“Eu te louvo, ó Pai...”

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07 Julho 2017

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste domingo, 9 de julho, XIV Domingo do Tempo Comum (Mt 11, 25-30).

A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Depois do discurso missionário dirigido por Jesus aos discípulos (cf. Mt 10), no Evangelho segundo Mateus, lemos uma seção narrativa que nos testemunha a existência em torno do próprio Jesus de um clima de tensão e de contradições à sua pessoa (cf. Mt 11-12).

Da prisão, João Batista manda os seus discípulos a lhe perguntarem: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” (Mt 11, 3). Pergunta que expressa não uma falta de fé, mas uma dúvida à qual Jesus responde renovando a fé de João, percebendo também, porém, que, diante da própria palavra e do próprio estilo, há quem se interrogue.

Enquanto isso, Jesus conhece também a rejeição por parte daqueles aos quais ele se sentia enviado como porta-voz de Deus e se pergunta por que aquela geração que rejeitou João, asceta rigoroso, também rejeita ele, que, em vez disso, mostrou um rosto misericordioso, acolhedor e solidário aos pecadores (Mt 11, 16-19). Justamente as cidades em que Jesus tinha feito ações prodigiosas, como Corazim e Betsaida, as “suas cidades”, evangelizadas por ele, não deram sinais de conversão (cf. Mt 11, 20-24)...

O contexto, portanto, é pesado, é uma hora de prova no ministério de Jesus, uma hora em que são possíveis ou, melhor, quase fisiológicos, o desencorajamento e a sensação de fracasso. Mas Mateus enfatiza que justamente “naquele tempo” (en ekeíno tô kairô), naquela hora de “crise”, Jesus faz brotar do seu coração um hino de louvor alegre e convicto a Deus: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado”.

Não é um lamento que se eleva de Jesus a Deus, mas sim uma confissão que é louvor e bênção. Jesus se dirige a Deus com uma confiança única: ele o chama de “Pai” em aramaico “Abba”, porque, nesse nome, estão encerrados, para Jesus, a ternura, o amor e a misericórdia. Deus é Criador e Senhor do céu e da terra, é o Altíssimo, mas a pessoa que crê o reconhece em uma relação de intimidade paterna, cheia de sentimentos de amor. Por isso, Deus é adorado como Senhor, é invocado e fala-se com ele como com um Pai.

Assim, Jesus o invoca e confessa a sua fé nele: “Pai, proclamo o teu louvor, reconheço a tua vontade e o teu agir: aquilo que escondeste àqueles que estavam convencidos de o merecerem, tu revelaste aos pequenos que não ostentavam nenhum mérito”.

Certamente, aqui, a linguagem de Jesus, que traz a marca do estilo semita, deve ser decodificada. Pareceria, de fato, que Deus esconde algo arbitrariamente, a verdade profunda, aos sábios e intelectuais, enquanto se reserva a comunicá-la apenas aos pequenos, aos pobres e aos últimos. Como se houvesse, nas palavras de Jesus, uma condenação da inteligência e uma exaltação da ignorância... Não! Conhecemos bem os semitismos, expressões linguísticas segundo as quais aquilo que acontece sempre tem Deus como sujeito, porque se expressa de modo forte e direto a ação de Deus, sem considerar a dinâmica no seu desenvolvimento. É a mesma dinâmica presente no livro do Êxodo: “O Senhor endureceu o coração do Faraó, e este não deixou que os filhos de Israel partissem” (Ex 10, 20). Como devemos compreender estas palavras? Deus enviou a sua palavra de salvação ao faraó, através dos seus mensageiros, mas ele a rejeitou, de modo que o resultado foi o endurecimento do seu coração. É o faraó, com a sua responsabilidade por ter rejeitado a palavra de Deus, que endurece o seu coração em plena liberdade e responsabilidade pessoal.

Do mesmo modo, o nosso trecho evangélico não deve ser entendido no sentido de que Deus impede a revelação aos sábios e aos intelectuais deste mundo; através de Jesus, Deus se dirige a eles, mas eles não acolhem a sua palavra e, ao fazer isso, endurecem ouvidos e coração. Eis como ocorre o escondimento das coisas de Deus.

Não somos também nós, talvez, testemunhas dessas realidades? Justamente aqueles que são sábios, que mundanamente adquiriram sabedoria, justamente aqueles que são exercitados intelectualmente e alcançaram uma alta qualidade de conhecimento mundano da realidade não são capazes de se abrir à boa notícia do Evangelho e de acolhê-la. O apóstolo Paulo viu e experimentou esse mesmo insucesso do Evangelho, quando pregou diante dos sábios e dos intelectuais deste mundo, como testemunha na Primeira Carta aos Coríntios: “A linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem. Mas, para aqueles que se salvam, para nós, é poder de Deus. (…) Onde está o sábio? Onde está o homem culto? Onde está o argumentador deste mundo?” (1Co 1, 18.20).

