"É uma Europa sem alma." Entrevista com Yanis Varoufakis

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04 Abril 2016

O pequeno divã em um canto isolado do Montecitorio [sede da Câmara dos Deputados da Itália] não atenua a sua determinação de combatente. De retorno de um encontro com uma delegação do Movimento 5 Stelle ("Há pontos que nos unem"), sentado com uma jaqueta de couro preto que é um pouco o seu uniforme oficial, o homem que foi forçado pela União Europeia, em 2015, a renunciar (de ministro das Finanças da Grécia) faz uma profissão de fé na sua ideia de Europa: "Essa União é como um edifício cujas fundações se tornaram frágeis demais. Esse período obscuro da história é o último teste para a moralidade e para a integridade ética de uma Europa que está se desintegrando. Vimos isso no modo pelo qual está sendo enfrentado o drama dos refugiados. Mas eu quero viver nos Estados Unidos da Europa antes de morrer". Yanis Varoufakis acredita nisso, a ponto de ter criado o seu movimento, Diem25.

A reportagem é de Eugenio Fatigante, publicada no jornal Avvenire, 24-03-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Você vê um nexo entre a União Europeia que não consegue dar uma resposta unitária ao terrorismo e aquela que não sai da crise econômica?

As duas crises poderiam estar conectadas, mas não estão. O nosso fracasso como europeus, ao enfrentar a crise econômica, deu início a forças centrífugas que estão nos impedindo de enfrentar problemas comuns a todos os países de uma forma unitária. Depois de quatro ou cinco anos de respostas ineficazes, o sonho de prosperidade europeia desapareceu. Olhemos para o que acontece com os migrantes: todos pensam dizendo: "Não é problema meu", cada um responde com ações unilaterais. Quando as divisões começam a se manifestar, como aconteceu com a economia, não devemos nos admirar ao encontrar, no fim, uma Europa que perdeu a sua arma mais poderosa: poder dar respostas unitárias, também no plano da política externa, da reação aos ataques e das inteligências para coordenar. Ouço muitas proclamações de "não nos curvemos", mas, entre nós, já estamos curvados pelas divisões.

Parece uma análise sem esperança...

A esperança é reencontrar as nossas origens. Por isso, fundei o Diem25, um movimento de europeus muito preocupados, porque as instituições da União Europeia não são democráticas. E que acreditam que a única solução é democratizá-las, sem distinções ideológicas. Estamos criando uma infraestrutura para todos, dos verdes à esquerda, dos católicos aos liberais. É o que deveríamos ter feito ainda nos anos 1930.

Em que sentido?

Eu vi a análise publicada no Avvenire pelo ex-governador Fazio (1). Excelente! De vez em quando, ainda há alguém que me dá razão... Mesmo naquela época se iniciou um processo de fragmentação do sistema monetário comum (o Gold Standard), e nos encontramos, depois, com os europeus que começaram a se matar.

Por que as instituições da União Europeia não seriam democráticas?

Realmente, você deveria perguntar o oposto... Que elas não são, está claro. Quando eu fui para o Eurogrupo, em Bruxelas, foi-me dito claramente que as eleições, como as da Grécia, não podiam interferir na política econômica. Vou lhe contar um episódio ainda mais interessante a partir de uma perspectiva católica: eu pedi ao próprio Eurogrupo que se inserisse, no comunicado final, um parágrafo sobre a crise humanitária. Tínhamos na Grécia crianças que sofriam a fome nas escolas, e o esboço mencionava apenas a disciplina fiscal como objetivo último. Responderam-me, em essência: "Não podemos falar sobre isso, é político demais". Essa é a Europa que construímos: todos parâmetros matemáticos, não há humanitarismo.

Renzi [primeiro-ministro italiano] também contesta as regras europeias...

Ele tem razão em dizer que elas devem ser mudadas. Até porque nem a Alemanha as respeita no excedente da balança dos pagamentos. Mas ele erra no método. Ele não deve se lamentar como uma criança com o objetivo de obter um pouco de flexibilidade, mas deve fazer uma batalha para mudar radicalmente essas regras. Para o homem médio alemão ou holandês, quando os políticos do Mediterrâneo se limitam a criticar as regras, cria-se uma divisão entre Norte e Sul. O primeiro-ministro italiano tem a força para pedir um Conselho extraordinário sobre essa questão.

Não é grave demais?

Não. Lembremos que, ao contrário dos Estados Unidos, a Europa nasceu como um "cartel", pelo carvão e pelo aço. Essa marca permaneceu, apesar dos esforços para fazer algo diferente com isso. O interesse maior é pelos lucros.

Qual é a sua opinião sobre o acordo entre a União Europeia e a Turquia de sexta-feira passada sobre os migrantes, que já mostrou as primeiras rachaduras?

Como europeu, eu me envergonho muito com esse entendimento. Em poucos anos, muitos se envergonharão, e os nossos filhos vão nos olhar como responsáveis. É um entendimento que replica os fracassos já vistos sobre o euro e que não pode ser implementado: "Deportemos os refugiados para uma Turquia que não respeita os direitos humanos e façamos entrar um número igual de já registrados em um continente onde ninguém os quer". Haverá um atrito tal que não trará benefício algum.

Mas que "receita" você tem?

Organizações católicas e ONGs já deram o exemplo com a criação de "corredores humanitários". É preciso simplesmente investir na acolhida. É um problema real se, em uma Europa que deu 310 bilhões para a Grécia, que, no entanto, voltou à recessão, e que deu centenas de bilhões para os bancos falidos, não se encontrarem os fundos para acolher um a dois milhões de refugiados. A metade da Europa está vazia, somos um continente em crise demográfica. Seria um ótimo investimento dar uma perspectiva para essas pessoas. Com os muros, iludimo-nos de manter um bem-estar que, ao contrário, está evaporando.

Nota:

1.-  Antonio Fazio foi presidente de Banca d’Italia (de 1993 a 2005), que corresponde, no Brasil, ao Banco Central. O jornal italiano Avvenire, editado pelos bispos italianos, publicou nos dias 22 e 23 de março, dois artigos de Fazio analisando a crise econômica europeia no contexto da crise econômica mundial. No artigo, Fazio elogia Varoufakis, afirmando que ele compreendera melhor a crise do que seus colegas ministros das finanças europeus. (Nota da IHU On-Line)

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