O Cardeal Sarah contra a “ditadura do barulho”

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28 Junho 2017

Em seu mais recente livro, o Cardeal Robert Sarah adverte contra a ideia de que o silêncio seria o mesmo que simplesmente ficar quieto: o silêncio é a manifestação de uma presença, “a mais intensa de todas as presenças”. O cardeal diz que o homem moderno é capaz de todos os tipos de barulho, todos os tipos de guerra, e de inúmeras declarações solenes falsas, em um caos infernal, pois excluiu Deus de sua vida.

O comentário é de Andrea Picciotti-Bayer, assessor jurídico da Catholic Association Foundation, publicado por Crux, 27-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Em seu mais recente livro “The Power of Silence: Against the Dictatorship of Noise” (O poder do silêncio: contra a ditadura do barulho), o Cardeal Robert Sarah traz uma análise profunda do silêncio que “nos conduz em direção a Deus e aos outros para que nos coloquemos, com humildade e generosidade, a serviço deles”.

A inspiração inicial para escrever a obra veio das visitas do cardeal guineense com um jovem religioso incapaz de falar devido a uma esclerose múltipla que acabou tirando sua vida. Era uma amizade que “nasceu em silêncio, cresceu em silêncio e continua a existir em silêncio”.

Esta amizade também levou à visita de Sarah ao “Grande Chartreuse”, principal mosteiro dos monges da Ordem dos Cartuxos. Estes dois encontros, além da própria experiência do cardeal como uma pessoa grandemente contemplativa, motivaram este tratado sobre o papel indispensável do silêncio para a vida interior.

É um ensinamento cristão básico o de que o nosso propósito na vida é “conhecer, amar e servir a Deus”. Embora Deus esteja sempre presente, parece que estamos tendo tempos mais difíceis de encontrá-lo.

Sarah explica este desafio: “O homem moderno é capaz de todos os tipos de barulho, todos os tipos de guerra, e de inúmeras declarações solenes falsas, em um caos infernal, pois excluiu Deus de sua vida, de suas batalhas, e de sua ambição gigantesca para transformar o mundo visando somente o seu próprio benefício egoísta”.

Ao invés de erguermos nossas mãos ao alto porque estamos vivendo uma “ditadura do barulho”, Sarah aconselha que “nada irá nos fazer descobrir Deus melhor do que o Seu silêncio inscrito no centro do nosso ser”.

The Power of Silence” assume a forma de pontos de reflexão dados por Sarah em resposta a perguntas e comentários postos pelo jornalista e escritor francês Nicolas Diat. No total, a obra traz 365 pontos.

Embora não tenha sido escrito na forma de reflexões diárias, não passa despercebido que este número corresponde aos dias em um ano. O silêncio deve fazer parte da nossa vida – todos os dias.

Geralmente pomos um sinal de igual entre o silêncio e o ato de simplesmente ficar quieto. No nível sobrenatural, no entanto, o “silêncio não é uma ausência. Pelo contrário, é a manifestação de uma presença, a mais intensa de todas as presenças”.

Embora reconheça que existam situações externas que promovem o silêncio interior, Sarah explica que “é no silêncio da humilhação e automortificação, acalmando a perturbação da carne, subjugando com sucesso as imagens barulhentas, mantendo a uma distância os sonhos, as imaginações e o rugido de um mundo que está sempre em um turbilhão, a fim de purificar-se de tudo o que arruína a alma e a afasta da contemplação, que esse homem se torna capaz de olhar a Deus e amá-lo”.

Em todo o livro, Sarah refere-se à beleza do silêncio dos mosteiros, onde “homens e mulheres que adentram o silêncio oferecem-se como num holocausto por seus irmãos”. Mas “a clausura não é o único lugar onde podemos encontrar Deus”.

Apontando para as vidas exemplares de nossos contemporâneos como os santos Faustina Kowalska, Josemaria Escriva, Madre Teresa de Calcutá e João Paulo II, Sarah lembra que “cabe a cada indivíduo pôr-se à disposição do Deus silencioso que nos espera no profundo deserto do nosso coração, evitando o barulho e a perturbação”.

Como prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Sarah é o chefe do departamento vaticano encarregado da maioria dos assuntos relacionados às práticas litúrgicas e temas concernentes aos sacramentos.

O religioso explica que os sacramentos, embora tendo sinais externos específicos, na verdade fundamentam-se no silêncio. Por exemplo, embora ouvimos o nome da Trindade no sacramento do Batismo e o som da água flua sobre a testa da criança, “nada percebemos desta imersão para dentro da vida interior da Trindade, da graça e da criação, que requer nada menos do que a ação pessoal, toda-poderosa de Deus”.

O mesmo, observa Sarah, ocorre durante a ordenação sacerdotal onde, em silêncio, “um homem se torna não só um ‘alter Christus’, um outro Cristo, mas muito mais: ele é ‘ipse Christus’, o próprio Cristo”.

E o que é mais evidente, conquanto frequentemente esquecido ou infelizmente ignorado, é o milagre da transubstanciação, onde o pão e o vinho transformam-se no Corpo e Sangue de Cristo no “silêncio mais sagrado”.

Ao explicitar a ligação entre o silêncio e o sagrado, Sarah nota que “o silêncio sagrado é verdadeiramente a única reação humana e cristã a Deus quando ele irrompe em nossas vidas. Na liturgia, o silêncio “é sobretudo a atitude positiva de alguém que se prepara para acolher Deus por meio da escuta”.

Ele continua ao advertir que “sem este espírito contemplativo, a liturgia continuará sendo uma ocasião para divisões odiosas e confrontos ideológicos, em vez de ser o lugar da unidade e comunhão no Senhor”.

Diferentemente de muitos que tecem críticas às mudanças litúrgicas de nossa época, o Cardeal Sarah expressamente acompanha as suas observações com o profundo e humilde “desejo de servir a Deus” bem como a sua “submissão e obediência à autoridade suprema da Igreja”.

Para que não haja confusão, “The Power of Silence” deve ser lido como uma justificativa católica para fazermos um retiro para dentro de nós mesmos por motivos egoístas; uma espécie de yoga aprovado pela Igreja.

Sarah corretamente faz notar: “Existem almas que requerem solidão de forma que possam se encontrar, e outras que se doam a Deus e aos demais”. Sim, chegou a hora de “nos revoltarmos contra a ditadura do barulho”.

The Power of Silence” é um lembrete encorajador à Igreja, aos seus sacerdotes e aos fiéis de que “uma vez que tenhamos obtido o silêncio interior, podemos transportá-lo conosco para dentro do mundo para rezar em todos os lugares”.

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