“Contradições da direita e fragmentação da esquerda abrem cenário para que tudo possa acontecer”

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26 Setembro 2017

Mais uma denúncia de corrupção contra o presidente Michel Temer é encaminhada à Câmara dos Deputados, aprovada pelo STF por 10 votos a 1. Ao lado disso, Raquel Dodge assume o lugar de Rodrigo Janot na Procuradoria Geral da República, o que ensejou comentários sobre o esfriamento das investigações da Lava Jato. De outro lado, um clima de desencanto generalizado inibe qualquer ação política.

“Vou ser bombardeado por meus camaradas, e até amigos, ainda dentro do neoPT, mas vejo esse fenômeno como sequela incontestável do período de cooptação pelo lulopragmatismo. Quando Lula hoje se considera traído por Palocci, ele não pode negar que foi com Palocci em parceria com o então recém-eleito deputado tucano Henrique Meirelles, a quem entregou o Banco Central depois de reuniões com Deus sabe quem nos Estados Unidos, que cometeu a grande guinada ideológica e programática em favor do Pacto Conservador de Alta Intensidade”, diz Milton Temer, ex-deputado federal entre 1988 e 2006, referindo-se à definição de André Singer, autor de Os Sentidos do Lulismo e As contradições do Lulismo.

Milton também considera bravata a declaração do partido que venceu as ultimas quatro eleições federais sobre boicote ao processo de 2018 caso a participação de Lula seja impedida. “Uma satisfação à plateia. Vá propor isso aos parlamentares federais e estaduais, em grande parte transformados em aparatos de reprodução de mandatos... Vá dizer a eles para abrirem mão da próxima campanha... Eu até acho que eles já estão operando, embora neguem publicamente, um plano alternativo de disputa majoritária”, cutucou.

E se de um lado admite uma paralisia nos setores que poderiam fazer resistência a um governo praticamente zerado na aceitação popular, de outro enxerga uma inconsistência nas articulações da classe dominante brasileira, em especial nos setores que mandam na economia. “A despeito das últimas declarações de militares, eu me pergunto: golpe contra quem, quando a denúncia que fazem é da desmoralização do governo tucano-PMDB por corrupção?”, indagou.

A entrevista é de Gabriel Brito, publicada por Correio da Cidadania, 22-09-2017.

Eis a entrevista.

Mais um processo sobre corrupção contra Michel Temer teve seu encaminhamento autorizado pelo STF. Afinal, o que dizer do presidente?

Que navega entre a sem-vergonhice e a patologia mental. Na reunião da ONU, inexpressiva pelas ausências, e desnecessária pela ameaça de Trump, ficou jogado no canto, dando uma única entrevista, para a Reuters. Entrevista na qual, diante do questionamento das investigações sobre corruptos e corruptores, destaca o pleno e livre andamento das instituições concernentes, ao mesmo tempo em que as agride quando se trata de seu caso pessoal e tenta bloqueá-las acintosamente nos recursos ao Supremo.

Como avalia a saída de Rodrigo Janot e a entrada de Raquel Dodge na PGR?

A nova procuradora chega sob suspeita. Não porque Janot seja incontestável, mas pelo fato de ela ter sido escolhida numa lista onde não foi a mais votada. E, o que é mais grave, escolhida sob auspícios do usurpador e seus principais parceiros na quadrilha do PMDB, com especial destaque para Sarney. Quem tem esses padrinhos, bom sujeito só será se conseguir provar.

De outro lado, uma enorme apatia política dos grupos que poderiam, e chegaram a fazer, resistência a seu governo de reformas em favor do grande capital. Por quê?

Vou ser bombardeado por meus camaradas, e até amigos, ainda dentro do neoPT, mas vejo esse fenômeno como sequela incontestável do período de cooptação pelo lulopragmatismo. Quando Lula hoje se considera traído por Palocci, ele não pode negar que foi com Palocci em parceria com o então recém-eleito deputado tucano Henrique Meirelles, a quem entregou o Banco Central depois de reuniões com Deus sabe quem nos Estados Unidos, que cometeu a grande guinada ideológica e programática em favor do Pacto Conservador de Alta Intensidade.