O resultado da pregação do Evangelho é uma loucura! Aderem a ele os pobres, os últimos, as vítimas e os descartados da sociedade, aqueles que não importam, enquanto rejeitam esse dom os sábios, os intelectuais, os nobres, as elites e aqueles que importam, “os árchontes deste mundo” (1 Co 2, 8).

“Sim, Pai, assim quiseste na tua bondade.” Aquele que olha para a humildade dos seus servos, que perscruta e discerne quem é pequeno, que conhece o coração daqueles que, na sua pobreza, esperam somente no Senhor quis que o véu que esconde muitas coisas referentes ao Salvador e à salvação fosse levantado (re-velação) para os pequenos. Olhando para essas pessoas, Jesus as tinha chamado de bem-aventuradas (cf. Mt 5, 1-12), sempre as havia encontrado e acolhido, sempre havia potencializado a sua confiança e liberdade, e essa era a sua experiência: estes pequenos acreditaram, minoria bendita em meio a tantos indiferentes e a outros hostis a Jesus e ao seu Evangelho. É paradoxal, mas é assim que acontece quando o Evangelho é anunciado e chega aos homens e às mulheres!

Mas o que são “estas coisas” que Deus escondeu aos sábios e revelou aos pequenos? Essencialmente, a revelação de que Jesus é aquele que conta e narra Deus (cf. Jo 1, 18); e, ao mesmo tempo, a revelação por parte do Pai de Jesus, o Filho, à pessoa que crê. Sobre tal verdade Jesus voltará novamente no Evangelho segundo Mateus: “A vós foi dado conhecer os mistérios do Reino do Céu, a vós, pequenos, pobres e humildes, a vós, discípulos” (Mt 13, 11). A missão de Jesus e, consequentemente, a do discípulo, do enviado, só pode ocorrer assim: no fracasso e no sucesso, descobrem-se as intenções mais profundas com as quais Deus confia uma missão ao próprio discípulo.

E eis-nos diante da grande revelação, que alguns definiram como “uma meteorito joanino” que caiu em Mateus. Sem projetar sobre essas palavras noções teológicas que a Igreja soube formular mais tarde, com a ajuda do Espírito Santo, tentemos compreender essa autorrevelação de Jesus na sua luminosa simplicidade: “Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”.

A Jesus foi dado tudo, porque ele é o Filho do Pai, aquele que somente o Pai conhece, a ponto de poder dizer sobre ele: “Tu és o meu Filho, o amado” (cf. Mt 3, 17; 17, 5) . Mas também somente Jesus conhece plenamente o Pai, Deus, porque dele veio ao mundo, e somente Jesus pode dar Deus a conhecer ao seu discípulo, porque ninguém vai ao Pai senão através dele (cf. Jo 14, 6).

Eis a revelação da identidade de Jesus, da sua relação com Deus, do conhecimento de Deus por parte do discípulo. Estamos no cume da revelação divina de Jesus segundo o primeiro evangelho. É esse o mistério entregue ao discípulo, mistério a ser adorado, a ser acolhido em silêncio, a ser vivido cotidianamente no fiel seguimento de Jesus que nos leva ao Pai...

Por isso, justamente naquela hora, Jesus se dirige às pessoas com um convite: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, ‘e vós encontrareis descanso para a vossa vida’ (Jr 6, 16). Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve”.

Jesus chama a si aqueles que buscam a Deus, desejam ver o seu rosto, querem ter comunhão com ele, mas estão sobrecarregados por preceitos humanos, intransigências religiosas, rigidez moral, ensinamentos não traduzíveis em vida... Chama-os a si porque o seu “jugo” é doce, leve, simples e requer apenas ser acolhido com alegria, confiando no amor de Deus que é sempre preveniente e nunca deve ser merecido.

Jesus é o homem das bem-aventuranças, proclamadas porque são por ele vividas em primeira pessoa: ele é pobre e humilde, capaz de chorar, manso, faminto e sedento de justiça, puro de coração, operador de paz, perseguido. Para aqueles que se encontram nessas condições, ir a Jesus significa encontrar comunhão, consolação, intimidade de um mestre que, com doçura e humildade, acolhe sempre e não exclui ninguém. Aqueles que não conseguem suportar os pesos das leis, aqueles que só conseguem dizer: “Tem piedade de mim, que sou pecador” (Lc 18, 13) podem ir a Jesus que os acolhe em seus braços e nele repousar. Porque repousar, acima de tudo, é poder habitar na quietude entre os braços de quem nos ama sem reservas.

Há um jugo construído pelos seres humanos, que encerra mandamentos, preceitos, observâncias, intransigências, e há o jugo de Jesus, que é acolhida do amor, da misericórdia de Deus, do amor de irmãos e irmãs. O jugo de Jesus não é sem esforço: mas uma coisa é esforçar-se por ser obrigado por preceitos, outra coisa é esforçar-se por amor e recebendo amor. Só os pequenos, porém, entendem essa revelação, hoje como então.

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