México: Da ditadura perfeita à democracia imperfeita

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Por: Cesar Sanson | 05 Julho 2012

Se confirmadas as tendências anunciadas até agora, a partir destas eleições o México terá transitado da ditadura perfeita à democracia imperfeita, onde o partido que governou 71 anos sem rivais retoma o poder. Muitas pessoas entrevistadas pelos meios de comunicação admitiram abertamente a venda de seu voto, considerando que esta prática é “normal” nas eleições. Eleger um partido ou candidato baseado no que ele oferece — não em propostas para o país, mas em cestas-básicas, materiais de construção ou dinheiro — é um costume arraigado na cultura eleitoral mexicana.

O comentário é de Laura Carlsen em artigo para o sítio Carta Maior, 03-07-2012. A tradução é de Libório Junior.

Eis o artigo.

Se confirmadas as tendências anunciadas até agora, a partir destas eleições o México terá transitado da ditadura perfeita à democracia imperfeita, onde o partido que governou 71 anos sem rivais retoma o poder.

Os números apurados pelo Programa de Resultados Eleitorais Preliminares mostram 37% para o candidato do Partido Revolucionário Institucional (PRI), Enrique Peña Nieto, seguido por 31% para Andrés Manuel López Obrador, do Partido da Revolução Democrática (PRD). O Partido de Ação Nacional (PAN), que está de saída, conseguiu somente 25%, com 90% das atas apuradas.

O que se pode dizer dos resultados?

Ainda sem saber os resultados finais, podem-se tirar algumas conclusões da jornada eleitoral do dia 1º de julho de 2012.

1. A jornada transcorreu sem muitos incidentes de violência

Não se pode falar de um saldo em branco, já que em Valle de Santiago, Guanajuato foi noticiado o assassinato de um representante do PRD e, em Tabasco, uma pessoa morreu atropelada em uma tentativa de compra de votos por parte da candidata do PRI, Ana Luisa Crideli. O IFE também confirmou o roubo de urnas por um grupo armado da seção 1513, localizada no estado de Nuevo León. Também em Nuevo León foi registrado o assassinato de Tomás Betancourt Gaitán, coordenador do Movimento de Regeneração Nacional (MORENA) no município de Juárez. Entretanto, o crime organizado e os conflitos eleitorais tiveram até o momento um perfil baixo nestas eleições.

2. O triunfo anunciado de Enrique Peña Nieto se deu com uma margem muito menor que a esperada

Depois que as pesquisas anunciaram margens acima de 10% para o candidato do PRI, a diferença entre Peña Nieto e López Obrador refletida na contagem rápida do IFE das 11h mostrou uma margem de cerca de 7%, e no PREP se registrava 6% com mais de 90% das atas contabilizadas. De fato, toda a noite se manteve uma margem de só 3-4% de diferença até o amanhecer, quando a diferença chegou a sete pontos, mostrando um crescimento no voto de último momento para o primeiro colocado, algo que também aconteceu em 2006, quando a tendência do voto entre AMLO e Felipe Calderón misteriosamente se inverteu no final. Em primeiro lugar, esta mudança nas previsões põe em evidência o viés da maioria dos pesquisadores. Por outra parte, a diferença de mais de 2.5 milhões de votos facilitará o argumento das instituições eleitorais de que as irregularidades não teriam mudado o resultado.

3. Recorreu-se à máquina eleitoral priista e velhas práticas de manipulação do voto para assegurar um triunfo para Peña Nieto

Os vícios desta eleição se manifestaram muito antes do dia das votações. Entre estes foram registrados, por parte de grupos da sociedade civil e meios independentes, numerosos casos de compra de voto (o pagamento pelo voto e a distribuição de cartões sociais e de descontos); coerção de voto em lugares de trabalho, sobretudo entre funcionários do governo; roubo de urnas e de cédulas; gastos excessivos e não declarados, acordos secretos com os meios de comunicação; os “carrosséis” para marcar cédulas fora das urnas por um terceiro, cédulas marcadas de antemão, etc.

Agora a sociedade civil, organizada em “Yosoy132”, os observadores eleitorais e os meios independentes fizeram grandes esforços para documentar as irregularidades eleitorais e estão sistematizando os resultados. Para os jovens opositores ao retorno do PRI, o argumento de que são casos isolados que não afetam a vitória de Peña Nieto será difícil de aceitar, particularmente depois do acontecido em 2006.

Sua demanda é por uma democracia na qual todos os votos contem e sejam livres e contados.

