Política, cultura ou teologia? Por que os evangélicos apoiam Trump no aquecimento global

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12 Junho 2017

A decisão do presidente Trump de se retirar do acordo climático de Paris provocou um clamor mundial e apontou um outro holofote para iluminar a divisão política acentuada existente nos EUA no que diz respeito às mudanças climáticas: a direita americana que se coloca em grande parte do lado do presidente, enquanto os membros da esquerda rangem os dentes com aquele que parece ser uma ameaça ao planeta.

A reportagem é de David Gibson, publicada por Religion News Service, 09-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Mas o movimento polêmico do começo deste mês foi também um outro indicador do contraste acentuado entre cristãos conservadores e o restante do cenário religioso dos EUA, onde em geral os protestantes evangélicos predominantemente brancos saudaram a decisão do presidente, enquanto que católicos, protestantes históricos e líderes de outros credos a criticaram.

“A mudança climática é real. Deixar de proteger a terra não é só um erro de liderança. É um erro moral”, escreveu o Cardeal Blase Cupich, de Chicago, em tuítes críticos replicados por lideranças católicas desde Washington até o Vaticano, onde o Papa Francisco fez da proteção ambiental uma prioridade.

Por outro lado, no entanto, cristãos conservadores como o comentarista popular – e estudante de teologia – Erick Erickson não acharam nada disso.

“Eu adoro a Jesus, não a Mãe Terra”, tuitou Erickson. “Ele nos convida a sermos bons administradores do planeta, mas isso não significa que tenho de cuidar do aquecimento global”.

Discursando em um encontro na prefeitura de Coldwater, no Michigan, o deputado republicano Tim Walberg, evangélico, disse algo parecido: “Como cristão, acredito que existe um criador, Deus, que é muito maior que nós. E estou confiante que, se houver algum problema real, ele pode resolver”.

No entanto, a questão sobre por que só evangélicos brancos são os que apoiam essa ideia permanece sendo um assunto de intenso debate.

A explicação mais simples, e comum, é que os cristãos conservadores põem as suas preferências políticas em primeiro lugar, como a maioria das pessoas fazem; na verdade, pesquisas mostram que os evangélicos brancos continuam sendo apoiadores irrestritos de Trump e das políticas econômicas do Partido Republicano, e esse padrão parece se manter também nesta questão ambiental.

“As reportagens de que [Trump] saiu do Acordo de Paris é uma boa notícia”, tuitou Ralph Reed, representante da direita religiosa e presidente da organização Faith and Freedom Coalition. “Estragar a economia americana, esmagar empregos, ceder para a China e Índia. Má ideia”.

Mas vários outros fatores complicam essa resposta direta, baseada em aspectos políticos somente.

Por exemplo: uma nova pesquisa indica que, na questão ambiental, a teologia cristã conservadora pode ser a força motriz por trás das opiniões acentuadamente divergentes dos evangélicos.

É esse o resultado de um novo estudo feito pelos sociólogos Philip Schwadel e Erik Johnson, publicado na edição de abril da Journal for the Scientific Study of Religion. O estudo usa dados transversais repetidos de quase três décadas para mostrar que as opiniões dos evangélicos conservadores em políticas ambientais são formadas pela teologia, mais do que por ideologia.

“Mesmo no século XXI, quando a política parece ser de extrema importância, diferenças no apoio a gastos no setor ambiental entre grupos religiosos diferentes nada têm a ver com perspectivas políticas”, disse Schwadel. “Visões teológicas parecem ser o maior fator na explicação das diferenças entre evangélicos e outros americanos”.

Em entrevista ao Religion News Service, Schwadel explicou que, no tocante a questões ambientais, a afiliação partidária desempenhava uma função tão grande em influenciar as opiniões dos americanos em geral quanto influíam as suas crenças religiosas, e estes dois fatores superavam as demais variáveis, como formação, sexo, renda, raça e geografia.

Mas ao se comparar os evangélicos com outros grupos religiosos, viram-se indícios de que as opiniões religiosas eram muito mais importantes para os evangélicos do que para outros cristãos.

