Quando compartilhado, o pão sacia muitos

23 Julho 2021

 

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 17º Domingo do Tempo Comum, 25 de julho de 2021 (Jo 6,1-15). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

O ordo de leituras bíblicas do Ano Litúrgico B prevê que, tendo chegado, na leitura cursiva de Marcos, ao evento da multiplicação dos pães (Mc 6,35-44), interrompa-se a leitura do evangelho mais antigo e que ela seja substituída pela leitura do mesmo episódio narrado no quarto evangelho. Por cinco domingos, portanto, lê-se o capítulo 6 de João, um texto que requer uma breve introdução geral.

Na verdade, esse capítulo, todo centrado no tema do “pão da vida”, que nunca aparece em outro lugar, parece bastante isolado no desenvolvimento do relato joanino. Com toda a probabilidade, trata-se de um trecho acrescentado mais tarde para dar à Igreja joanina uma catequese sobre a eucaristia, já que o relato da sua instituição falta no quarto evangelho, sendo substituído pelo do lava-pés (cf. Jo 13,1-17).

Esse capítulo, em todo o caso, é decisivamente importante no quarto evangelho, porque, justamente através da compreensão eucarística, Pedro e os outros discípulos chegam à confissão da identidade de Jesus: para os judeus, ele é o filho de José, simplesmente um homem da Galileia (cf. Jo 6,42), enquanto Jesus declara ser o Filho de Deus, aquele que é e que desceu do céu como enviado do Pai (cf. Jo 6,57); a verdadeira identidade de Jesus é proclamada com a confissão de Pedro, que reconhece nele “o Santo de Deus” (Jo 6,69).

Os evangelhos nos dão nada menos do que seis testemunhos da multiplicação dos pães, porque Mateus e Marcos conservaram duas tradições daquele “prodígio”, recebido pela Igreja como profético do dom do pão eucarístico dado por Jesus aos seus discípulos na noite da sua paixão. O quarto evangelho, de modo ainda mais explícito, narra-o como “sinal” (semeîon) que anuncia o dom do corpo e do sangue, da vida inteira de Jesus.

Jesus se encontra na Galileia, no Lago de Tiberíades, quando decide atravessar a ampla baía para chegar à outra margem, sempre no lado ocidental do lago, talvez para procurar um lugar de repouso e de oração. Mas “uma grande multidão” o segue, e logo o evangelista nos indica a razão disso: Jesus fez muitos sinais sobre os doentes, a sua ação e a sua pregação despertam estupor e curiosidade.

Portanto, essa parece ser uma hora de sucesso para ele, que escolhe subir ao monte, como Moisés havia feito por ocasião da celebração da aliança entre Deus e o seu povo. Também é explicitada uma informação temporal: “Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus”. Portanto, era uma hora vigilar (como a hora da instituição eucarística), e, de fato, o sinal que Jesus operará, será o sinal da Páscoa cristã por excelência.

Sentado no alto, Jesus tem diante dele a grande multidão, que observa erguendo os olhos: é uma multidão à espera! E eis que, livre e gratuitamente, ele toma a iniciativa de dar um sinal, de fazer um gesto que narre o amor de Deus, que ama tanto a humanidade a ponto de lhe dar o seu Filho como dom (cf. Jo 3,16).

Ele chama a si um discípulo, Filipe, e lhe pergunta: “Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?”. Na realidade, Jesus sabe o que está prestes a fazer, porque sua intenção é fruto da sua comunhão com os pensamentos de Deus, a quem ele chama de “Pai”. Filipe, por sua vez, faz os cálculos para determinar a despesa da compra do pão para tanta gente, e André ressalta que os cinco pães de cevada e os dois peixes que um menino trouxe com ele seriam absolutamente insuficientes.

Então, Jesus, com a sua soberania, pede que os discípulos acomodem a multidão naquele gramado verde que recorda as pastagens aonde Deus, o Pastor, conduz as suas ovelhas (cf. Sl 23,2), para que tenham alimento abundante. Depois, diante de todos, faz o gesto: “Tomou os pães, deu graças (eucharistésas) e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes”. Eis o sinal dado e os gestos que preanunciam os da instituição eucarística na última ceia:

Jesus toma o pão nas suas mãos
dá graças a Deus (ou o abençoa, de acordo com Marcos e Mateus),
parte-o
e o dá, o distribui aos discípulos.