4. O PAN sofreu uma derrota histórica.

O PAN não só está ficando em um distante terceiro lugar, com apenas 25% do voto presidencial. Também está cedendo várias delegações do DF ao PRD, e o estado de Jalisco ao PRI. Foi o custo da falta de unidade em torno de sua candidata, o custo político da guerra contra o narcotráfico e seus 60.000 mortos, e o que para muitos foi o fracasso da alternância conservadora. Seus doze anos foram caracterizados por uma economia fraca e pela corrupção, a pobreza e o desemprego levaram muitas pessoas a abandonar o partido.

Além disso, o partido branco-azul está pagando o preço de haver deixado intacta a maquina política priista. A decisão de formar uma aliança com o PRI contra o PRD permitiu a este último reconstruir suas forças sobre as mesmas bases de clientelismo e caciquismo históricos. A impunidade por crimes do passado que o PAN brindou a alguns de seus homens fortes, como Ulises Ruiz em Oaxaca e o próprio Peña Nieto, fez com que o PRI se esquivasse não só da justiça, mas do custo político de seus atos de repressão e corrupção no passado. Agora, o custo político é do PAN.

5. As eleições de 2012 mostraram que o país que se divide economicamente em “os dois Méxicos” do norte e do sul, também se divide assim em termos políticos.

O mapa do PREP se divide entre o verde (Peña Nieto) no norte e o amarelo (López Obrador) nos estados sulinos, com exceções onde Peña Nieto ganha a maior parte dos votos em Chiapas, Campeche e Yucatán. Desde o início do Tratado de Livre Comércio de América do Norte, se aprofundou esta divisão entre a pobreza do sul e a riqueza mal distribuída do norte como resultado da integração econômica neoliberal. Estas eleições refletem a polarização de um país onde cresce a desigualdade.

6. A esquerda, representada por López Obrador, não conseguiu repetir sua força eleitoral de 2006.

O PRD, com seu candidato Mancera, está ganhando a capital com mais de 60% dos votos para chefe de governo — uma esmagadora vitória e testemunho da aprovação pública dos últimos quinze anos de governos perredistas. Sua vantagem nos estados sulinos pobres como Guerrero e
Oaxaca também é impressionante, com quase 10 pontos sobre o PRI. Entretanto, e apesar da construção de uma força ampla no MORENA, o
movimento de 2006 a favor de AMLO não proliferou da mesma maneira. Isso se deve em parte à falta de unidade no partido, que viu divisões e fricções maiores entre suas correntes nos últimos anos.

Além disso, a estratégia de usar luvas brancas com os adversários e o esforço de ganhar os empresários, ofuscaram as propostas de redistribuição a favor dos setores mais vulneráveis em comparação ao lema de “primeiro os pobres” de 2006. Isto deixou mais espaço para as operações do PRI para ganhar estes setores com a compra do voto e a mercadologia empregada com a ajuda dos meios de comunicação para vender a imagem de seu candidato.

7. A falta de cédulas nas seções especiais foi notória e constitui uma violação do direito ao sufrágio efetivo de milhares de pessoas por todo o país.

Dizer que por lei só tinham 750 cédulas por seção especial não justifica nem minimamente o fato de que a milhares de cidadãos e cidadãs lhes fossem negado seu direito de votar. Se isto aconteceu em ocasiões anteriores, por que não retificaram o erro antes destas eleições? Por que não instalar mais seções especiais? A indignação deu lugar a um novo movimento “yo soy 751” e marchas espontâneas de rejeitados em muitas partes da cidade, proclamando “queremos votar!”.

A democracia imperfeita

O México terá um novo presidente do velho partido. O PRI governou como partido único, através de uma simulação de eleições presidenciais a cada seis anos, orquestrados com bem conhecidos mecanismos de fraude e um sistema de clientelismo que lhes garantia o voto majoritário – inclusive por muitos anos sem espaços políticos para a competição. É esta situação que Mario Vargas Llosa descreveu com a frase célebre da “ditadura perfeita”.

Desde que o priista Carlos Salinas de Gortari chegou à presidência, em 1988 – com a famosa “queda do sistema” que suspendeu por completo a informação pública no momento que se perfilava um triunfo de Cuauhtémoc Cárdenas – o México começou a reformar seu sistema eleitoral. O que hoje é o Instituto Federal Eleitoral nasceu há 22 anos e foi evoluindo desde então.

