Wendersː o Papa pelas minhas palavras

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27 Setembro 2018

Estamos sentados em uma mesa no jardim de um hotel em Roma. O diretor Wim Wenders é acompanhado pela tradutora. O tema do nosso encontro é o seu documentário-filme sobre o Papa Francisco. Um homem de palavra, mas o acaso, um santinho que apareceu no laptop do entrevistador, quer que por alguns minutos a entrevista seja invertida, e o diálogo comece com Santa Bakhita. Wenders nunca ouviu falar dela, mas é fascinado pela beleza daquele rosto africano. Ele pergunta quem ela é e enquanto ouve a história de sua vida, da escravidão à santidade, continua a olhar para a imagem. "Em que área do Sudão nasceu?", pergunta ele. "Em Darfur". Uma região hoje como então atravessada por ataques de todo tipo e Wenders torna-se ainda mais pensativo. Depois quer esclarecimentos sobre onde ela morou na Itália. Acaba sabendo do grande interesse que João Paulo II tinha por ela, que a havia chamado de Irmã universal, que Bento XVI a citou amplamente na Spe salvi e que muitas vezes o Papa Francisco a apresentou como um exemplo dedicando-lhe também um amplo parágrafo na Gaudete et exultate.

A entrevista é de Roberto I. Zanini, publicada por Avvenire, 26-09-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.

Uma mulher forte, um símbolo de como Deus transforma as pessoas libertando-as de sua escravidão. "Ela foi educada na Itália?", ele pergunta novamente. "Não. Só aprendeu um pouco a ler. Mas muitas pessoas a procuravam. Todos a consideravam uma santa.

Queriam ouvi-la falar sobre Deus que a libertara. Pediam conselhos, queriam ser ajudadas, também libertadas. E ainda hoje há muitas histórias, especialmente de mulheres, libertadas de sua escravidão...”. Wenders observa a imagem mais uma vez. Sorrindo, a coloca sobre a mesa, de pé, apoiada em um copo. Então vira o olhar para a primeira pergunta.

Como Bakhita, inclusive o Papa, no filme, se mostra com a espontaneidade do sorriso e fala de Deus e dos grandes temas da vida com uma simplicidade que cativa.

"Isso é exatamente o que eu havia me proposto quando pensei sobre este filme. Eu queria que através da narração espontânea do Papa houvesse um acesso direto ao seu pensamento. Que cada um pudesse tirar sua opinião sem preconceito e sem mediações".


Eis a entrevista.

O que mais lhe impressionou neste Papa?

Eu só o conheci cinco minutos antes de fazer a primeira pergunta. Fiquei impressionado com sua maneira direta, como ele me olhava nos olhos, como me escutava. Tudo o que ele dizia era simples, claro, espontâneo. Uma qualidade muito rara. Isso me fez sentir que ele estava conectado a mim sem que nada nos perturbasse. Entrando na sala, ele viu a câmera, viu a sua cadeira e disse: "E onde você vai estar sentado?". Então eu expliquei a tecnologia que eu tinha decidido usar, para que suas palavras resultassem mais diretas: o senhor vai ver o meu olhar nesta tela fininha que está diante da câmera e olhando para mim estará olhando exatamente para a câmera. Então ele me perguntou: "E o que você vê?" Mostrei a ele que eu o via e ele me olhava nos olhos.

Existe essa simples tecnologia entre nós que possibilita que você converse com todos como se estivesse falando comigo. Ele entendeu imediatamente qual era a minha intenção e não fez outras perguntas. Daquele momento em diante, a entrevista se desenvolveu como se fossemos só eu e ele.

No filme, a história do Papa está entrelaçada com a de São Francisco. Qual a relação com esse santo?