Para quem tem dúvidas sobre a veracidade de tal opção, que ia no sentido contrário à Resolução aprovada no último encontro nacional do PT antes da eleição de 2002, recomendo o livro do porta-voz do Planalto naquela ocasião, e até hoje aliado de Lula, André Singer. É ele que dá nome ao Pacto que citei acima, cujo contraponto seria um Reformismo Fraco, caracterizado pela política assistencial sem mudanças estruturais que marcou todo o período.

Isso provocou um ceticismo evidente em grande parte da sociedade civil não filiada, mas eleitora de Lula e do PT, na lógica do “chegando ao poder são todos iguais”. Ceticismo resultante do desgosto com a conciliação de classes, provocadora da desmobilização brutal, se comparada com a ação precedente contra o mandarinato de FHC por parte da CUT, da UNE e até do MST.

Felizmente, temos a Frente Povo Sem Medo, particularmente pelo seu braço mais organizado – o MTST – recuperando os espaços da rua.

O que achou do enunciado petista, a dizer que o partido boicotaria as eleições em caso de impedimento da candidatura de Lula?

Uma satisfação à plateia. Vá propor isso aos parlamentares federais e estaduais, em grande parte transformados em aparatos de reprodução de mandatos... Vá dizer a eles para abrirem mão da próxima campanha... Eu até acho que eles já estão operando, embora neguem publicamente, um plano alternativo de disputa majoritária.

Por que as esquerdas ainda exigem autocrítica do PT se a nova presidente do partido, Gleisi Hoffman, disse no 6º Congresso da legenda que isso não será feito, uma vez que se teria feito muito pelo Brasil?

Porque se não houver autocrítica ficamos todos na possibilidade de nos vermos envolvidos em novo estelionato eleitoral – campanha ousada, com governo rendido. O que, pelas últimas declarações de Lula – louvações nostálgicas a Meirelles e declaração em entrevista a Damous que não reveria decisões de governo anteriores, parece mais que possível. Parece certo.

Sobre eleições, concorda com o filósofo Vladimir Safatle, que escreveu recentemente que “não haverá 2018”?

A situação contraditória no campo das direitas, onde os jornais transformados em partidos políticos de direita – Globo e Estadão, especialmente – não se acertam quanto ao tratamento do governo de Michel Miguel (como Safatle o trata e eu agradeço), e a esquerda fragmentada, enrolada nas pesquisas favoráveis a Lula, mas sem acordo com suas hesitações, e com seus movimentos sociais mais representativos operando em sintonia distinta, tudo é possível de acontecer. Inclusive nada.

Mas afirmar que não haverá 2018 me parece um pouco contraproducente. Por que deixaria de haver? Há alguma insurreição à vista? E quanto aos militares? A despeito das últimas declarações eu me pergunto: golpe contra quem, quando a denúncia que fazem é da desmoralização do governo tucano-PMDB por corrupção?

Como avalia a questão da reforma política no Congresso, que acaba de vetar o chamado distritão?

É mais uma prova da desorganização das classes dominantes e de sua representação no covil parlamentar. Tirando a cláusula de barreira e a discussão torta sobre coligações, tudo vai continuar como dantes no covil desmoralizante.

O que esperar para o país nos próximos tempos, em termos políticos, econômicos e sociais?

Ser de esquerda, e assim me mantenho quase aos 80 anos de vida, é ter experiência de ralar no áspero. Mas é também vida que já viveu momentos onde a utopia de um outro Brasil, e mundo, possível esteve bem mais perto. Não desanimo. Da mesma forma que o neoliberalismo aqui chegou de forma tardia, quem sabe, tardiamente também, a gente consiga repetir o que Bernie Sanders, Melenchon, Jeremy Corbyn e Pablo Iglesias estão conseguindo, com lutas explicitamente anticapitalistas, na Europa e nos Estados Unidos? Só depende de nós. Luta que segue.

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