Em Curitiba, cresce a intolerância

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12 Agosto 2016

Na Praça Pedro Alexandre Brotto, no tranquilo bairro do Juvevê, em Curitiba, defronte à sede da Justiça Federal, dois contêineres cobertos de verde-amarelo e bandeiras do Brasil se transformaram numa espécie de centro operacional da República de Curitiba. Coordenado pelo movimento “Praça da Justiça”, diariamente voluntários se revezam para entregar panfletos, adesivos e camisetas.

A reportagem é de René Ruschel, publicada por CartaCapital, 12-08-2016.

Segundo estimativas, já foram distribuídos mais de 300 mil adesivos. Basta observar os milhares de carros e motos que circulam pelas ruas da capital paranaense. Nas árvores, faixas de apoio à Operação Lava Jato, ao juiz Sergio Moro e críticas ao ex-presidente Lula, à presidenta Dilma Rousseff e ao Partido dos Trabalhadores.

Ainda é possível ler cartazes colados nos troncos que parabenizam o magistrado pelo aniversário ocorrido no último 1º de agosto. Para felicidade do vendedor ambulante Vanderlei dos Santos, 64, o local se transformou em ponto turístico da cidade. As camisetas com estampas da república curitibana penduradas num improvisado varal e vendidas a 40 reais saem às pencas. Nos próximos dias, Santos deve embarca para o Rio onde vai expor sua arte aos milhares de turistas que vêm à cidade para participar dos Jogos Olímpicos.

De acordo com a página do Facebook, “o acampamento” é totalmente apartidário. “Não fazemos parte de nenhum grupo político, porém todos os grupos com o mesmo direcionamento são sempre muito bem-vindos. Não recebemos dinheiro de nenhuma instituição e não pedimos doações em nenhuma rede social ou qualquer outro meio de comunicação.” Ainda segundo a nota, as contribuições “são de várias pessoas que estiveram no acampamento e quiseram ajudar. Na maioria das vezes não são em dinheiro, mas sim com alimentos, bebidas, algo para a nossa estrutura e demais artigos necessários para nossa rotina diária”.

Dentre as atribuições do grupo, uma é colaborar na organização de manifestações que saem às ruas para pedir o impeachment da presidenta Dilma. Sem esquecer as palavras de ordem em favor da Operação Lava Jato. “Durante muito tempo, a direita se manteve alheia e não impunha resistência à esquerda. Somos um foco contrário a política social do PT”, afirmou o porta-voz Adriano, por telefone, a CartaCapital. Ele se negou a dizer o sobrenome e a profissão. “Prefiro me manter no anonimato. Somos um grupo de resistência e não um projeto nominal”, justificou.

Na última ação do “grupo de resistência”, uma manifestação pelas ruas do centro de Curitiba, no domingo 31 de julho, a atriz Letícia Sabatella caminhava com amigos e familiares pela calçada da Praça Santos Andrade, local de concentração da passeata, quando foi agredida verbalmente por um grupo de raivosos manifestantes. Ela retornava do almoço para o apartamento que fica a menos de 100 metros do local. De repente, indefesa, viu-se cercada. Sua única reação foi gravar as cenas pelo celular e postar nas redes sociais.

O vídeo mostra o momento em que o grupo se aproxima para agredi-la, enquanto a Polícia Militar tenta isolá-la. “Sem vergonha. Acabou a mamata para vocês”, diz uma mulher. Ao fundo, um coro grita que “a nossa bandeira jamais será vermelha”. “Vocês não são democráticos”, responde Letícia, que a todo momento era chamada de petista. Um homem, enfurecido, toma a frente. “Sua puta...”, afirmou e repetiu várias vezes. Segundo informações nas redes sociais, trata-se de um empresário, filho de um ex-presidente do extinto Banco do Estado do Paraná.

Econômico nas palavras, Adriano justifica a atitude como uma reação natural da sociedade aos atos de corrupção expostos pela Operação Lava Jato. “A esta altura do campeonato, as pessoas estão exauridas.” Embora condene a atitude de seus pares, afirma que Sabatella também provocou os manifestantes e cita o fato de usar uma bolsa onde estava estampada o “rosto da Dilma”.

