Agnes Heller denuncia a ameaça do bonapartismo na Hungria

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17 Agosto 2011

"A Europa deve nos ajudar a ter sólidos meios de comunicação independentes. Só assim salvaremos a democracia". Esse é o apelo de Agnes Heller (foto), a grande intelectual húngara.

A reportagem é do jornal La Repubblica, 17-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Senhora Heller, quão perigosa é a situação húngara?

É necessário um rosto novo ou um novo grupo de líderes democráticos que nos salve. Não esperamos Godot, esperamos um Lohengrin como última esperança. Se não aparecer dentro de um ano e meio, será o fim.

Por que essa reviravolta autoritária?

Na Hungria, jamais tivemos partidos de verdade. Fomos uma democracia só entre o fim da guerra e o 1949 da reviravolta stalinista. Os últimos 20 anos do comunismo de Kadar foram comunismo sem comunistas. Depois, veio uma democracia sem democratas. Hoje, temos um governo de direita sem verdadeiros conservadores.

Quem é, então, Orban?

Ele tem só algumas semelhanças com Berlusconi. Berlusconi não interfere como Orban na vida das universidades, nos teatros, na ópera, nos meios de comunicação, em todos os lugares. Fascismo e bolchevismo são termos abusados, embora, lembremo-nos, ambos tenham nascido na Europa, não em outro lugar. O governo Orban não é fascista, é um regime bonapartista: a concentração de todo o poder em suas mãos, sem controles ou checks and balances. Orban acredita na oligarquia, se sente parte dela, acredita em si mesmo e acredita que conhece o Justo e o que é justo para a Hungria. L`état c`est moi, la societé c`est moi. O sistema fiscal privilegia os super-ricos. Não temos o capitalismo da livre concorrência, mas os oligarcas.

Uma despedida dos padrões democráticos europeus?

Sim, mas o fascismo não serve. O partido Fidesz é bonapartista, não racista. Não é a mesma coisa. Mas conta com a abolição dos checks and balances, como fizeram, com a decisão por si mesmos, sem qualquer voz da oposição e da sociedade civil. Criminalizam o velho regime e os adversários atuais, querem processar o ex-primeiro-ministro socialista Gyurcsany. Introduzem leis retroativas. Tentam criminalizar a nós, filósofos, e tudo o que tem a ver com o liberalismo. Liberal significa inimigo da nação magiara, alheio, estrangeiro. A democracia liberal está destruída pela maioria democraticamente eleita. Há ódio ao liberalismo. E a sua identificação sua os judeus e o judaísmo, típica do passado.

Os perigos, portanto, ressurgem do passado?

Sim, todo totalitarismo sempre viu as ideias liberais como primeiro inimigo, definindo-as, dentre outras coisas, como cosmopolitismo. O Fidesz mobiliza com ideologias. O nacionalismo. E slogans muito tradicionais: nação, família, religião. Não é totalitário, porque o totalitarismo veta. Eles purificam e marginalizam. A estratégia é se comportar como se a oposição não existisse. E dar-lhe a máscara do inimigo da concórdia nacional, criminalizá-la segundo uma forte ideologia nacionalista e uma mitização do trabalho coerente para a nação unida.

Como a senhora se sente, dissidente ontem e hoje?

Crítica eterna. E, depois, quanto tempo dura a eternidade? No fundo, eu não tenho medo. Na Guerra Fria, na Polônia e entre nós, havia muito menos medo do que no resto do bloco. Hoje, o medo generalizado marca o cotidiano húngaro. Medo existencial de quem teme perder o trabalho, acima de tudo. Eles têm razão: se expressarem suas opiniões, podem ser demitidos no dia seguinte, jovens, pais de família. Mas quanto mais você tem medo, mais você é vulnerável. É preciso tentar não ter medo, como nós, vozes críticas sob Kàdàr. Mas a independência da justiça está em via de liquidação. Aos olhos do governo, eu sou persona non grata; para a opinião pública nas pesquisas que ainda são feitas, sou uma das 50 mulheres mais influentes da Hungria. Isso me basta.

Vocês não se sentem abandonados pela Europa?

Eles se expressaram contra a nova Constituição. Orban disse: "não nos entendem". Sanções correm o risco de prejudicar só as pessoas, não o governo, que poderia se aproveitar disso dizendo: "eis a conspiração liberal internacional contra a nação húngara". A Europa poderia ajudar as estações de rádio, TV, todos os meios de comunicação liberais húngaros. Então, talvez, chegará o esperado Lohengrin, não a catástrofe.

A Hungria é exceção ou laboratório?

Orban fala de laboratório. Eu tenho medo disso. A sua política pode se tornar atraente para outros países. E até Marine Le Pen é menos de direita do que ele. Bonapartismo autoritário, nazismo, fascismo, bolchevismo são todas invenções europeias. As tendências autocráticas estão vivas. É uma bela tentação governar sem acertas as contas com a oposição. Weimar, Vichy, Mussolini são passados ainda presentes na alma europeia. Hitler também foi muito popular na pátria de Goethe, Beethoven e Thomas Mann. A democracia liberal na Europa não tem tradições tão longas, só pós-bélicas, eis o pecado original. E a Hungria não tem tradições democráticas, com exceção do período entre 1948 e 1949. É difícil acertas as contas com o passado europeu.

Qual a importância do antissemitismo?

Na Hungria, o antissemitismo é muito forte e é público. Expressar opiniões antissemitas é legal, mesmo no Parlamento. Em encontros públicos, falou-se de planos para matar o ex-primeiro-ministro socialista Ferenc Gyurcsany, na presença de deputados do Jobbik. Dizem de mim: "Agnes Heller e o seu grupo se consideram membros do Povo Eleito e por isso atacam a nós, húngaros". Eles falam como o Stuermer, o jornal de Hitler.

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