Duplo fogo amigo contra o “Papa emérito”

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31 Agosto 2016

Primeiro o cardeal Brandmüller, depois o bispo de Sciacca. Um é um ilustre historiador, o outro é um especialista em Direito Canônico. Ambos são do círculo mais próximo a Ratzinger. Mas ambos são muito contrários a que se siga chamando-o de Papa.

A reportagem é de Sandro Magister e publicada por Chiesa.it, 29-08-2016. A tradução é de André Langer.

Em seu retiro na colina do Vaticano, Joseph Ratzinger não está em silêncio. Nem pela pluma, nem pela palavra.

Enquanto se espera a publicação, para o início do outono, do seu anunciado livro-entrevista com Peter Seewald, estará nas livrarias a partir desta semana uma nova e monumental biografia sua. Escrita pelo teólogo e amigo Elio Guerriero, conta com um prefácio do Papa Francisco e traz, ao final, uma entrevista do autor com o ex-Papa, já publicada com antecedência no dia 24 de agosto pelo jornal La Repubblica.

Na entrevista, uma vez mais Ratzinger explica que sua renúncia ao papado teve como único motivo a diminuição de suas forças, contradizendo com isto o seu sucessor Francisco que, em uma entrevista publicada em 3 de julho passado pelo jornal argentino La Nación, afirmou que a renúncia de Bento XVI “não teve nada a ver com algo pessoal”.

Mas há um ponto, entre outros, no qual os dois últimos sucessores de Pedro estão de acordo. Ambos dão crédito ao conceito de “Papa emérito”, conceito que não tem precedentes nem históricos, nem teológicos, nem jurídicos.

A este respeito, Francisco escreve no prefácio ao livro, publicado antecipadamente no dia 24 de agosto pelo jornal Avvenire.

“Para a Igreja, a presença de um Papa emérito, além daquele que está no cargo, é uma novidade. [...] Em certo sentido, exprime de maneira particularmente evidente a continuidade do ministério petrino, sem interrupção, como os elos de uma mesma cadeia soldada pelo amor”.

Tem mais. Sabe-se que o prefeito da Casa Pontifícia, Georg Gänswein – que como secretário pessoal de Ratzinger antes, durante e depois do seu Pontificado é, seguramente, a pessoa mais próxima a ele – foi muito além ao delinear esta presença contemporânea dos dois Papas, segundo suas palavras quase “um ministério ampliado”, “em comum”, com “uma dimensão colegial e sinodal”.

Mas, não se sabe até que ponto Ratzinger concorda com as audaciosas teses defendidas em público pelo seu secretário. O que é cada vez mais certo, pelo contrário, é que personalidades que contadas como das mais competentes e autorizadas do círculo mais próximo ao ex-Papa são muito contrárias a essas opiniões.

Um deles é o cardeal Walter Brandmüller, eminente historiador da Igreja, que em julho passado manifestou-se em termos claramente críticos não apenas contra a figura do “Papa emérito”, mas também contra o valor da própria renúncia de Ratzinger.

Outro é o bispo Giuseppe Sciacca, especialista em Direito Canônico e secretário do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, que em uma entrevista concedida a Andrea Tornielli para o Vatican Insider, 15 de agosto, demoliu a fundamentação jurídica e teológica da categoria “Papa emérito” aplicada a quem renunciou ao papado.

Sciacca está vinculado a Ratzinger por uma antiga e sólida amizade, que continua viva mesmo após a sua renúncia. Esta amizade convalida ainda mais a força de sua crítica contra a categoria “Papa emérito”, que Ratzinger foi o primeiro a querer atribuir a si mesmo.

No corpo da entrevista, Sciacca demole a tese de quem defende que, ao renunciar, Bento XVI renunciou apenas ao exercício ativo do “ministério” papal, mas conservou o “múnus”.

Mas, é ao final da entrevista – reproduzida abaixo – que as críticas do canonista se dirigem contra a figura do “Papa emérito”, da qual não salva praticamente nada. E Sciacca emite também suas reservas sobre a renúncia em geral do papado.

Será interessante ver se podemos encontrar, em futuras declarações verbais ou escritas do ex-Papa Ratzinger, algum indício a propósito do que ele pensa sobre esta dupla rajada de fogo amigo disparada justamente contra ele pelos insuspeitos Sciacca e Brandmüller.

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Papa emérito? Uma aberração

Da entrevista de Giuseppe Sciacca publicada pelo Vatican Insider, 15 de agosto de 2016.

Eis a entrevista.

O que você pensa da denominação de “Papa emérito”?

A expressão “Papa emérito” ou “Pontífice emérito” parece configurar uma espécie de potestade pontifícia distinta de um outro tipo de exercício seu. Um exercício não identificado, nunca definido em qualquer documento doutrinal e de compreensão impossível, que teria sido objeto de renúncia. Argumentando desse modo, parte da potestade pontifícia permaneceria ao emérito, mesmo que, diz-se, interdita no exercício. Mas a interdição do exercício daquilo que, por sua natureza, é essencialmente livre no exercício (potestas) é um absurdo. Por isso, parece ser evidente a irracionalidade dessa tese e os possíveis erros interpretativos que dela derivam.

Você teria preferido o título de "Bispo emérito de Roma" para o Papa que renuncia?

Não. Eu considero que essa solução seria igualmente problemática, embora alguns renomados canonistas a tenham defendido: Papa, Pontífice ou Bispo de Roma, de fato, são substancialmente sinônimos. O problema não é o substantivo "Papa" ou "Bispo de Roma", mas o adjetivo "emérito", que leva a uma espécie de duplicação da imagem do Papa.

Que hipóteses você teria preferido ou gostado de sugerir?

Em primeiro lugar, deixe-me começar dizendo que eu não estou entre aqueles que desejam que a renúncia ao papado se torne um costume. Pelo contrário! Como pura hipótese de trabalho, se quiséssemos prefigurar para o Pontífice renunciante uma possível previsão legislativa para o futuro, a solução mais congruente me pareceria ser a da concessão do título de "ex-Sumo Pontífice". Ou a de prever a reinserção do Papa renunciante no Colégio Cardinalício, na ordem dos bispos, por parte do novo Papa. E, para enfatizar o “caráter único” do novo titular, na hipótese em que todas as sedes suburbicárias estivessem ocupadas, inseri-lo – ad personam – entre os patriarcas orientais que são membros do Colégio Cardinalício. “Salvo meliori iudicio”, como sempre costumamos dizer no final dos pareceres que nós, consultores, damos aos dicastérios.

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