“Estamos vivendo a generalização da violência no campo no Brasil”, afirma Darci Frigo, presidente da CNDH

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05 Julho 2017

Em entrevista concedida à Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2, 04-07-2017, o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e advogado da Terra de Direitos, Darci Frigo, analisa a grave situação de violência generalizada no campo brasileiro.

Fonte/Imagem: Setor de Comunicação da CPT NE2

Darci Frigo tem acompanhado de perto os mais recentes casos de assassinatos no campo ocorridos em vários estados do país, como a Chacina em Pau D’arco, no Pará, quando, em maio deste ano, 10 posseiros foram brutalmente assassinados por Policiais Militares.

Apresentando um olhar crítico sobre o Estado brasileiro, Frigo ressalta que a violência no campo e a criminalização se agravaram “principalmente com o advento do Estado de Exceção, com o golpe, na medida em que o agronegócio e o latifúndio se sentiram, de forma tácita, autorizados a atuar no campo”, avalia.

Frigo destaca a importância das comunidades camponesas e dos trabalhadores e trabalhadoras rurais manterem-se resistentes frente ao contexto de retiradas de direitos vivido no país nos últimos meses.

Eis a entrevista

Quais as principais violências e violações de direitos humanos que têm demandado maior atenção do Conselho Nacional de Direitos humanos nos últimos meses?

A grosso modo, podemos dividir em dois grandes blocos as violações de direitos humanos que estão ocorrendo no país. O primeiro bloco diz respeito às violações já conhecidas pela sociedade e que persistem ao longo do tempo, como a violência nos presídios e nos sistemas socioeducativos, com muitas rebeliões e chacinas, a violência policial e o extermínio da juventude negra.

Também nesse bloco há a violência no campo, que nos últimos meses tem se intensificado, com várias denúncias de assassinatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais. No ano de 2012, foram 36 pessoas assassinadas no campo. Em 2016, de acordo com os dados da CPT, o número subiu para 61 trabalhadores/as assassinados/as. E só nos cinco primeiros meses de 2017, já temos o registro de 37 assassinatos em conflitos agrários. Então, a violência no campo nos preocupa muito, ainda mais porque ela está associada também à completa paralisação das políticas públicas.

Também temos recebido de modo muito frequente casos de violência contra as populações tradicionais. A violência contra os povos indígenas, por exemplo, se dá de norte a sul, de leste a oeste, está presente em todas as regiões do país com o avanço do agronegócio. É um ataque racista e violento contra os direitos indígenas.

O secundo bloco de violações que nos preocupa muito vem se dando a partir de 2016, com a instalação de um Estado de Exceção, do golpe. Trata-se de uma retirada de direitos em massa. Temos, então, um cenário de aumento brutal do desemprego, aliado à agenda do Congresso Nacional, que é a agenda de retirada de direitos, de desmonte da Constituição de 1988. Esse fato revela o caráter profundo de desumanidade e de violência das elites que assumiram o poder no país nesse último período.

Como o CNDH analisa esse grave crescimento da violência no campo nos últimos meses?

Há algumas questões que precisam ser levadas em consideração e colocadas no horizonte desta avaliação. A primeira é que o processo de criminalização no campo tem se intensificado, cada vez com mais refinamento. Por exemplo, quando a lei de organização criminosa é utilizada, como aconteceu no caso dos quatro integrantes do MST presos por conta da ocupação de parte da Usina Santa Helena/GO, tem-se um refinamento da criminalização. Já no caso da operação “Castra”, no Paraná, não teve só o uso da lei de organização criminosa, teve um passo além, que foi a utilização de escutas telefônicas, durante meses, de pessoas que estavam em acampamentos de trabalhadores/as rurais. No caso do massacre em Pau D’Arco/PA, já temos a combinação do uso da força policial regular com empresas de seguranças, que juntas organizaram a chacina.

Se a criminalização sobe, do ponto de vista dos parâmetros de refinamento, no caso da violência do campo, ao contrário de outros tempos em que havia uma seletividade (lideranças), há uma generalização. Estamos vivendo a generalização da violência no campo no Brasil. A chacina de Colniza/MT, quando 9 homens, de 23 a 57 anos, foram torturados e assassinados em abril deste ano, revela isso: mata-se quem está na frente. Matam o pastor, a mulher, o homem, a criança. Matam quem aparecer na frente.

