Por que Henrique Meirelles é o favorito do mercado financeiro para o Brasil da crise

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02 Mai 2016

Se o mercado financeiro no Brasil fosse um ser humano era o caso de dizer que ele anda emotivo nos últimos dias. Como alguém que reencontrou uma antiga paixão e passa a nutrir esperanças de um novo velho casamento. Quem balança o cascudo coração dos homens do dinheiro atende pelo nome de Henrique Meirelles. O ex-presidente do Banco Central nos dois Governos de Lula (2003-2010) está altamente cotado para ser o ministro da Fazenda, caso o vice-presidente Michel Temer tenha de assumir a presidência se Dilma Rousseff for afastada. “O mercado financeiro é apaixonado pelo Meirelles, faz juras de amor eterno a ele”, brinca Luís Eduardo Assis, ex-diretor do BC.

A reportagem é de Carla JiménezHeloísa Mendonça, publicada por El País, 01-05-2016. 

Por ora, nem Temer nem Meirelles confirmam oficialmente o cortejo, muito embora dois encontros da dupla na semana passada tenham sido noticiados, o que fez a bolsa subir e o dólar cair na sequência.

Vindo de uma longa e premiada carreira no Brasil e no exterior pelo antigo BankBoston, Meirelles está atualmente à frente do banco Original, do grupo JBS. Entre esses dois empregos em bancos privados, houve a presidência do BC dos dois mandatos de Lula. Sua passagem pelo Governo é lembrada pela transparência na comunicação, um ciclo bem sucedido de redução de juros, a inflação domada a seus cuidados, e uma expansão contínua do PIB. Na época, era filiado ao PSDB e parecia ser alguém muito alinhado à ‘elite’ para estar num governo voltado ao trabalhador, que contava com forte resistência dos donos do dinheiro. As empresas levaram um tempo para descongelar seus projetos de investimento até ter certeza de que o ex-sindicalista não faria nenhuma loucura com a economia.

Meirelles foi chamado para ser o fiador de Lula junto ao mercado, o recado de que governaria cumprindo a cartilha econômica. Foi o chefe do BC que ajudou a quebrar as resistências dos investidores. Numa entrevista concedida ao final de 2006 à revista Isto É, ele afirmou o que seria a chave para o sucesso da sua gestão no primeiro Governo Lula. “Neste governo, a grande mudança é que ancoramos a expectativa de inflação. Hoje, o mercado tem a certeza de que o Banco Central vai cumprir a meta de inflação”.

Agora filiado ao PSD, o economista nascido em Anápolis (Goiás, no centro-oeste do país) há 70 anos vê-se novamente instado a cumprir o papel de fiador da economia em um momento delicado do Brasil, incluindo uma inflação que estourou a meta. Mas, com diferenças substanciais em relação à sua primeira passagem pelo poder público. Naquela época, Lula tinha o apoio popular de 50 milhões de brasileiros que o elegeram, embora os empresários desconfiassem dele. Agora, é exatamente o oposto. Meirelles pode entrar em um Governo com baixíssimo apoio popular – apenas 8% dos brasileiros se sentem representados por Temer – e alta expectativa de agentes financeiros. Não seria de se estranhar que a aceitação de Meirelles possa até superar a de Temer, pois tem mais credenciais que o atual vice.

Se confirmado ministro da Fazenda, precisará implementar medidas bastante indigestas para os brasileiros, como a redução de gastos em áreas sociais, trabalhar pela reforma da Previdência, que altera a idade da aposentadoria, e mirar aumento de impostos. Todas medidas que devem incendiar os movimentos sindicais e sociais que se sentirem atingidos, e Meirelles pode ver-se transformado em algoz do trabalhador do dia para a noite. “Ninguém tem grandes ilusões de que ele vai salvar o país no curto prazo, mas a questão inicial [para um eventual novo Governo] é oferecer confiança. E Meirelles tem esse capital”, observa Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura de Lula.

O eventual ministro da Fazenda sabe o peso da palavra “confiança” entre seus pares. Ao sair de um encontro com Temer no último dia 29, recorreu ao verbete em conversa com jornalistas para falar sobre o que o Brasil precisa atualmente. “É preciso confiança na solvência futura do Estado brasileiro [contas públicas em ordem] e são necessárias medidas que possam de fato, conjuntamente com a restauração da confiança, levar ao aumento dos investimentos, das contratações, das concessões de empréstimos, para que as empresas possam voltar a produzir e contratar”, disse.

