A educação grega transformaria o Brasil

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01 Dezembro 2017

Neste momento crítico do País em que se dá a transição dos resquícios do período colonial para não se sabe ainda o quê, mas certamente para algo melhor, repensar a ultrapassada educação é um imperativo máximo.

A reportagem é de Marcos de Aguiar Villas-Bôas, publicada por CartaCapital, 01-12-2017.

A Grécia Antiga é conhecida pelos grandes filósofos, pelos guerreiros, pelas inovações, pelas crenças nos deuses, porém não se fala o suficiente da educação que formou a civilização, talvez, mais sábia da humanidade.

Historicamente, divide-se a civilização grega antiga nos períodos:

a) Pré-Homérico (2.500 – 1.100 a.C) – formação da civilização;

b) Homérico (1.100 – 800 a.C) – resgate histórico realizado com base nos poemas Ilíada e Odisseia, de Homero, que davam conta do estabelecimento e queda da estrutura socioeconômica igualitária dos Genos, com início de formação das cidades-estados chamadas de polis;

c) Arcaico (800 – 510 a.C) – espantoso desenvolvimento cultural, econômico e social, com consolidação das polis e surgimento da escrita, da moeda, da lei e da Paideia;

d) Clássico (510 – 323 a.C) – continua o desenvolvimento, porém entremeado a inúmeros conflitos, inclusive com os espartanos derrotando os persas na batalha dos 300;

e) Helenístico (323 – 146 a.C) – após morte de Alexandre, há a decadência da Grécia Antiga e domínio pelos romanos.

A visão grega da educação, chamada de “Paideia”, tinha como objetivo formar um homem completo, integral, cuidando dos seus múltiplos aspectos, o que se aproxima, em parte, do que se chama hoje, com base em estudos de Psicologia Cognitiva, por teoria das inteligências múltiplas.

Tal concepção é até óbvia, mas a educação de hoje faz geralmente o contrário. Se os indivíduos, desde tenra idade, gastarão horas em um determinado local para se educar, nada mais natural que se dê atenção aos múltiplos aspectos de uma formação completa, que considere no seu centro vieses não somente acadêmicos, mas emocionais, psíquicos, morais e sociais, todos eles essenciais para uma vida plena.

Paideia é um conceito global e envolve não somente aquilo que se entende hoje por educação, mas também tem traços de conceitos como civilização, tradição e cultura. A educação na Grécia Antiga buscava formar seres sábios e saudáveis nos múltiplos aspectos, capazes de governar e de impactar a sociedade positivamente. Assim deveria ser hoje.

Não se nega que o mundo tenha evoluído enormemente, podendo-se aproveitar ferramentas tecnológicas avançadas e sistemas organizacionais muito mais estruturados, porém a concepção da educação grega era mais completa e profunda do que a brasileira, que é, em regra, repleta de informação, mas pobre em sabedoria: a soma de informação com inteligência para processá-la, testada na experiência prática e sentida por um indivíduo com solidez moral e emocional.

O termo “educar” vem de dois verbos latinos: “educare” e “educere”. O primeiro significa orientar, nutrir; o segundo significa eduzir, tirar de dentro, fazer brotar do âmago. O educador deve ser aquele orientador que permite fazer brotar do educando o que ele tem de melhor a dar. Essa é uma ideia central na educação grega, que se perdeu ao longo dos séculos.

Tal visão se refletiu mais tarde em Jean-Jacques Rousseau, para quem educar seria deixar as capacidades naturais brotarem, impondo o mínimo ao indivíduo, pois ele nasce livre e bom, mas a sociedade o corrompe. A ideia real de educador está mais para um afetuoso amigo e sábio mentor, como Pestalozzi defendeu e atuou na prática, do que um palestrante que lança informações sobre os educandos.

O grego Plutarco, autor de “Da Educação das Crianças”, foi um defensor da Paideia e veio a influenciar mais tarde autores como Erasmo, Montaigne, Comenius e Rousseau. Ele dizia, no século I d.C, que “a educação não equivale ao ato de encher uma jarra, mas sim ao de acender uma chama”. Afirmava, portanto, que a educação enciclopédica atual não é a verdadeira, pois a real consiste em despertar o interesse por se educar e em acender aquilo que há de melhor em cada educando.

