Indígenas e quilombolas fazem ato contra mudanças nas regras de demarcação de territórios

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24 Agosto 2016

Representantes de comunidades indígenas e quilombolas de Porto Alegre (Cantagalo e Lami), de Viamão (Estiva e Itapuã), Gentil (Campo do Meio), Barra do Ribeiro, Caçapava do Sul e Capivari se reuniram nesta terça-feira (23) na Praça da Matriz em um ato contra as mudanças nas regras de demarcação de terras. Inicialmente, o ato tinha sido convocado para acompanhar a votação, na Assembleia Legislativa, do PL 31, de autoria do deputado Elton Weber (PSB), que veta a desapropriação de propriedades de pequenos agricultores e pecuaristas familiares a fim de destiná-las a indígenas e quilombolas no Estado.

No entanto, como a sessão da Casa foi cancelada em razão do velório do ex-vereador Pedro Américo Leal, falecido ontem, eles acabaram se dirigindo ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde entregaram uma carta a magistrados contra a interpretação jurídica que considera como áreas demarcáveis apenas aquelas que estavam sob posse de indígenas e quilombolas antes da promulgação da Constituição de 1988.

A reportagem é de Luís Eduardo Gomes, publicada por Sul21, 23-08-2016.

Roberto Liebgott, coordenador do Conselho Indigenista Missionário – Cimi-Sul, esta interpretação judicial sobre o chamado “marco temporal”, no caso a promulgação da Constituição Federal de 1988, está em desacordo com o próprio texto da Carta. “É uma interpretação absolutamente equivocada, porque os direitos indígenas sobre as terras são originários e são imprescritíveis. Há um equivoco grande dos tribunais, que, na prática, acabam defendendo os interesses de quem deseja produzir nestas terras”, diz.

Segundo ele, a interpretação afeta praticamente todas as comunidades indígenas e quilombolas do Rio Grande do Sul e de outras partes do país. “Como as comunidades foram expulsas dos territórios, elas passam a reagir a partir de 88 praticamente, quando foi dado a elas a possibilidade de serem cidadãos de direito. As constituições anteriores consideravam os indígenas como pessoas não plenamente capazes, então tutelados pelo Estado e pela Funai. A partir de 88, os povos indígenas passam a ter autonomia e ser sujeitos de direitos, podendo agir inclusive em tribunais”, avalia.

Para Arlindo Wera, cacique da comunidade Guarani-Mbyá de Itapuã, essa interpretação representa um “desastre para os povos indígenas” e pode levar à perda de todos seus territórios. Segundo ele, antes de 1988, pouquíssimas comunidades indígenas tinham sido demarcadas. “A gente vem conquistando de lá para cá”.

A área em Itapuã em que estão localizados os Guarani-Mbyá, por exemplo, só foi reconhecida em 2000, após uma longa discussão com o Estado, que era o dono da terra. “O que está em jogo são nossas famílias, as crianças que estão na aldeia. A gente tem que garantir a sobrevivência desse povo”, diz.

PL 31

O PL 31 propõe que “as terras dos agricultores e empreendedores familiares detentores de propriedades de até quatro módulos fiscais e dos pecuaristas familiares detentores de propriedades de até 300 hectares, não serão objeto de demarcação para fins de formação de territórios indígenas e quilombolas”. Além disso, determina que, quando demarcações forem realizadas em áreas de agricultura e pecuária familiar, “deverão acontecer de forma descontínua de modo a preservar os limites e o direito de propriedade dos agricultores, empreendedores e pecuaristas”.

Autor do projeto, Elton Weber, que é ligado à Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag), defende que o projeto tem o anseio de contribuir para a resolução de conflitos agrários entre agricultores e indígenas.

Eli Fidelis, liderança da aldeia Van Qá, localizada no Lami, pondera que o PL 31 busca interromper o processo de demarcação de territórios, o que, segundo ele, não pode parar. “É aquela guerra pelo território que nos roubaram no passado e vem fazendo falta. Já faz falta, porque vivemos em canteiros de territórios”, avalia.

Fidelis ressalta que os indígenas não têm problemas com os pequenos agricultores, mas avalia que esse é um problema que o Estado tem que resolver. “Se tem que indenizar os agricultores, os fazendeiros, o governo que indenize”, defende.

Ele ainda afirma que o PL 31 e a interpretação do Judiciário estão dentro de um contexto que também inclui a PEC 215, em tramitação no governo federal, de retirada dos direitos das comunidades indígenas. Esta PEC busca modificar a Constituição para transferir o poder de demarcação de terras indígenas, quilombolas e de conservação do Poder Executivo para o Legislativo, onde predominam os interessas da bancada ruralistas.

“Já somos pouco respeitados dentro dos nossos direitos e ainda querem acabar com o pouco que nós temos. A nossa revolta está aí”, diz. “O que esses caras pensam, só em dinheiro? Nosso povo não luta pelo dinheiro, luta pelo nosso território. Não queremos nada mais do que aquilo que é nosso, complementa.

Liebgott considera que o projeto é inconstitucional, uma vez que é responsabilidade exclusiva da União legislar sobre a demarcação destas comunidades e que projetos semelhantes são de competência exclusiva do Congresso Nacional. Ele garante que, caso seja aprovada, será questionado na Justiça.

Por outro lado, pondera que, por trás do projeto, está o interesse político de estimular setores anti-indígenas a se manifestarem contra o processo de demarcação de terras. “É um projeto que visa, essencialmente, criar uma confusão política e transformar as demarcações em territórios indígenas e quilombolas em conflito com relação a outros ocupantes dessas áreas”.

Segundo ele, a maioria dos territórios indígenas e quilombolas estão em processo demarcatório e não tem processos concluídos, o que, caso a lei passasse a valer, poderia afetar praticamente todos eles. “Mas como ele é inconstitucional, ele só tem esse caráter de ser utilizado como instrumento político em oposição aos direitos indígenas”.

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