O principal marcador teológico da crença deles, explicou o estudioso, é que os evangélicos tendem a ter uma visão literal da Bíblia – eles acreditam que no Gênesis “a terra lhes foi dada para servir à vontade humana” e que a profecia do final do Novo Testamento, de que Jesus irá voltar em glória para regatar seus seguidores, em breve se cumprirá.

Basicamente, se crer que Deus criou o mundo em seis dias e que este irá acabar num piscar de olhos, então você poderá estar mais propenso a um pensamento de curto prazo no que diz respeito ao meio ambiente.

Ao mesmo tempo, outros pesquisadores apontam que há mais aspectos a se considerar nessa análise.

Professora de história na Universidade da Carolina do Norte e autora de “Apostles of Reason: The Crisis of Authority in American Evangelicalism”, Molly Worthen concorda que é importante ir além desta “tendência entre formadores de opinião e cientistas políticos de simplesmente interpretar a teologia como um verniz piedoso sobre as opiniões políticas”.

Worthen diz que mesmo os que leem de forma literal as escrituras possuem um contexto cultural para as opiniões que têm da Bíblia, e no caso dos evangélicos conservadores este contexto foi fortemente afetado pela suspeita profunda e antiga deles para com a ciência e os especialistas, que seriam pessoas que promovem uma agenda antirreligiosa.

Esta atitude ganhou força no século XIX com a ascensão de abordagens científicas à interpretação bíblica e com a reação contra a teoria da evolução de Darwin.

Na esteira do ridículo dirigido aos fundamentalistas depois do famoso julgamento de Scopes, em 1925 no Tennessee – em que um professor foi considerado culpado por ensinar a teoria da evolução –, o ressentimento cristão conservador para com as elites poderosas e os intelectuais cresceu de forma ainda mais intensa.

Segundo Worthen, os evangélicos foram treinados para “ver a Bíblia como um livro de códigos que, se propriamente interpretado, pode revelar o significado verdadeiro dos eventos atuais, não importando o que lhes digam os cientistas e as elites políticas”.

Em termos contemporâneos, esse pensamento engendrou uma inclinação a teorias conspiratórias e a um apetite por notícias falsas, além de encorajar muitos fiéis a verem os especialistas – como os cientistas climáticos, que sustentam um consenso amplo e profundo quanto ao aquecimento global e ao papel da humanidade nele – ou “como ingênuos ou como servos da causa do diabo”, disse ela.

Os cristãos conservadores desenvolveram também uma rede de instituições para prover teorias alternativas que parecem rebater os especialistas “seculares” usando as suas próprias ferramentas de ciência e razão contra eles. Desse modo, aquilo que certa vez foi teologia se transformou numa cultura autofirmadora dedicada a fornecer uma resposta alternativa a quaisquer “fatos” que o mundo venha a produzir.

Não está claro se os efeitos das mudanças climáticas nos próximos anos mudarão a mentalidade evangélica; pesquisas mostram que o restante do país está cada vez mais preocupado, e 6 em cada 10 discordam da decisão de Trump de retirar os EUA do Acordo de Paris.

Por enquanto, os cristãos conservadores como Erickson parecem estar se fortalecendo em sua cosmovisão bíblica.

“A verdade é que todos iremos morrer. Mas isso não vai acontecer por causa do aquecimento global”, escreveu Erickson em uma resposta épica que atirou o Livro do Apocalipse na cara dos progressistas e cientistas. “Eu li o final deste livro. Haverá fome. Haverá secas. Haverá inundações. E haverá guerra. E então haverá um último dia em que estaremos diante do nosso Criador e em que seremos julgados”.

“Preocupar-se com o aquecimento global e com a justiça social não nos levará para além dos portões perolados”, continou Erickson. “Salvar almas, isto sim [nos salvará]. Mas é difícil salvar almas quando não se acredita no Deus da criação porque se está ocupado demais em adorar a criação”.

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