É preciso passar da palavra à ação (Mt 21, 28-32)

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24 Setembro 2011

Deus jamais se desespera conosco. Ele sempre está pronto a nos acolher. Ele espera de nós a conversão; ele quer que passemos da palavra à ação. Ao mesmo tempo, entendemos que aqueles que respondem ao seu apelo não são necessariamente aqueles que pensamos.

A reflexão é de Raymond Gravel, sacerdote do Quebec, Canadá, publicada no sítio Les Réflexions de Raymond Gravel, 21-09-2011, comentando a leitura do Evangelho deste domingo, 26º Domingo do Tempo Comum. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Leituras:
Ez 18, 25-28
Sl 25(24)
Fl 2, 1-11
Mt 21, 28-32

Jesus e seus discípulos entraram a Jerusalém (Mt 21, 1-11). Jesus expulsou os mercadores do templo (Mateus 21, 12-17), e eis que ele se deixa interrogar sobre o seu agir pelos sacerdotes, pelos escribas e pelos fariseus. Com três parábolas: a dos dois filhos (Mt 21, 28-32), a dos trabalhadores revoltados (Mt 21,33-46) e a da festa nupcial (Mt 22, 1-14), Jesus vai responde aos seus adversários e justificar o seu engajamento.

A parábola de hoje, a dos dois filhos, nos ensina que Deus jamais se desespera conosco. Ele sempre está pronto a nos acolher. Ele espera de nós a conversão; ele quer que passemos da palavra à ação. Ao mesmo tempo, entendemos que aqueles que respondem ao seu apelo não são necessariamente aqueles que pensamos.

O evangelista Mateus é o único que nos conta essa parábola dos dois filhos. E o faz no contexto da sua Igreja do século I, onde se vivem tensões e conflitos entre judeus e pagãos que compõem a sua comunidade cristã. O que ele quis dizer com essa parábola à sua comunidade? O que devemos compreender hoje na nossa Igreja?

1. Os dois filhos

Quem são os personagens dessa parábola? O homem que tem dois filhos é Deus. O primeiro filho a quem o pai pede que vá trabalhar na sua vinha, sem dúvida o mais novo, representa os recém-chegados na Igreja, os neoconvertidos vindos do paganismo. Chamados a trabalhar na vinha, no início recusaram o convite. Contudo, pelo testemunho dos outros, se converteram e se tornaram missionários da Boa Nova da Salvação. O que Mateus quis dizer à sua comunidade é que o importante não é dizer, mas fazer. Reconhecer que temos a necessidade de conversar, de nos voltarmos para Cristo, não em palavras, mas com os fatos.

O segundo filho, sem dúvida o mais velho, representa os judeus, os sacerdotes, os fariseus e os escribas que se dizem fiéis ao Deus da Aliança. Eles fazem parte do povo de Deus. Creem-se superiores aos outros. Espontaneamente, dizem sim aos convites do Senhor, mas não fazem nada, não se comprometem. Recusam-se a trabalhar na vinha, na Igreja. Entre os cristãos da comunidade de Mateus, há alguns desses judeus que disseram sim a Cristo, mas se recusam a fazer o trabalho que lhes é pedido. O evangelista certamente faz alusão à tensão que existe na sua comunidade entre os cristãos que provêm do mundo judaico e aqueles que vêm do mundo pagão.

Como os cristãos do tempo de Mateus foram expulsos das sinagogas pelos líderes judeus, essa parábola se dirige sobretudo a eles. É a esses dirigentes que é dita aquela palavra dura por parte do Cristo de Mateus: "Os publicanos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus" (Mt 21, 31 b). Os publicanos e as prostitutas eram as pessoas mais desprezadas pelos judeus e são aqueles e aquelas que acolheram os convites à conversão de João Batista e que responderam ao convite do Cristo ressuscitado.

O teólogo francês Gérard Bessière escreve: "Os personagens visados pela parábola são os sumo sacerdotes e os anciãos, os líderes da nação. Consideram-se crentes, praticantes, homens de Deus. Dizem: Sim, Senhor! Mas quanto João Batista ou Jesus lhes convidam a mudar o seu coração e a sua vida, eles se enrijecem nas suas crenças e nas suas práticas. Eles que sempre falam de Deus ficarão longe da vinha". E Bessière continua: "Os outros, os cobradores de impostos, as prostitutas certamente não são pilares da igreja ou do templo, e a sua reputação é deplorável. Não são praticantes, mas, na realidade, muitos deles acolhem a novidade de João Batista e de Jesus. Esses descrentes, distantes de uma religião rígida, estão prontos para tomar um caminho novo".

2. Viver segundo a justiça

Mateus escreve: "Pois João veio até vós, caminhando na justiça, e não acreditastes nele. Mas os publicanos e as prostitutas creram nele. Vós, porém, mesmo vendo isso, não vos arrependestes, para crer nele"(Mt 21, 32). O exegeta francês Jean Debruynne escreve: "Poderíamos pensar que a pergunta posta é para saber se é melhor dizer "sim" e fazer o contrário, ou se é melhor dizer "não" e fazê-lo de qualquer forma! No tempo de Mateus, os sumo sacerdotes e os anciãos respondem corretamente... porém, não vivem segundo a justiça. São os publicanos e as prostitutas que vivem segundo a justiça".

