Encontro Ibero-americano de Teologia. “Um dos objetivos do encontro é apoiar o processo de mudanças do Papa”

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25 Janeiro 2017

Organizador do Primeiro Encontro Ibero-americano de Teologia (com mais de 40 teólogos de fala hispânica) no Boston College, Rafael Luciani reconhece abertamente que seu objetivo é “apoiar o processo de mudanças do Papa” a partir das chaves da “globalização, da exclusão e da interculturalidade”. Um processo no qual Francisco está se concentrando com “resistências” na hierarquia e, previsivelmente, chegará ao confronto com Donald Trump.

A entrevista é de José Manuel Vidal e publicada por Religión Digital, 23-01-2017. A tradução é de André Langer.

Eis a entrevista.

Como surgiu a ideia de montar este Primeiro Encontro Ibero-americano de Teologia?

Conversando com vários amigos e teólogos, entre eles Carlos María Galli, Juan Carlos Scannone SJ e Félix Palazzi, concordamos na necessidade de parar para analisar o momento presente e procurar discernir, como comunidade teológica latino-americana, por onde Deus passa hoje em nossa história e como estamos respondendo aos desafios do presente.

Quisemos inserir este momento de reflexão como parte da contribuição teológica e pastoral de teólogos e pastoralistas ao atual pontificado. Isto nos levou à ideia de realizar um primeiro encontro que permitisse reunir-nos e pensar esta época global à luz das mudanças que o Papa Francisco iniciou e que são parte desse espírito do Concílio Vaticano II que às vezes esquecemos. O que sonhamos há quase dois anos, hoje torna-se realidade e esperamos que seja uma contribuição para continuar impulsionando as mudanças de mentalidade e estruturas eclesiais que se necessitam hoje.

Que objetivos persegue?

Este encontro internacional será o momento oportuno para repensar o papel de uma teologia ibero-americana, que busque o diálogo intercultural e possa responder aos novos sinais dos tempos da nossa época global, como são a exclusão e a pobreza, às quais seguem submetidas as maiorias deste mundo. Para isso, neste primeiro encontro abrimos a reflexão para a contribuição feita pela produção teológica em espanhol em nossa querida Ibero-América.

Por que em Boston e na Faculdade de Teologia do Boston College dos jesuítas?

Os jesuítas foram um fator importante na conversão da Igreja para o mundo dos pobres. Não devemos esquecer que o Pe. Arrupe situou esta opção no marco concreto das relações entre fé e justiça. Isto caracterizará as obras da Companhia em nível global, especialmente na chamada terceira época que se abriu depois do Concílio Vaticano II. O Boston College é uma universidade jesuíta que está consciente de sua missão e identidade inaciana, de construir pontes e forjar vínculos com outras realidades, e mais ainda nesta época de tanta incerteza sobre o futuro e o bem-estar de uma grande maioria da humanidade.

Por isso, a universidade aceitou hospedar este diálogo teológico internacional, que já não se limita à comunidade teológica latino-americana, mas se circunscreve no contexto mais amplo da Ibero-América. De modo que incluímos teólogos espanhóis e latinos dos Estados Unidos que atualmente têm o grande desafio de viver em meio a sociedades fraturadas e carentes de esperança. Basta pensar nos imigrantes que hoje veem seu futuro ameaçado nos Estados Unidos.

Uma das linhas de ação e formação mais importantes do Boston College é a fé e a justiça, e a condição pluricultural que caracteriza a sua Escola de Teologia e Ministérios é um símbolo dessa necessidade de nos encontrarmos, de fazer um diálogo teológico maior, em conjunto, entre culturas e que responda aos tempos de Francisco.

Que figuras teológicas e eclesiásticas vão participar do Encontro?

Seremos mais de 40 teólogos da América Latina, Espanha e Estados Unidos, entre os quais contamos com a presença de Gustavo Gutiérrez OP, fundador da Teologia da Libertação, e Juan Carlos Scannone SJ, fundador da Filosofia da Libertação. Convidamos pessoas que possam contribuir com suas pesquisas teológicas e experiências pastorais locais em função de nos ajudar a discernir o momento que vive a Igreja e a sociedade na Ibero-América. A lista com todos os teólogos pode ser encontrada junto com o programa em PDF que está disponível on-line. Outros teólogos, como Pedro Trigo SJ, Víctor Codina SJ e José Ignacio González Faus SJ, também enviaram sua contribuição. Poderemos ver os vídeos das conferências alguns dias depois do encontro no portal da Escola de Teologia e Ministérios do Boston College.