Minha família era muito católica. Meu pai era médico, mas por muitos anos havia pensado em se tornar padre. Falava-se de santos, mas o único santo que eu realmente conheci na minha infância foi São Francisco: era o homem que falava com os pássaros, e chamava cada ser de irmão e irmã e eu, como criança, tentei fazer a mesma coisa. Quando em 2013 foi divulgado o anúncio do novo Papa, eu estava na Alemanha. Eu sei latim e imediatamente entendi que se chamava Francisco. Fiquei emocionado e pensei: esse homem tem coragem. Nunca pensei que iria realmente conhecê-lo.

No filme, o apelo do papa por uma igreja pobre é insistente. O que pensa disso?

Eu acho que ele está certo. Totalmente. E acredito que seja necessária ainda mais pobreza. Ele está dando o exemplo. Com sua vida, ele nos mostra que não é impossível fazer as mesmas coisas possuindo menos. É importante mostrá-lo tanto como dizê-lo. Eu vi os buracos em seus sapatos e acredito que ele realmente não se preocupa com a posse.

Por que no filme você escolheu confiar a figura de São Francisco a um ator e não usou um dos muitos filmes sobre ele?

Eu vi todos aqueles filmes porque pensei em tirar alguns trechos deles. Mas percebi que seria difícil. O filme de Rossellini, por exemplo, não se sustentou bem com o tempo. Os franciscanos em seu filme me pareceram ingênuos e infantis. Eu entendi que eu tinha que dar a minha própria imagem do santo. Eu filmei uma semana em Assis e arredores com poucos recursos, na filosofia de um filme que deveria ser pobre.

No filme o Papa denuncia a surdez do homem ao grito da terra que sofre.

E aqueles que ouvem este grito mais alto são os mais pobres porque mais do que os ricos sofrem as consequências das violências ecológicas sofrida pelo planeta. Eu emocionei-me ao ler a Laudato Si'. Imediatamente entendi como fossem inovadoras essas conexões entre clima, ecologia e pobreza.

O Papa como São Francisco fala com espontaneidade da morte. Que relação Wenders tem com a morte?

Acredito que ter a presença da nossa morte mais clara nos torna mais presentes também em nossas vidas.

Você tinha visitado Assis na época do filme com Michelangelo Antonioni e Tonino Guerra?

Claro. E lembro-me bem quando saímos de Roma para encontrar Tonino em uma casa de campo que Antonioni tinha na Úmbria. Fizemos um grande desvio para passar por Assis porque Antonioni insistiu em entrar na cidade e receber uma bênção para o filme. Chegamos à noite e a Basílica estava fechada. A esposa de Antonioni, Enrica, tocou várias campainhas até que alguém do Sagrado Convento abriu. Fizeram com que entrássemos por uma pequena porta na basílica inferior e tivemos a bênção.

No filme, o Papa afirma que essa economia mata, destrói, exclui, mas o cinema desde sempre é um instrumento dessa mesma economia ...

Sim. E seguimos o conselho do Papa: fizemos o filme com menos do que tínhamos a disposição e doamos o que sobrou para uma causa pessoal de Francisco. Não foi fácil, mas sua pergunta é correta e muito cinema contemporâneo, com seus orçamentos estratosféricos, participa da destruição deste planeta. É realmente escandaloso. Isso é o business. E o desperdício é uma ideologia ... Deixa-me realmente irritado, por exemplo, que em todos os sets do mundo todos os dias se utilizem centenas de garrafas de água apenas para um gole... e, depois, são jogadas fora. Mas até mesmo no mundo do cinema, muitas pessoas estão desenvolvendo atitudes diferentes. Não querem ferir os animais, não querem explorar as pessoas, não quer danificar as coisas e o meio ambiente... Em geral, porém, fazer cinema continua a ser uma aventura muito capitalista.

A propósito ... Quando criança, você conseguiu falar com os animais?

Eu tentei muito... acho que consegui algum sucesso com os gatos.

E com os homens?

Temos uma linguagem em comum, mas talvez apenas aparentemente seja mais fácil.

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