A ardente preocupação de Pio XI. A condenação do racismo pelo Vaticano

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07 Março 2017

Nos países ocupados pelos alemães, durante a Segunda Guerra Mundial, corriam risco de serem condenados à morte aqueles que fossem encontrados na posse de uma cópia da Mit brennender Sorge (“Com ardente preocupação”), o documento vaticano de condenação do racismo. A encíclica de Pio XI, lida surpreendentemente no dia 21 de março de 1937, Domingo de Ramos, em todos os púlpitos da Alemanha, era dirigida contra os princípios e as práticas do neopaganismo nazista.

A reportagem é de Angelo Paoluzi, publicada no jornal Avvenire, 04-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Há 80 anos, o papa, em nome da Igreja universal, expressou em relação ao regime hitleriano a primeira e única condenação oficial do então mundo civilizado. Não se conhecem outras, enquanto são conhecidas as reticências diplomáticas (que desaguaram no vergonhoso Acordo de Munique) das contemporâneas e temerosas democracias e as cumplicidades entre as ditaduras de direita e de esquerda (o pacto russo-alemão seria concluído logo em seguida).

O título era inequívoco: “Sobre a situação da Igreja Católica na Alemanha”, e fustigava vigorosamente as violações da dignidade humana e as violações incessantes por parte do regime à Concordata assinada em 1933, definindo a perseguição religiosa como uma “guerra de extermínio”.

Exortava-se os fiéis alemães a recusarem, apesar das pressões exercidas sobre eles, o culto “do solo e do sangue”, e os princípios neopagãos, mantendo puros os princípios da sua fé em Cristo e na Igreja, e rejeitando a alienação e a perversão do sentido das palavras e dos conceitos sagrados e a subversão da ordem moral. Quem transformasse em norma de todo valor a exaltação do povo e da raça ou a deificação do Estado “trai – escrevia Pio XI – e falsifica a ordem das coisas desejada por Deus”.

Tudo tinha sido feito rapidamente. Há anos, os bispos alemães protestavam, sem que lhes fosse respondido, contra as violações dos compromissos assumidos pelo governo do Reich com a Santa Sé: associações católicas dissolvidas, seus membros perseguidos (o presidente da Ação Católica, Erich Klausener, tinha sido assassinado na sangrenta “Noite das facas longas”), escolas confessionais fechadas, membros do clero processados por supostos crimes financeiros e sexuais, com ampla publicidade para comprometer a sua imagem.

Em janeiro de 1937, uma delegação de cardeais alemães tinha ido a Roma para solicitar a ajuda de Pio XI. No documento, concordado também com o secretário de Estado, Eugenio Pacelli (especialista em problemas da Alemanha, onde havia sido núncio), a pedido dos prelados, não figuraram as palavras “nacional-socialismo” e “Hitler”, para evitar mais atritos: mas o contexto não se prestava a equívocos.

No início de março, de Roma, partiu para a nunciatura em Berlim o texto da encíclica, redigida (em uma notável exceção) diretamente em alemão. As várias dioceses secretamente fizeram com que fossem impressas mais de 300 mil cópias em tipografias de confiança. E, no Domingo de Ramos, fez-se a leitura dela nas igrejas, suscitando uma repercussão mundial e a ira de Hitler e dos seus, que se consideraram ridicularizados: foram fechadas 12 tipografias, inúmeros sacerdotes foram presos e foram retomados os processos públicos contra os religiosos. Os protestos do embaixador alemão junto à Santa Sé, Diego von Bergen, foram rejeitados.

A Rádio Vaticano difundiu a encíclica em muitas línguas (é pouco conhecido que, na Itália, ela foi publicada em 1937 por uma editora católica) e, em polêmica com o chefe de propaganda do regime, Josef Goebbels, que havia zombado de uma demonstração de solidariedade entre católicos e protestantes na fé em Cristo, a emissora comentou: “O ilustre ministro pode continuar rindo, se quiser, sem se dar conta de que a sua hilaridade levará à constituição de uma frente única de todos os cristãos que se unirão para se defenderem do paganismo nazista”.

Uma frente única que, infelizmente, seria expressada pela comunhão no martírio e nos campos de concentração, testemunho daquela fé a que a Mit brennender Sorge chamava os fiéis, homens e mulheres, da Alemanha cristã.

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