A segunda é que essa situação de violência e de criminalização no campo se agravou principalmente com o advento do Estado de Exceção, com o golpe, na medida em que o agronegócio e o latifúndio se sentiram, de forma tácita, autorizados a atuar no campo. Por exemplo, os últimos ministros da Justiça não inibiram nenhuma conduta criminosa das milícias no campo. Temos, assim, um cenário de bloqueio de políticas públicas, de destruição dos direitos sociais, de aprovação de novas legislações permissivas para ocupar, grilar o que resta de terras públicas em todo o território nacional e de devastação do que restou do sistema de proteção ambiental.

Na medida em que o Estado está cada vez mais a serviço do latifúndio, do agronegócio, o que nos preocupa é: com quem os trabalhadores, trabalhadoras, organizações de direitos humanos e movimentos sociais vão contar? Ao nos colocarmos essa questão e ao ouvir o apelo das organizações, dos movimentos sociais e da própria CPT, o CNDH chamou algumas instituições como a 6° Câmara do Ministério Público Federal, o Conselho Nacional do Ministério Público, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara e do Senado para realizar o ato denúncia com os movimentos sociais, ocorrido no dia 23 de maio, em Brasília. Também para construir estratégias de ações urgentes, com rápida intervenção nos conflitos e cobranças às instituições responsáveis pelas investigações e pelo combate à violência, para que possam imediatamente atuar em defesa dos Direitos Humanos das pessoas violentadas. Essas estratégias já se desdobraram, no dia seguinte ao ato, quando partimos em missão para acompanhar o caso de Pau D’Arco.

Além da atuação do poder executivo e legislativo contra as populações que vivem no campo, estamos vendo vários casos em que o poder judiciário tem julgado de modo a beneficiar o agronegócio e o latifúndio. Como você enxerga essa realidade?

Todo o sistema de justiça contribui com o processo de criminalização, passando pela Polícia Civil, Militar e Federal, juízes e até mesmo representantes do próprio Ministério Público. Hoje, no geral, o judiciário entrou na via da espetacularização da justiça. O judiciário, que não é um poder baseado na soberania popular, no sentido de que não é eleito pelo voto, passa a querer disputar a opinião pública. Mais do que garantir o cumprimento das leis, expressa em suas decisões a preocupação com a opinião pública. Se a opinião pública deseja medidas de ódio e de fascismo, fortemente influenciadas pela mídia, então um juiz poderá fazer barbaridades em suas decisões. Na questão agrária, ainda temos um problema crônico histórico que é a visão patrimonialista que os juízes e juízas e outros representantes do sistema de justiça possuem: a defesa do direito de propriedade está sempre acima dos direitos humanos. A sociedade hoje tem que debater a democratização da justiça e cobrar a abertura de canais para que ela preste contas sobre o seu fazer e sua responsabilidade pública.

Frigo, por fim, uma palavra a todos e todas que, com pressa, precisam fortalecer os caminhos para a superação de todas essas injustiças...

Os movimentos sociais e organizações como a CPT devem certamente continuar fortalecendo a resistência dos camponeses no território para garantir aquele espaço. A CPT, amplificadora das denúncias de violência, tem que continuar denunciando. O trabalho da documentação da CPT está sendo essencial neste momento para qualificar a violência no campo e para fazer o enfrentamento, além de embasar muitas organizações e instâncias mediadoras.

Vivemos uma das crises mais graves depois da ditadura militar. Essa crise revelou que a democracia no Brasil, apesar de parecer ter avançado, é ainda muito frágil. É muito forte o domínio dos interesses oligárquicos, arregimentado pelo PMDB e por uma grande articulação de banqueiros internacionais, que sustentam as reformas, como as da previdência e trabalhista. Essas duas frentes, hoje, no Estado brasileiro, representam um grave retrocesso e demonstram a fraqueza das instituições democráticas no nosso país.

Diante da gravidade da crise não podemos esmorecer nem perder a esperança. É preciso construir algo novo, pois o que construímos até aqui talvez não tenha sido suficientemente profundo para chegar à raiz dos problemas. Avançamos muito e em muitas políticas, mas não mexemos com os padrões de desigualdade. Precisamos pensar o futuro enfrentando os padrões de desigualdades, originados pelo domínio que as oligarquias e as classes dominantes têm sobre a política e sobre todas as determinações da sociedade, incluindo o problema do racismo e patriarcalismo.

Mais do que isso, temos que compreender que a defesa de direitos é fundamental. Precisamos construir uma agenda em que a pauta dos Direitos Humanos não se relacione somente com a violência e sim com todas as dimensões da vida, com os direitos trabalhistas, com o direito à saúde, à viver em paz, à reforma agrária. Isso tem que ficar nítido no nosso horizonte.

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