Entre as figuras eclesiásticas que participarão está dom Raúl Biord Castillo, que se dedicou a estudar a condição missionária da Igreja, e o cardeal venezuelano Baltazar Porras Cardozo, membro da Pontifícia Comissão para a América Latina e muito próximo ao Papa. Todos conhecemos sua experiência na Igreja Latino-americana através do CELAM e outras instâncias locais e regionais, na sua qualidade de historiador e pastoralista. Também nos visitará o cardeal Sean O’Malley, colaborador de Francisco no atual processo de reformas, e o arcebispo  de Boston, que manifestou todo o seu apoio ao evento e dará, junto com o cardeal Porras, suas palavras de carinho e apoio.

Pode ser o primeiro de uma série de encontros a se realizar em diversas partes da América?

Essa é a intenção. A equipe organizadora quer colocar em marcha um processo que permita gerar outros encontros locais, regionais e continentais, e que abram passagem para novas gerações de teólogos. Esta é umas das metas que buscamos. Mas, também existe o espírito de colaboração entre universidades, especialmente jesuítas, que queremos fomentar, para que possam surgir outros projetos e espaços de colaboração com o processo iniciado pelo Papa Francisco. Este espírito de colaboração inter-universitária é algo que o Pe. Geral da Companhia, Arturo Sosa SJ, quer fomentar.

De fato, a Escola de Teologia e Ministérios do Boston College já começou com a criação de um programa de formação contínua em teologia em parceria com outras universidades jesuítas como a Alberto Hurtado no Chile e Comillas na Espanha, e o CELAM. O primeiro curso sobre os aspectos sociais e políticos do pontificado de Francisco contou com milhares de inscrições de toda a Ibero-América e decidimos deixar um link aberto para que outros possam acessar os vídeos e as aulas de forma aberta.

Depois da Teologia da Libertação e da Teologia do Povo, qual pode ser a contribuição latino-americana à teologia no momento atual?

Os três grandes temas que definem este encontro – globalização, exclusão e interculturalidade – falam dos grandes desafios que queremos encarar como comunidade teológica. A teologia latino-americana tem o valor histórico de ter dado voz aos pobres e lutado por seu reconhecimento em todos os níveis. Algo meritório que hoje foi assumido pela Igreja universal e que tem sua origem na realização da segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano realizado em Medellín em 1968. É essa Igreja pobre e para os pobres que Francisco nos propõe como meta.

Hoje se apresenta o desafio de como ser sujeito, pois não basta ter algo para comer, se fico sem possibilidades de ter possibilidades. Esta é a maior pobreza. Por isso, devemos conectar novamente a teologia com a pastoral, a academia com a realidade das pessoas. Isto é algo que a teologia nos Estados Unidos e na Europa deve sempre recordar. Não há teologia sem práxis. Portanto, o caráter profético da teologia latino-americana é hoje mais do que necessário, em meio a tantas realidades eclesiais e sociais que vivem em bolhas superficiais ou falsos academicismos, sem contato pessoal e cotidiano com os pobres e excluídos de cada sociedade. Não devemos esquecer que a teologia não é feita apenas por acadêmicos que ficam reclusos em seus escritórios; é feita sobretudo por crentes que apostam com o seu próprio exemplo em transformar o mundo e fazê-lo mais humano.

Há substituição teológica para as grandes figuras latino-americanas, como Gutiérrez, Boff, Sobrino, etc.?

Neste encontro contamos com a presença de diversas gerações de teólogos latino-americanos, desde seus fundadores até outros muito recentes, que trabalharão sentados uns ao lado dos outros como irmãos e como colegas. Todos com a intenção de buscar dar continuidade ao que se começou com as mudanças trazidas pelo Concílio Vaticano II. Esperamos que este encontro sirva de plataforma para novas vozes, e que aqueles que ficaram em suas regiões e localidades eclesiais possam ser conhecidos em outros lugares e produzir futuros intercâmbios.

O Papa Francisco, com seu magistério, está relançando em Roma esta nova teologia latino-americana?

Não se trata de uma nova teologia, mas de um modo de fazer teologia em diálogo com as culturas e os povos, e no respeito pelas diferenças e identidades. Nós nos acostumamos a cada um trabalhar nas suas coisas e em seu país, e às vezes não sabemos o que estão fazendo em outros países. Ou também temos como normal o esquema dos Congressos de Teologia onde alguns vão dar conferências e a maioria só escuta. Neste caso estamos fazendo um encontro de trabalho em conjunto.

A teologia tem que entrar na dinâmica do diálogo intercultural atual, do intercâmbio acadêmico e da inserção pastoral. Isto é algo que Francisco impulsiona e move, e que deve inspirar qualquer teólogo. Do contrário, caímos na grande tentação de ser teólogos corporativos, sentados em nossos escritórios, falando de grandes temas, mas sem conexão alguma real com as pessoas e seus problemas. Sim, acreditamos que o Papa se move dentro de uma clara opção teológico-pastoral. Eu escrevi muito sobre isso. Este encontro tem como uma de suas finalidades dar clareza e apoiar o processo de mudanças do Papa.