Para ele, essa situação não deve parar e acredita que possa vir a acontecer novamente. Alega que essa violência não pode ser creditada apenas à direita e cita a agressão sofrida por um casal do grupo de “intervencionistas”, que pedem a volta da ditadura militar. Segundo ele, o homem que tentou agredi-los com um uma chave de roda era “assessor de um deputado do PT de quem não lembro o nome”.

Fábio Ferreira, 36 anos, publicitário, não só apoia as manifestações de rua como se diz orgulhoso de um Poder Judiciário que cumpre com suas funções. “O que o juiz Sergio Moro tem feito é cumprir sua missão. Os demais deviam imitá-lo”, afirmou. Para ele, o vazamento de informações seletivas é apenas um meio que o magistrado encontrou para punir, “merecidamente, um governo corrupto que só distribuiu Bolsa Família e garantiu direitos sociais para se manter no poder”.

Sobre o caso Letícia Sabatella, Ferreira acha que a ação foi válida. “Ela apenas usa a fama para defender Dilma, Lula e a corja do PT.” Sua decepção agora é com o deputado federal Jair Bolsonaro, do PSC. “Ele era meu candidato a presidente da República, mas acho que anda dizendo muita bobagem.” 

Segundo a psicóloga Zenilda Machado, graduada pela Universidade Celso Lisboa, RJ, esse tipo de comportamento agressivo é característico naqueles que buscam a defesa de seus interesses pessoais e na expressão do pensamento, sentimento e opinião de maneira inapropriadas, transgredindo os direitos do outro.

“O objetivo habitual da agressão é dominar. A suposta vitória se dá por meio da humilhação e da degradação do outro. A mesma atitude ou gesto pode valer para mim, mas não para o outro. Depende das conveniências”.

No caso da República de Curitiba, o que se sabe é que, historicamente, a capital paranaense sempre foi considerada uma cidade conservadora. A socióloga e professora da Universidade Federal do Paraná, Ana Luísa Fayet Sallas, evoca a própria formação étnica da cidade, colonizada por alemães, poloneses, ucranianos, italianos, normalmente fugitivos de guerras ou de catástrofes econômicas.

Ana Luísa Sallas coordenou, em 1998, uma pesquisa da Unesco em parceria com a UFPR, cujo enfoque era o preconceito e a violência juvenil. “Um dos elementos que chamou nossa atenção à época foi o aparecimento, de maneira muito explícita, da ideia do preconceito social, racial, em que negros e pobres eram discriminados, além da questão sexual que hoje está em evidência.” Cita ainda a existência de um movimento neonazista muito forte na cidade. 

Sérgio Braga, cientista social e doutor pela Universidade de Campinas (Unicamp), faz questão de afirmar que a violência permeia os dois campos ideológicos, com um ativismo maior à direita. Para ele, esse clima de intolerância é fomentado por uma classe média despolitizada, influenciada por uma mídia comprometida em dar suporte ao governo interino.

Soma-se ao fato de que em Curitiba, por ser a sede da Operação Lava Jato, as notícias veiculam com mais intensidade e fazem parte do dia a dia da população. “Dessa profusão, resulta o que chamo de idiota convicto, o cidadão desinformado que passa a repetir o que ouve e lê.” 

Braga admite que em alguns casos a situação beira ao fascismo. E lembra que a esposa e a filha do deputado Eduardo Cunha, quando vieram depor à Justiça Federal, não passaram pelo constrangimento da exposição pública. “Por que a Justiça não age da mesma forma com todos?”

A Praça Pedro Alexandre Brotto promete fortes emoções. Na segunda 8, uma caravana de artistas da Globo será recebida pelo juiz Moro e talvez visite o local. Sucesso de público garantido. Fã-clubes e amantes das artes globais certamente vão lotar o espaço. Fazem parte da trupe os atores Marcos Palmeira, Victor Fasano, Suzana Vieira, Malu Mader, Luana Piovani e o cantor Fagner. Os mesmos que agrediram a atriz Letícia Sabatella e a acusaram de usar “a fama” para defender “petistas” apoiam a vinda dos globelezas, agora que os interesses lhes convêm.

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