Pane no Senado é sinal de que país precisa de agenda legitimada pelo voto

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12 Julho 2017

Infelizmente, o esgarçamento aconteceu. Vivemos um momento em que a sensação é de desrespeito a regras e normas que nos permitem viver em sociedade com um mínimo de dignidade. Na minha opinião, os dois movimentos são consequência desse esgarçamento, escreve Leonardo Sakamoto, cientista social e jornalista, em artigo publicado por Uol, 11-07-2017.

Eis o artigo.

A ocupação da mesa diretora do Senado Federal por senadoras da oposição como instrumento para bloquear a votação da Reforma Trabalhista, durante seis horas, gerou polêmica. O presidente da casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), chamou o ato de ''ditadura'' e chegou a apagar as luzes e cortar os microfones. Gleisi Hoffmann (PT-PR) justificou o ato dizendo que ''tempos de exceção exigem de nossa parte reações anormais''.

As senadoras afirmaram que só sairiam se as galerias do plenário fossem abertas para que lideranças sindicais e sociais assistissem à votação; que todos os senadores que assim desejassem pudessem se manifestar na tribuna antes da votação; e a aprovação de uma mudança no texto da reforma a fim de impedir que gestantes e lactantes trabalhem em locais que possam colocam em risco sua saúde.

A discussão que se estabeleceu é se o expediente que elas resolveram usar foi democrático ou não. Pois certamente não estava previsto nas normas de funcionamento do Congresso Nacional entre as formas de obstrução possível a serem feitas pela oposição. Por conta disso, o senador José Medeiros (PSD-MT) recolheu assinaturas e protocolou um pedido de abertura de processo na Comissão de Ética por quebra de decoro.

Contudo, a base aliada do governo já havia resolvido forçar a barra para que o Senado abandonasse sua função de casa revisora de projetos de leis em nome de interesses de Temer e de parte do poder econômico.

Aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, após ter sido rejeitado na Comissão de Assuntos Sociais e aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos, a Reforma Trabalhista foi empurrada pelo governo de forma a evitar que os senadores propusessem mudanças. Pois, caso elas ocorressem, o projeto teria que retornar aos deputados federais para nova avaliação.

Esse ''atraso'' seria considerado um sinal negativo aos grandes empresários e ao mercado financeiro – tudo o que um governo morimbundo, com um presidente formalmente denunciado por corrupção e que precisa de apoio do poder econômico, não precisa neste momento. Isso sem contar os senadores que, eles próprios são grandes empresários. Ou aqueles que representam seus interesses.

O Palácio do Planalto propôs acatar parte das sugestões dos senadores através de vetos ao projeto e medidas provisórias após a aprovação da reforma. Mas não precisaria ter sido assim. De acordo com senadores da base aliada e da oposição com a qual este blog conversou, haveria votos suficientes para aprovar o destaque sobre gestantes e lactantes. Se o governo deixasse, claro.

A saída, portanto, foi uma situação ''mandrake'', em que o Senado abriu mão de analisar realmente a matéria, transferindo a Temer a incumbência pela qual foram eleitos, em nome de dar um alento a um governo que conta com 7% de aprovação popular, segundo a última pesquisa Datafolha. E, dessa forma, também proteger parlamentares que estão com a corda no pescoço por conta da Lava Jato.

Muitos dirão que isso é jogar com o regimento interno do Congresso Nacional e está dentro das regras, enquanto a ocupação da mesa do Senado, não.

Enquanto isso, a base do governo na Câmara substitui deputados federais que votariam, na Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania, a favor da autorização de abertura de processo contra Temer, por corrupção, no STF, por outros mais dóceis. E liberam recursos e cargos como um mercado a céu aberto. Dizem que também faz parte das ''regras do jogo''.

Porém, se não é ilegal, a interdição do debate aprofundado sobre uma matéria que irá alterar as relações trabalhistas no Brasil é certamente imoral. Além do mais, a própria montagem do projeto de Reforma Trabalhista foi um acinte. Ele é inspirado em demandas apresentadas por confederações empresariais e por posições derrotadas em julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho – posições que significaram perdas a empresários e ganhos a trabalhadores.

Poderíamos nos perder por horas analisando os dois movimentos, da oposição e da base aliada no Senado, por uma ética deontológica ou uma ética consequencialista, por princípios ou impactos. Mas seria perda de tempo.

Quando o impeachment foi aprovado, um dos receios era o esgarçamento institucional que a retirada de uma presidente eleita pelo voto popular por um motivo frágil (pedaladas fiscais) em vez de um caminho mais sólido (cassação da chapa por caixa 2) poderia causar. Infelizmente, o esgarçamento aconteceu. Vivemos um momento em que a sensação é de desrespeito a regras e normas que nos permitem viver em sociedade com um mínimo de dignidade. Na minha opinião, os dois movimentos são consequência desse esgarçamento.

Seja por conta dos problemas com a lei enfrentados por sua equipe e base aliada, seja por seus próprios, Michel Temer não conseguiu garantir legitimidade ao cargo. Pelo contrário, por conta dele e daqueles que o apoiam, a população passou a confiar ainda menos em suas instituições. E a possível chegada de Rodrigo Maia não irá melhorar a situação.

Quando chegamos a este ponto, a melhor maneira de retomar a normalidade seria devolver ao povo o direito de escolher diretamente um novo mandatário para governá-lo. Apenas uma eleição direta em que se possa debater publicamente quais devam ser prioridades reais do Estado poderá reverter a corrosão das instituições nacionais, evitando um ponto de não retorno.

E quando digo ponto de não retorno trato da possibilidade de elegermos um protótipo de ditador no ano que vem, alguém que prometa o céu e nos empurre para o inferno, passando por cima de tudo e de todos. E deixando saudades do tempo em que podíamos discutir ética.

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