não entra em quarentena.
Olho pela janela e quase nada se move.
Não há aragem neste amanhecer.
As árvores lá embaixo sequer balançam.
Uma moto e seu condutor de capacete negro
avançam
lentamente
pela rua.
Assim como o esquecimento,
o vírus não entra em quarentena.

24 III 2020

(Fonte: Blog Theodora, Mar 27)

 

Horácio Costa (Foto: Blog Tordesilhas 2010)

Horácio Costa formou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo em 1978. Estudou, a partir de 1981, na Universidade de Nova Iorque, no Departamento de Espanhol-Português e doutorou-se, em 1986, na Universidade de Yale, em New Haven, com uma dissertação sobre José Saramago: do Neo-Realismo à Intertextualidade.

Foi professor na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM); hoje, leciona Literatura Portuguesa na Universidade de São Paulo (USP).

 

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