Se observarmos a evolução dos humanos ao longo da vida, é muito claro que, quanto mais esforço disciplinado e equilibrado é colocado em algo, mais dele acaba sendo emanado. Em áreas como o esporte e mesmo na moral e no emocional, resultados inacreditáveis podem ser obtidos por aqueles bem orientados, que acreditam e se esforçam para tanto.

Sabe-se, também, por estudos científicos, que estamos longe de aproveitar o nosso cérebro em seu máximo potencial, de modo que há muito mais chamas a serem acendidas dentro de cada um por meio da educação integral de qualidade. Muito mais do que trazer algo de fora, educar-se significa despertar o cérebro e a consciência; então, um educador deve ser um guia sábio e amoroso nesse processo, e não um instrutor superficial e autoritário.

Não adianta também tentar obter de alguém aquilo que não pode dar, o que remete à imprescindível necessidade de uma educação individualizada, dentro da qual se compreenda profundamente as deficiências e qualidades de cada um sem julgamentos das deficiências ou tratamentos privilegiados em face das qualidades.

Uma educação de massa, como a atual, é muito ineficiente e pouco inclusiva, pois ensina, em regra, o mesmo a todos, quando, além de diferentes deficiências e qualidades, as capacidades de aprendizagem de cada educando variam muito de acordo com cada método.

Os gregos antigos tinham uma vida muito espiritualizada, uma perspectiva de ampla consciência sobre o mundo e entendiam a humanidade, por exemplo, como uma parte totalmente integrante da natureza, e não apartada, como, em regra, se pensa hoje.

Havia uma forte concepção de utilizar a educação para despertar os valores morais atemporais. É uma ideia semelhante àquela de trabalhar as capacidades naturais, mais tarde desenvolvida por diversos autores.

Valores como liberdade, igualdade, fraternidade, e sentimentos como amor incondicional, paciência, tolerância, empatia, iniciativa e outros são ínsitos à natureza humana. Podem ganhar traços um pouco distintos ao longo do tempo, mas não deixarão de ser considerados essenciais no processo educacional.

A educação integral da Grécia Antiga, pautada numa busca pela formação de sábios, aqueles que unem informação, inteligência lógico-sistemática, experiência, emoções equilibradas e virtudes morais, foi comprovadamente eficiente, uma vez que aquela civilização deixou muito do que se tem de positivo hoje na filosofia, na ciência e nas artes.

O número de nomes que entraram para a história não se resume aos filósofos, mas passa pelos médicos, advogados, legisladores, matemáticos, engenheiros, governantes e guerreiros. Os gregos antigos compuseram a civilização mais sábia da história que a humanidade hoje conhece, tendo superado até mesmo os egípcios antigos, que eles mesmos admiravam.

Homero, Tales, Drácon, Sólon, Clístenes, Quilon, Pítaco, Bias, Periandro, Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito, Empídoeles, Sócrates, Platão, Pitágoras, Aristóteles, Xenófones, Parmênides, Zenão, Epimênides, Leofanto, Aristodemo, Ferécides, Anacársis, Anaxágoras, Acusilau, Laso, Orfeu, Alexandre...a lista poderia chegar a centenas de nomes que entraram para a história humana e que são estudados até hoje em círculos específicos, porém quase nada na escola, muito menos com aplicabilidade prática.

O que se observa hoje no Brasil é a erupção de apenas uma parte do que foi feito ao longo dos seus 517 anos de história: colonizar, explorar, escravizar etc. É preciso reconstruir a “Paideia brasileira”, transformando a educação, a cultura e a própria população pelo despertamento da consciência do homem sábio, regada pela arte e pelo trabalho físico, como aconteceu no apogeu da civilização grega.

Para que isso se materialize em termos práticos e deixe de ser mero conhecimento articulado em teoria, viemos e continuaremos publicando diversos textos sobre educação neste blog, com diferentes vieses, mas com uma única espinha dorsal intencionada em reformar estruturalmente a educação brasileira, transformando-a numa formação integral, prática, socioemocional, artística e física, que desperte o melhor dentro de cada educando, pondo um fim ao enciclopedismo abstrato, superficial, enfadonho e ineficiente até hoje vigente.

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