25 Mai 2017
“A presidência do Brasil parece um daqueles touros mecânicos sobre os quais poucos se equilibram, e o que varia é a maneira de cada um ser derrubado, com mais ou com menos elegância. Nenhum presidente deposto caiu mais dramaticamente do que o Getúlio. Jânio caiu ridiculamente, Jango pateticamente, Tancredo surpreendentemente. Os generais encontraram uma maneira prática de evitar a queda e o vexame: desligaram o touro e o mantiveram desligado por 20 anos. Collor caiu sem perder a linha. Dilma idem, com a desculpa adicional de ser a primeira mulher a montar no touro”, escreve Luís Fernando Verissimo, escritor, em crônica publicada por Zero Hora, 25-05-2017.
Eis o texto.
Um dos delatores da JBS comentou no seu depoimento que o presidente Temer não foi elegante ao pedir 1 milhão para ele, dos milhões que cruzavam à sua frente. Segundo o delator, só o Kassab fez o mesmo. Notava-se uma certa decepção na voz do delator ao contar que Temer reivindicara uma beirada do propinato em trânsito para o seu bolso. De um Kassab não se esperava outra coisa. Mas de um presidente da República? O corruptor lamentava o ocorrido. Uma certa etiqueta fora rompida. Uma certa presunção de elegância – presente até entre bandidos – fora frustrada.
A presidência do Brasil parece um daqueles touros mecânicos sobre os quais poucos se equilibram, e o que varia é a maneira de cada um ser derrubado, com mais ou com menos elegância. Nenhum presidente deposto caiu mais dramaticamente do que o Getúlio. Jânio caiu ridiculamente, Jango pateticamente, Tancredo surpreendentemente. Os generais encontraram uma maneira prática de evitar a queda e o vexame: desligaram o touro e o mantiveram desligado por 20 anos. Collor caiu sem perder a linha. Dilma idem, com a desculpa adicional de ser a primeira mulher a montar no touro.
Como o Temer cairá do touro, se cair, ninguém sabe. Pouco se falou do milhão por fora que ele pediu para o delator da JBS, talvez porque, em comparação com os bilhões que enchem os ares, 1 milhão pareça mais uma gorjeta do que uma propina. E há a possibilidade de o corruptor ter mentido. Seja como for, o que Temer precisa antes de mais nada é recuperar a pose. O conselho vale para todo mundo: elegância, gente.
Nunca é demais lembrar que as consequências de corrupção revelada, no Brasil, nunca são muito radicais. Ninguém fica arruinado para sempre, nenhuma carreira política se interrompe, o tempo reconstrói qualquer reputação abalada. Corruptos se desculpam, corruptores confessos deixam para trás uma República deflagrada e voam para Nova York, e tudo bem. Se fosse no Japão, já teriam acontecido no mínimo 17 haraquiris.
Leia mais
- O Brasil patrimonialista, o esgotamento e a desorientação das forças políticas. Entrevista especial com Diego Viana
- Perdeu o dia de caos em Brasília? Entenda o novo episódio da crise
- Protesto convulsiona Brasília e Temer é criticado por convocar Forças Armadas
- O que significa a convocação das Forças Armadas em Brasília - e por que isso é polêmico
- Não há condições éticas de Temer seguir no cargo, diz secretário-geral da CNBB
- Rodrigo Maia ganha força em eventual sucessão de Temer. Veja outros nomes
- Escalada da crise: primeiro teste de Temer no Congresso acaba em confusão
- Análise de conjuntura da crise política após os dois pronunciamentos de Michel Temer
- Delação da JBS confirma que corrupção não é privilégio de um único partido ou governo, diz cientista político
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Elegância - Instituto Humanitas Unisinos - IHU