É previsível que Trump vá entrar em conflito com Francisco, o único líder global com suficiente autoridade moral para lhe fazer frente?

Sim, de fato já aconteceu em relação à fronteira entre o México e os Estados Unidos, quando o Papa visitou os Estados Unidos. Aí anunciou o drama migratório que se vive e que leva à morte tantos jovens que buscam um futuro melhor. É que são duas lógicas muito diferentes, duas visões de ser humano e de mundo. Uma, que promove barreiras e muros, separação e um uso instrumental das pessoas. E outra, que está ajudando a entender que não podemos fazer as coisas sozinhos, que necessitamos construir pontes, dialogar, curar as feridas; do contrário, caminharemos rumo à nossa própria morte como sociedade. Haverá muitos confrontos com o Papa nos temas da ecologia, migração e respeito aos direitos civis, mas não será possível deslegitimar a estatura moral do Papa Francisco.

Você é, como venezuelano e professor de Teologia em uma universidade americana, um sinal de que os hispânicos estão abrindo caminho nos Estados Unidos?

Sou um teólogo latino-americano que sempre trabalhou em universidades confiadas à Companhia de Jesus. Na Venezuela, fundei o programa de estudos de teologia para leigos e o coordenei durante muitos anos, e também fui diretor de Teologia na Faculdade. Minha atual presença no Boston College se deve a uma aposta dos jesuítas para se abrirem à realidade dos hispânicos, nos campos teológico e pastoral, assim como para se vincularem mais com os projetos da Companhia de Jesus na América Latina e Espanha.

Mas minha experiência pastoral nos Estados Unidos (embora muito recente, porque estou pouco tempo aqui, e me divido entre Caracas e Boston), me mostrou o grau de dificuldade e, muitas vezes, de exclusão que os hispânicos sofrem nas paróquias quando não são entendidos em sua identidade cultural própria, nem se lhes abre espaço para que possam compartilhar os problemas que vivem a partir da fé e da solidariedade eclesial.

O papel dos hispânicos, com sua religiosidade e sua teologia, está suficientemente reconhecido e valorizado pela Igreja dos Estados Unidos?

Ainda não está. Sabe-se teoricamente do desafio que eles representam para a Igreja nos Estados Unidos, porque dentro de poucos anos serão a maioria dos católicos, mas na prática, ainda não estão preparados para enfrentar massivamente esta realidade. Especialmente a formação nos seminários não leva em conta esta realidade dos imigrantes hispânicos, como foi feito em seu devido momento com outros imigrantes que vieram para os Estados Unidos, como os irlandeses e os italianos, entre outros.

Há iniciativas muito importantes lideradas pelo Boston College. Entre elas, os estudos do professor Hosffman Ospino sobre o impacto da realidade hispânica na Igreja dos Estados Unidos, e da professora Rocío Calvo que fez o primeiro programa de formação de líderes sociais latinos nos Estados Unidos. Mas, na prática teológica e pastoral ainda falta muito. Costuma-se rotular tudo o que vem da América Latina do mesmo modo e isso faz com que não se aprecie o valor de cada uma das culturas latino-americanas e o modo como pastoralmente podemos atendê-las e teologicamente pensá-las a partir das suas diferenças e particularidades.

O cardeal de Boston, O’Malley, é visto como amigo e partidário das reformas de Francisco. Pode-se dizer o mesmo da maioria da hierarquia estadunidense?

O cardeal O’Malley foi um dos aliados mais importantes no processo de reformas liderado pelo Papa e é uma das vozes mais confiáveis nos Estados Unidos por sua exemplar simplicidade de vida e sua clareza frente aos problemas que a Igreja norte-americana tem. Todos conhecem as diferentes atitudes que existem em torno de Francisco, especialmente entre membros da estrutura eclesial. Por exemplo, na Europa segue havendo uma resistência na ordem das ideias, nos Estados Unidos um confronto público e aberto e na América Latina ainda há indiferença em relação às mudanças.

Mas acredito que eventos como estes que estamos realizando exatamente nos Estados Unidos poderão colaborar para entabular um diálogo sincero com a hierarquia com base em argumentos claros e sólidos, para que se possa conseguir uma melhor compreensão do que está acontecendo na Igreja. Porque, no final das contas, trata-se de retornar à práxis de Jesus, a um cristianismo com sabor de Evangelho e vontade misericordiosa, que seja adulto para discernir e tomar uma postura diante dos grandes dramas de nossos países.

Enfim, o Papa quer recuperar o espírito do Concílio Vaticano II que às vezes esquecemos. Uma Igreja que é chamada a ser Povo de Deus no meio dos povos desta terra, mas a partir dos sofrimentos e dramas de sua gente, para dar esperança e devolver a vontade de viver.

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