Incontestavelmente, houve avanços importantes nos marcos legal e institucional eleitorais no país. Entretanto, as eleições de 2006 e a decisão de não abrir as urnas e contar todos os votos derrubaram a confiança no novo sistema por parte de um grande segmento da população e, apesar dos esforços do IFE, não conseguiu restaurá-la plenamente. Os jovens expressaram com o movimento “Yo soy 132” suas críticas a um sistema eleitoral que eles sentem que não conseguiu garantir o voto livre e efetivo nem a equidade na disputa.

O presidente já não é eleito por “dedaço” e não se pode dizer, depois dos esforços para reformar o sistema, que as eleições são meras simulações de democracia. Entretanto, a democracia imperfeita do México que se viu nestas eleições tem problemas estruturais que vem e duram da época do partido único do PRI. Estes incluem o uso das práticas tradicionais de manipulação do voto, em forma mais sofisticada às vezes e com novas variações.

Um componente central das novas estratégias é o relativamente novo poder dos meios de comunicação massivos, sobretudo das duas empresas televisivas. A Televisa, em particular, foi o alvo dos estudantes por seu evidente favoritismo com o candidato do PRI. Examinar o papel que desemprenharam os meios de comunicação e as violações da lei denunciadas é uma tarefa pendente fundamental para a construção de uma maior equidade.

Entre as denúncias registradas pelas autoridades e recolhidas pela sociedade civil, a compra do voto seguramente é o mais comum. Ali é onde
convergem dois problemas fundamentais. O primeiro é que os partidos o fazem, apesar de sua ilegalidade. As evidências apontam para uma operação massiva de compra de votos por parte do PRI. O segundo é que os cidadãos aceitam essa prática. Isso resulta de dois tipos de carências: a carência de uma cultura eleitoral que ensine o valor do voto livre como pilar da democracia e, segundo, a carência de dinheiro, ou seja, a pobreza que existe no país.

Diante da disjuntiva de exercer seu sufrágio ou comer, não é de surpreender que tanta gente escolha o segundo, e menos ainda em uma sociedade onde o voto historicamente tem sido uma farsa. Muitas pessoas entrevistadas pelos meios de comunicação admitiram abertamente a venda de seu voto, considerando que esta prática é “normal” nas eleições. Eleger um partido ou candidato baseado no que ele oferece — não em propostas para o país, mas em cestas-básicas, materiais de construção ou dinheiro — é um costume arraigado na cultura eleitoral mexicana.

A outra denúncia registrada formalmente e entre a população é a evidente violação de limites de campanha, outra vez notoriamente por parte do PRI. Se for levado em conta que não se pode saber a origem de fundos gastos e não declarados, esta violação claramente constitui um obstáculo maior no caminho para eleições justas.

As respostas

Muito cedo, Josefina Vázquez Mota reconheceu publicamente sua derrota. Depois, em uma entrevista coletiva, Pedro Joaquím Coldwell (que foi amplamente vaiado e recebido com gritos de “corrupto” quando se meteu na fila de sua seção para votar) anunciou a vantagem de seu candidato e proclamou que “o processo transcorreu em um marco de absoluta legalidade”. O presidente Felipe Calderón saiu a felicitar Peña Nieto, coroando-o presidente de México “uma vez que o Tribunal oficialize a eleição”. Em seguida saiu Peña Nieto a proclamar seu triunfo, dizendo “assumo com emoção, grande compromisso e plena responsabilidade o mandato que os mexicanos me outorgaram neste dia”.

Por sua parte, López Obrador anunciou que esperará a revisão das atas. “Há um procedimento legal estabelecido que consiste em levar a cabo um escrutínio por distrito, na próxima quarta-feira serão revisadas todas as atas e se deve conhecer os resultados. Vamos esperar esse resultado para fixar uma postura definitiva”. O candidato espera os resultados oficiais e os resultados de sua própria análise da jornada eleitoral para definir sua resposta às eleições e às múltiplas irregularidades que pôde registrar.

Finalmente, o movimento de jovens representado pelo “Yosoy132” anunciou mobilizações nestas datas e seria, sem dúvida, um fator chave no desenlace pós-eleitoral. Sua oposição a Peña Nieto e ao papel das empresas televisivas nas eleições, e sua demanda por uma democracia em que se respeite o voto livre dificultará a aceitação dos resultados. O movimento fixou, desde antes de 1º de julho, um programa de ação que inclui grandes mudanças não só no terreno eleitoral, mas na economia, na estratégia de guerra contra as drogas e nas políticas sociais. Estes jovens percebem que são estas eleições, com o retorno do PRI, as que constituem um momento no qual se define seu futuro, que se vê seriamente ameaçado por um governo de Enrique Peña Nieto.

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