A saga dos dois mórmons

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28 Junho 2011

Um dos grandes sucessos da temporada teatral da Broadway deste ano é O Livro de Mórmon, mas também poderia se tornar um dos sucessos da temporada política norte-americana. Pela primeira vez na história dos Estados Unidos, dois candidatos à nomination republicana para as eleições presidenciais de 2012 são mórmons, membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.

A análise é de Massimo Faggioli, doutor em história da religião e professor de história do cristianismo no departamento de teologia da University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado na revista Europa, 24-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Dentro de um grande grupo de concorrentes à indicação republicana, as candidaturas Mitt Romney e de John Huntsman põem novamente em jogo a questão religiosa, que sempre foi, no século XX, uma das questões sobre as quais os candidatos e os eleitores se posicionavam durante as primárias, antes, e durante as eleições gerais, depois.

As candidaturas às presidência de católicos e evangélicos já fazem parte da história das relações entre política e religião nos Estados Unidos, mas a questão da "presidenciabilidade" de um mórmon é nova.

Tendo surgido nos Estados Unidos nos anos 1920, o mormonismo faz parte da epopeia da colonização do continente. Depois da morte do fundador Joseph Smith, em 1844, sob a direção do seu sucessor, Brigham Young, os chefes da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias deixaram o Midwest, em 1846, para escapar das perseguições colonizaram os territórios de Utah, no West, que atualmente é o Estado com o maior percentual de mórmons (que, no entanto, estão presentes em todo o território nacional e também na América Latina).

O Livro de Mórmon, que intitula o espetáculo da Broadway, vencedor do Tony Awards como melhor musical do ano, é o texto sagrado dos mórmons: publicado pelo fundador Joseph Smith em 1830, narra como um homem, membro do povo de Israel, foi conduzido por Deus, juntamente com outros, para fora de Jerusalém pouco antes de que a cidade caísse nas mãos dos babilônios em 586 a.C. O livro descreve a viagem desses fiéis salvos por Deus: através da Península Arábica e depois de navio para a verdadeira Terra Prometida, a América.

A teologia dos mórmons é muito disforme no interior do movimento, que não tem autoridade doutrinária comparável à do papa para o catolicismo: mas o ponto importante é a percepção dos mórmons por parte do resto dos eleitores republicanos.

Jesus Cristo tem um papel fundamental no mormonismo, e o propósito do Livro de Mórmon é "convencer judeus e gentios de que Jesus é o Cristo, o Deus eterno". No entanto, para os cristãos das Igrejas "tradicionais" e para os evangélicos, o mormonismo  não pode ser considerado uma variação sobre o tema do cristianismo, mas sim um movimento "herético".

Porém, é uma heresia compatível, em muitos aspectos, com a concepção religiosa que os Estados Unidos têm de si mesmos. O mormonismo nasce como uma versão do excepcionalismo norte-americano, ou seja, da ideia de que a particularidade da história norte-americana, como cultura e como sistema político, não deve ser apenas protegida e exaltada, mas também faz parte de um desígnio providencial.

Mas, de um outro ponto de vista, a história das relações entre mormonismo e americanismo também escreveu páginas sangrentas (como a Guerra do Utah, de 1857). São relevantes as semelhanças entre mormonismo e Islã, embora a poligamia tenha sido oficialmente abandonada pelos mórmons no início do século XX.

Em certo sentido, Joseph Smith é o "Maomé americano", e o mormonismo é a versão norte-americana do Islã: uma religião que "aperfeiçoa" o cristianismo e o judaísmo, concentra a mensagem salvífica em um código ético-religioso atribuído a uma camada étnico-cultural e centrada na necessidade de pureza física e moral.

Os especialistas em comportamento eleitoral sabem que muito poucos eleitores escolhem ou rejeitam conscientemente um candidato com base na filiação religiosa. Mas, na política norte-americana, a identidade religiosa funciona como um atalho para se ter uma ideia – positiva ou negativa – sobre os candidatos: basta pensar no pano de fundo evangélico de George Bush, antes, de Sarah Palin e Michele Bachmann, depois, e no seu apelo aos republicanos da escola Tea Party.

Mitt Romney experimentou, ainda na campanha presidencial anterior, a dificuldade de superar o preconceito antimórmon: em 2007-2008, tentou se apresentar como o "Kennedy mórmon", enfrentando abertamente a questão do histórico religioso (como fez John F. Kennedy com sucesso em 1960) e esperando ser julgado como norte-americano e não como mórmon.

Para Romney, isso não funcionou, e neste ano corre o risco de funcionar ainda menos. Pouco atraente para os eleitores evangélicos, Romney corre o risco de ter um destino ainda pior com o eleitorado secular e independente: no final de 2008, os mórmons estavam entre os promotores do referendo na Califórnia ("Proposition 8") que proibia o casamento gay. Até agora, Romney evitou falar sobre a questão religiosa, apelando-se ao laicismo dos eleitores de New Hampshire e sem nunca pronunciar o nome de Deus.

A mesma  coisa foi feita por Huntsman, ex-missionário mórmon, ex-governador de Utah e ex-embaixador de Obama na China, que divulgou um perfil autobiográfico que poderia ser intitulado de "um respeitável homem de 68 anos": um candidato com alguns traços juvenis hippies, mas com uma moralidade espelhada e uma visão social típica dos republicanos seculares à la John McCain.

Não se sabe quanto tempo irá durar a tática de evitar a questão religiosa. A origem de uma minoria religiosa, suspeita perante o cristianismo dominante norte-americano, faz de Romney e Huntsman candidatos impossibilitados de atacar Obama com base na acusação (não distante de expressões racistas) de não ser um "verdadeiro americano".

Palin, Bachmann, Gingrich podem se licenciar de representar os "verdadeiros americanos". Os mórmons Romney e Huntsman, não exatamente.

Se um dos dois tivesse que chegar à "nomination" republicana em 2012, escolher entre o primeiro presidente afro-americano e o primeiro presidente mórmon se tornaria, para muitos norte-americanos, também uma questão de fé.

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