É ele, o Cristo Senhor, que dá, distribui (dédoken) aquele pão que sacia cinco mil pessoas, aqueles cinco pães que, compartilhados, conseguem saciar a todos. E, precisamente em virtude dessa ação totalmente decidida e feita por ele mesmo, ele poderá dizer: “O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (Jo 6,51).

Assim, Jesus aparece como o Profeta escatológico, bem mais do que Eliseu, que havia multiplicado os pães de cevada (cf. 2Re 4,42-44), porque não socorre apenas a fome, a necessidade humana de comer para viver, mas faz o dom do seu corpo, amando os seus até o fim (cf. Jo 13,1).

O pão, que é uma necessidade para o ser humano, para a sua necessidade de viver, é também aquilo que Deus dá a cada criatura (cf. Sl 136,25). No gesto de Jesus, portanto, há o fato de ir ao encontro da necessidade humana, mas também a narração do amor de Deus, amor gratuito e superabundante, excessivo, que não pede contrapartida, mas apenas acolhida e agradecimento.

A injunção de Jesus – “Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca” – também tem um significado particular: não manifesta apenas a abundância do pão compartilhado, mas também significa que sempre, na comunidade do Senhor, haverá o pão eucarístico, que deverá ser conservado com cuidado e solicitude.

O relato desse sinal, porém, se resolve em um mal-entendido. Através desse sinal, Jesus quis revelar algo da sua identidade e da sua inserção na história da salvação: ele é o Profeta, é o Messias, é aquele que renova e transcende em uma inédita plenitude os sinais operados pelo próprio Deus no êxodo, mas as pessoas que chegam a essa compreensão de Jesus tiram consequências que ele rejeita, até se isentar e fugir para a solidão.

De fato, posta diante desse sinal profético e desse prodígio da multiplicação do pão compartilhado, a multidão pensa que chegou a hora de proclamar Jesus como Rei dos Judeus e de celebrar a sua glória. Equívoco, mal-entendido que revela que a aquisição do conhecimento de Jesus também pode ser desviante e trair a sua verdadeira identidade e a autêntica intenção dos seus gestos.

Perceber Jesus como rei do modo dos reis, dos poderosos deste mundo, seria negar a missão que ele recebeu do Pai e consentir com as intenções do Príncipe deste mundo, Satanás. Jesus é o Rei dos Judeus e assim será proclamado na cruz pelo título que Pilatos fará erguer sobre a sua cabeça (cf. Jo 19,19); mas é um Rei crucificado, na fraqueza do homem das dores, vítima do ódio do mundo, solidário com os perseguidos, os oprimidos, os pobres, os descartados da história.

A numerosa multidão, portanto, desconhece aquele Jesus a quem seguiu, porque o interpreta e o quer de acordo com os próprios desejos e as próprias projeções, não estando disposta a aceitar um Profeta e Messias conforme o desígnio de Deus.

É significativo que João anota que “estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei”, isto é, queriam reduzi-lo a um objeto, a um ídolo moldado pelos seus desejos, queriam um Messias com um programa mundano. Mas Jesus recusa, porque sabe que esse poder que querem lhe dar não é o verdadeiro poder que lhe foi conferido pelo Pai.

Assim como ele havia fugido das tentações de poder no deserto (cf. Mc 1,12-13; Mt 4,1-11; Lc 4,1-13), assim também ele agora se retira na solidão da montanha, fugindo da multidão que o aclama, discernindo a ilusão de um aparente sucesso, que não pode nem desejar nem aceitar. Subindo naquele monte, sozinho, deixando até os discípulos no vale, Jesus medita sobre aquela incompreensão e se confia novamente ao Pai, confiando-lhe também aquela multidão e aqueles discípulos que não haviam entendido nem o seu gesto nem a sua intenção.

Mas a sequência do relato, que escutaremos nos próximos domingos, nos revelará, através de um longo discurso de Jesus, que aquele que deu o pão em abundância, na verdade, é ele mesmo o pão dado por Deus à humanidade para a plenitude da sua vida.