Então, a pergunta a ser feita é: o que quer dizer viver segundo a justiça? Da maneira de João Batista (Mt 21, 32a)? E, depois dele, da maneira de Jesus de Nazaré? Jean Debruynne responde: "Tudo depende do que se faz de uma palavra justa: pode-se fazer dela uma porta aberta ou uma porta fechada; pode-se fazer dela um caminho, uma passagem, ou mesmo levantar um muro...".

A tendência dos sacerdotes e dos anciãos, no tempo de Mateus, era de fazer dela uma porta fechada, pela qual só uma elite podia entrar, ou também levantar um muro, que só os mais fortes podiam escalar. Os outros eram deixados de lado: os pagãos, os publicanos, os pecadores públicos, os leprosos, os doentes, as prostitutas e todos aqueles que não se conformavam com a Lei de Moisés.

Segundo os sacerdotes e os líderes religiosos judeus, os excluídos eram responsáveis pela sua sorte: os filhos deviam carregar as culpas dos pais, e os pais eram responsáveis pelas culpas dos filhos. Justificavam-se a rejeição e a exclusão das pessoas e das suas famílias com base nesse princípio. No entanto, o profeta Ezequiel insurge-se contra esse modo de pensar. Na primeira leitura de hoje, o profeta diz que Deus não deseja a morte; quer a vida; que a sua conduta não é estranha; que estranha é a conduta dos líderes (Ez 18, 25).

Segundo Ezequiel, nós somos responsáveis e livres perante a justiça; cabe a cada um de nós escolhê-la ou rejeitá-la, mas o nosso Deus é um Deus que quer a vida para todos. Mas se, por preocupação com a justiça, fecha-se uma porta ou se levanta um muro, como permitir que os mais pobres e os mais fracos entrem no Reino?

3. A parábola de hoje

Quem são os dois filhos, na Igreja de hoje? Há aqueles que seguem fielmente a tradição, a prática, as regras e a doutrina. Aqueles que se fizeram uma religião muito cômoda, com regras de conduta muito severas; uma religião que mais fecha portas do que as abre e que mais levanta muros do que os derruba. Muitas vezes, eles se acreditam superiores aos outros e imaginam ser os únicos fiéis a Cristo. Dizem sim ao convite para trabalhar na vinha, mas são verdadeiramente ativos segundo o espírito das bem-aventuranças? Dizer sim ao Cristo do evangelho significa acolher o outro, o estrangeiro, com as suas diferenças; significa aceitar o marginalizado, a pessoa abandonada; significa dar prova de tolerância para com os mais fracos e os mais frágeis entre nós; e significa abrir-se ao inesperado, ao imprevisto, às novas realidades que são as nossas realidades.

O filho mais velho hoje é o que rejeita a mudança, a adaptação, a atualização da Palavra que liberta, que reúne, que nos une e que nos salva gratuitamente, sem restrições e sem nenhuma condição.

Também há outros, aqueles que não praticam, que não se adequam às regras da Igreja, mas que se comprometem em caminhos novos e que acolhem a liberdade do evangelho hoje. Aqueles que não repetem necessariamente aquilo que sempre se fez no passado; atualizam a Palavra hoje, andando por caminhos ainda inexplorados. Às vezes podem se equivocar, é claro, mas buscam viver segundo a justiça, a convite do Cristo da Páscoa.

A estes últimos, São Paulo dá razão na segunda leitura de hoje, a carta aos Filipenses: "Irmãos, se existe algum conforto em Cristo, alguma consolação no amor, alguma comunhão no Espírito, alguma ternura e compaixão, completai a minha alegria, deixando-vos guiar pelos mesmos propósitos e pelo mesmo amor, em harmonia buscando a unidade. Nada façais por ambição ou vanglória, mas, com humildade, cada um considere os outros como superiores a si e não cuide somente do que é seu, mas também do que é dos outros. Haja entre vós o mesmo sentir e pensar que no Cristo Jesus" (Fl 2, 1-5).

Para esclarecer o comportamento que se deve ter em Jesus Cristo, São Paulo retoma um hino cristão muito antigo que celebra o Cristo da Páscoa. Ele escreve que Jesus estava na condição de Deus (Fl 2, 6). Não diz que era Deus... A palavra usada em grego evoca o aspecto exterior; poder-se-ia dizer, então, que Jesus tinha a aparência de Deus. Isto se refere à condição de Adão, criado à imagem e semelhança de Deus; portanto, um homem, um verdadeiro homem.

Mas, ao contrário de Adão, Jesus não quis ser igual a Deus (Gn 3, 5); ao contrário, assumiu a condição humana até o fim, até a morte, para voltar a Deus e, assim, abrir um novo caminho para a vida: Deus o ressuscitou. Se somos da estirpe de Cristo ressuscitado e se vivemos a nossa humanidade até o fim, nós também estamos prometidos à ressurreição. Para fazer isso, é preciso que nos assemelhemos a Cristo e, para nos assemelharmos, devemos adotar o comportamento dos pequenos, dos excluídos e daqueles que a vida atingiu duramente.

Terminando, Mateus parece nos dizer que os publicanos e as prostitutas de todos os tempos nos precedem no Reino. São aqueles que, em primeiro lugar, dizem não, mas que aceitam o convite para trabalhar na vinha do Senhor. Os outros dizem sim talvez, mas se recusam a ir trabalhar. A quem nos assemelhamos? Somos "sim" que se contradizem, ou "não" que se arrependem e se convertem? Cabe a nós decidir!

 

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