Redução da desigualdade de renda no Brasil é interrompida, alerta Oxfam

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27 Novembro 2018

Em 2017, pela primeira vez em 15 anos, os 40% mais pobres tiveram variação de renda pior do que a média nacional, aponta relatório da ONG.

A reportagem é publicada por CartaCapital, 26-11-2018.

Em 2014, o Brasil parecia disposto a se reconciliar com a parcela mais vulnerável da população. Naquele ano, o País finalmente abandonou o vergonhoso Mapa da Fome das Nações Unidas. Segundo o Banco Mundial, 29 milhões de cidadãos saíram da condição de pobreza entre 2003 e 2014. Nesse mesmo período, o nível de renda dos 40% mais pobres aumentou, em média, 7,1% em termos reais, enquanto o da população geral cresceu 4,4%.

Infelizmente, a roda da redução das desigualdades emperrou. Nos últimos anos, os brasileiros voltaram a ser assombrados com o avanço da pobreza, o aumento da desigualdade de renda no trabalho e até mesmo com a expansão da mortalidade infantil, interrompendo um ciclo de queda de 26 anos.

Pior: não há o mais pálido sinal de reversão da trajetória de regressão social, alerta o relatório “País estagnado: um retrato das desigualdades sociais brasileiras”, divulgado na manhã desta segunda-feira 26 pela Oxfam Brasil.

Em 2017, pela primeira vez em 15 anos, os 40% mais pobres tiveram uma variação de renda pior do que a média nacional.  Nesse mesmo ano, havia cerca de 15 milhões de brasileiros na extrema pobreza (7,2% da população), segundo os critérios estabelecidos pelo Banco Mundial (renda percapita inferior a 1,90 dólar por dia). O número é 11% superior ao de 2016, quando havia 13,3 milhões de miseráveis (6,5% da população).

Não é tudo. Os rendimentos médios dos negros encontram-se estagnados em relação aos dos brancos há sete anos. Em 2016, a população negra ganhava o equivalente a 57% da remuneração das pessoas brancas. Em 2017, a proporção caiu para 53%. Na prática, isso significa que os negros passaram a receber, em média, 1.545 reais, enquanto os brancos ganhavam 2.924 reais.

Da mesma forma, houve retrocesso no esforço de garantir a equiparação salarial entre homens e mulheres. Segundo dados da Pnad Contínua do IBGE, elas ganhavam cerca de 72% dos rendimentos dos homens em 2016, proporção que caiu para 70% no ano passado. Trata-se do primeiro recuo em 23 anos.

O relatório da Oxfam menciona ainda o avanço da mortalidade infantil, que pela primeira vez desde 1990 voltou a crescer no País. Em 2016, foram registradas 14 mortes para cada mil nascimentos, alta de 4,9% em relação ao ano anterior.

Não por acaso, o Brasil avançou uma casa no ranking das nações mais desiguais do planeta, passando a ocupar em 2018 a 9ª posição em matéria de desigualdade de renda medida pelo coeficiente Gini, entre 189 países analisados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Nos gastos sociais, um retrocesso de 17 anos

A Oxfam aponta, entre as causas da regressão social, a crise econômica, fiscal e política iniciada no fim de 2014, que fez a renda despencar e o desemprego praticamente dobrar. A entidade questiona, porém, as drásticas medidas de austeridade adotadas desde então, a exemplo da Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos os gastos públicos, incluídos os investimentos em saúde e assistência social.

Em 2016, o espaço reservado para gastos sociais no orçamento federal retornou aos mesmos níveis de 2001, segundo cálculos feitos pela entidade. Trata-se de um retrocesso de 17 anos na priorização dos investimentos sociais contra as abissais desigualdades que persistem no País.

“Ao se tomar uma medida extrema para o controle de gastos, nada foi feito para corrigir a profunda injustiça tributária vigente no Brasil”, afirma o relatório, elaborado por Rafael Georges, coordenador de campanhas da Oxfam Brasil. “A resposta apresentada até agora para a crise tem seguido na contramão do que se aprende sobre política fiscal para redução de desigualdades. No campo das despesas, reduziu-se o gasto social, tão importante para proteger a base da pirâmide, ao mesmo tempo que, no campo das receitas, foi mantido um sistema tributário que onera ainda mais essa base”.

De fato, desde a promulgação da Constituição de 1988, os governos e o Poder Legislativo mantiveram um maior peso na chamada tributação indireta, sobre bens e serviços, cujos valores embutidos nos produtos são repassados indiscriminadamente para os consumidores, sejam eles ricos ou pobres.

Essa tributação indireta, a incidir sobre o consumo, chega a quase 50% da carga tributária bruta do Brasil. Entre as nações desenvolvidas da OCDE, ela corresponde a 33%, em média.  Por outro lado, o Brasil é um dos países que menos tributa renda e patrimônio. A arrecadação sobre esses dois itens corresponde a pouco mais de 22% da carga tributária bruta. Entre os países da OCDE, esse nível é de 40%.

Em virtude de distorções como essa, os mais pobres acabam por pagar mais impostos proporcionalmente do que os mais ricos.

Não bastasse, o Brasil deverá abrir mão de mais de 283,4 bilhões de reais em renúncias fiscais em 2018, como noticiou CartaCapital em abril passado. Estimado pela Receita Federal, o valor é superior à soma dos orçamentos da Educação e da Saúde: 107,5 bilhões e 131,4 bilhões, respectivamente. As renúncias beneficiam, sobretudo, as empresas, enquanto os investimentos sociais não resistem à navalha operada pelo governo.

Diretora-executiva da Oxfam Brasil, Kátia Maia prevê um enorme retrocesso no combate às disparidades sociais caso o Brasil não reveja as duras medidas de austeridade adotadas nos últimos anos. “A Emenda 95 estaciona o Brasil no tempo. Não permite que o País evolua, construa uma sociedade mais justa, tenha uma economia mais robusta. Até porque a pobreza mina o desenvolvimento e a desigualdade extrema gera violência”, afirma.

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