No curto prazo, a ausência de esperanças de um futuro melhor – num momento em que o único consenso é que o Brasil vai enfrentar mais desemprego e recessão até o final de 2016 – favorece a chegada de Meirelles (e do próprio Temer, se confirmado na presidência), avaliam especialistas. Isso porque qualquer medida que ofereça uma luz no fim do túnel na atual escuridão em que se encontra o país vai ganhar destaque.

Luis Eduardo Assis acredita que muitas medidas amargas já foram tomadas por Dilma no ano passado e a situação fica mais confortável a partir de agora. “Bem ou mal, já houve os ajustes de preços da gasolina, de energia, e já houve alta de juros para controlar a inflação no ano passado, que começa a ceder”, afirma. Embora ainda supere a meta oficial, a inflação deve fechar este ano mais próximo da meta de 6,5% - o mercado espera um pouco acima dos 7%. Em 2015, a inflação foi de 10,67%.

Num potencial Governo Temer, Meirelles oferece ainda outro atributo valoroso, aos olhos dos agentes financeiros. “Finalmente vamos ter um ministro que vai conseguir ser ministro”, afirma Sérgio Valle, da MB Associados, numa clara ironia pelos anos Dilma. A presidenta, que também é economista, é acusada de interferir demais nas decisões da Fazenda. Isso ficou claro neste segundo mandato, quando bateu de frente com Joaquim Levy na hora de acertar os compromissos para a meta fiscal. Seu ex-ministro dizia uma coisa, e Dilma anunciava outra.

Um pecado imperdoável para o impiedoso mercado, que gosta das coisas muito bem explicadinhas, como diria o personagem de um antigo humorístico da TV brasileira. “Levy era um ministro isolado. Com Meirelles há a chance de termos um ‘triunvirato’ afinado”, completa Valle, referindo-se aos outros nomes que podem ocupar o Ministério do Planejamento e o próprio Banco Central.

Mansueto de Almeida, especialista em contas públicas, também enxerga em Meirelles a possibilidade de se tornar um forte capitão do time econômico. “Uma boa equipe econômica, onde todos falem a mesma língua, o que não acontecia com o PT ultimamente, já será benéfico e é fundamental”, afirma.

As expectativas tão altas à sua chegada, por outro lado, podem frustrar o mesmo mercado, acredita Marcos Lisboa, presidente do Grupo Insper, que vê uma lua de mel limitada para um futuro Governo Temer. “Há uma tendência a um sentimento de alívio, de melhora, com o eventual desfecho do impeachment em uma direção”, disse ele ao EL PAÍS pouco antes da votação do impeachment na Câmara. “Mas esse sentimento é exagerado. Pode gerar um movimento cíclico de certa euforia.”

Meirelles tem a seu favor, a priori, um Congresso que apoia a chegada de Temer e que pode aprovar as reformas impopulares necessárias. Mas esse apoio também é uma incógnita, uma vez que alguns projetos precisariam ser avaliados ainda neste ano de eleições, e os deputados têm seus interesses políticos a defender para não ficar mal com o eleitor. Há, ainda, uma guerra de interesses de todos os partidos que apoiaram o impeachment da presidenta e cobram agora cargos num eventual Governo de transição, e que não devem ficar satisfeitos de terem restrições para gastar.

Seja como for, Meirelles já tornou-se personagem chave para o Brasil da crise, bajulado à esquerda e à direita. Tanto que foi cogitado a integrar o Governo Dilma duas vezes. A primeira quando Joaquim Levy deixou o Governo no final do ano passado. A bolsa subiu rapidamente diante das especulações, que se mostraram infundadas. Seu nome voltou a ser debatido como a solução, caso a presidenta sobrevivesse ao impeachment. E agora sua volta é considerada certa com Temer.

Esse apreço declarado tem um motivo. Aliás, mais de um. Meirelles reúne as qualidades ‘astrais’ de que o mercado se alimenta. Investiu numa linguagem acessível em seus tempos de presidente do BC, mostrou-se comprometido com o cargo ao ficar oito anos com Lula, entre 2003 e 2010 – tornando-se o mais longevo chefe da autarquia – e manteve a inflação dentro da meta durante o seu reinado, calibrando as taxas de juros para cima ou para baixo, a depender dos ventos do consumo.

Quando assumiu, em 2003, os juros no Brasil estavam na casa dos 25% e a inflação fechara o ano anterior em 12,53%, acima da meta da época, de 11%. Quando saiu os juros estavam em 10,75% e a inflação a 5,91%, abaixo do teto de 6,5%. Aos olhos de seus admiradores, Meirelles soube dar a dose correta do veneno, inclusive ao longo do trágico ano de 2009, que parecia devorar o mundo inteiro. Vale saber se a máxima do mercado financeiro de que ganhos passados não garantem o lucro futuro vai ser contrariada por Meirelles.

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