Identidade des-velada a serviço da vida

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30 Junho 2017

“Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que tu ligares na terra...” (Mt. 16,19)

Neste domingo celebramos a festa de duas grandes figuras-chave na Igreja: Pedro e Paulo; fortes personalidades que fizeram uma impactante experiência de encontro com o peregrino da Galileia. E foram profundamente transformados, a ponto de terem seus nomes mudados pelo próprio Jesus Cristo.

A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o Evangelho da Solenidade de São Pedro e São Paulo, correspondente ao texto de Mateus 16,13-19.

Diante das maravilhas que serão proclamadas de um e de outro, podemos apresentar uma pergunta que pode nos parecer estranha. “Que fica de Simão em Pedro?” , “Que fica de Saulo em Paulo?”.

Porque Pedro, primeiro foi Simão; Paulo foi Saulo. E Jesus chamou Simão e chamou Saulo. Em seguida, mudou o nome deles para Pedro e Paulo.

Simão, o homem do lago e da barca de pesca; Saulo, o zeloso fariseu, fiel seguidor da lei e perseguidor da Igreja.

Pedro, o homem da Igreja, a rocha sobre a qual Jesus assenta sua nova comunidade. E todos nós o recordamos como o homem das “chaves”.

Paulo, o apóstolo dos gentios, fundador de novas comunidades cristãs para além do território judaico.

Mas, retornemos às perguntas: o que permaneceu de Simão, aquele do lago, no Pedro da Igreja? Desapareceu o verdadeiro Simão e ficou somente o Pedro? Ou teríamos de dizer que há nele uma mescla de Simão e de Pedro? O que permaneceu de Saulo, fariseu e filho de fariseu, no Paulo que alargou as fronteiras da primitiva Igreja?

O Pedro, rocha firme, não deixa de ser o Simão do lago. Apesar de Jesus ter mudado seu nome, no entanto, em diferentes ocasiões aflora o Simão que não consegue entender Jesus e quer desviar o mestre de seus planos e projetos. Continua vivo o Simão que busca o triunfalismo messiânico de Jesus e revela resistência em seguir Aquele que vai ser crucificado. Continua sendo o Simão que compete com os outros sobre a primazia no novo Reino, e crê que é ele quem vai dar a vida por Jesus. Continua sendo o Simão covarde e com medo que nega Jesus na noite da Paixão.

O mesmo poderíamos dizer de Saulo. Muitos traços seus continuam presentes na nova identidade: Paulo.

No evangelho de hoje, Jesus deixa transparecer sua identidade através da confissão de Pedro: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”; e, ao mesmo tempo, Jesus des-vela a identidade de Pedro: “Tu és “petros” (pedregulho) e sobre esta “petra” (rocha) edificarei minha igreja”. Pedro se torna rocha firme (“petra”) quando se apoia na identidade de Jesus (a verdadeira Rocha).

Pedro, que era “petros” (pedra de tropeço no caminho, frágil, limitado...), foi sendo transformado, através da identificação com Jesus, em “petra”, rocha firme da primitiva comunidade cristã.

Dessa forma, o Simão que era “petros”/pedra lentamente vai fazendo a travessia para “Petra”/rocha firme, porque o mestre des-velou a nobreza que estava escondida no coração dele, ou seja, sua verdadeira identidade sobre a qual o mesmo Jesus iria edificar sua igreja.

Diante dos dois personagens, Pedro e Paulo, vamos intuindo que a questão não é trocar simplesmente de nome. A Graça não destrói a natureza humana, mas a plenifica e a torna expansiva. Em Pedro, a graça não destrói o Simão, em Paulo não destrói o Saulo. Eles procurarão conservar a fidelidade a Jesus e à comunidade dos seus seguidores, mas cada um imprimirá sua própria personalidade.

A graça do seguimento de Jesus não apaga nossa condição humana, nossa herança genética, nossa personalidade, nossa psicologia, nossa sensibilidade e nosso mundo afetivo; carregamos conosco nossa cultura e nossa própria história humana.

O desafio é este: que permanece de nossa herança biológica e cultural na experiência do seguimento de Jesus? É possível que em todos nós, em “Pedro”, permaneça latente muito de “Simão”; em “Paulo”, permaneça muito de “Saulo”. E como distinguir o Simão de Pedro que todos carregamos dentro de nós? Não é fácil a Pedro desprender-se do Simão de antes, nem a Paulo desprender-se do Saulo de antes.

Só a identificação com Jesus possibilita fazer a travessia para o “novo nome”, integrando e pacificando as “marcas humanas” do antigo nome.

O Evangelho da festa de hoje nos ajuda a ler nossa vida. Ali afirma-se nossa identidade; e a identidade de uma pessoa é dada por aquilo que é sólido, consistente... no seu interior, que não se desfaz com as adversidades do mundo no qual vivemos (crises, fracassos, fragilidades, incoerências...).

Toda pessoa possui dentro de si uma profundidade que é seu mistério íntimo e pessoal.

Viver em profundidade” significa “entrar” no âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas.

A própria interioridade é a rocha consistente e firme, bem talhada e preciosa que cada pessoa tem, para encontrar segurança e caminhar na vida superando as dificuldades e os inevitáveis golpes da luta pela vida. Com confiança em si e na rocha do próprio ser, todas as forças vitais se acham disponíveis para ajudar a pessoa a crescer dia a dia, tornando-a aquilo que originalmente é chamada a ser.

Para isso temos em nossas mãos as chaves da vida. O que fazemos com elas? Podemos abrir ou fechar, ligar ou desligar, atar ou desatar.... Ter a chave da vida como Pedro e Paulo ou como Simão e Saulo: abrir ou fechar as portas do futuro, das relações, dos sonhos, da missão... Dar amplitude à vida ou atrofiá-la. Atar ou desatar os nós da vida.... Aqui está o grande desafio: abrir-se ou fechar-se: abrir-se à vida, ao novo, ao outro, ao desafiante ou diferente... ou retrair-se ao próprio ego.

Ter identidade é assentar nossa vida sobre a rocha interior (Pedro) que nos sustenta e nos faz sair da prisão do ego (Simão). Nossa identidade é sempre dinâmica, histórica, fecunda, aventureira... Nossa vida é uma contínua travessia do Simão/Saulo para Pedro/Paulo, porque ela está centrada n’Aquele que tudo sustenta. Nossa identidade profunda está a serviço de quem – do próprio “ego” como Simão ou Saulo, ou do Reino, como Pedro e Paulo?


Para meditar na oração

Muitos caminhos conduzem à própria interioridade.

A oração é a chave de acesso; ela é esse silencioso exercício de deixar que Deus me habite para que eu possa abrir as portas do coração e janelas da mente àqueles com quem me encontro.

Onde a Graça de Deus tem liberdade de atuar, ali afloram o Pedro e o Paulo que tenho atrofiados dentro de mim.

O que prevalece nas minhas relações cotidianas: Simão/Saulo ou Pedro/Paulo?

 

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