Subverter a máquina da dívida infinita. Entrevista com Maurizio Lazzarato

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Por: Jonas | 02 Junho 2012

Maurizio Lazzarato apresenta alguns aspectos de seu livro, “La fabbrica dell’uomo indebitato”.

A entrevista é de Antonio Alia, Vincenzo Boccanfuso e Loris Narda, publicada no sítio Rebelión, 22-05-2012. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Partindo do segundo tratado de “A Genealogia da Moral”, de Nietzsche, e de “O Anti-Édipo”, de Deleuze e Guattari, você oferece em seu ensaio uma reconstrução do neoliberalismo, segundo a qual em torno da dívida se produz um dispositivo de poder que molda por completo a infraestrutura biopolítica. Parafraseando Marx, poderíamos dizer que a dívida é uma relação social. Qual é o nexo existente entre a relação credor-devedor e a propriedade?

A relação credor-devedor é uma relação organizada em torno da propriedade, é uma relação entre quem dispõe ou não de dinheiro. A propriedade, mais do que se referir aos meios de produção, como dizia Marx, gira em torno dos títulos de propriedade do capital. Portanto, existe uma relação de poder que se modificou em relação à tradição marxiana e que está desterritorializada, para dizê-lo com Deleuze e Guattari – está num nível de abstração superior, mas que de qualquer forma se organiza em torno de uma propriedade: entre quem tem ou não acesso ao dinheiro.

É uma relação de poder que, ao invés de partir da igualdade de troca, parte da desigualdade da relação entre credor e devedor, que é imediatamente social: a economia da dívida não faz distinções entre assalariados e não assalariados, entre ocupados e desempregados, entre trabalho material e imaterial, pois todos estamos endividados. Ao mesmo tempo, é uma dimensão imediatamente mundial, que atua e comanda transversalmente acima das divisões entre países ricos e pobres, consolidados ou emergentes. O crédito/débito foi uma arma fundamental da estratégia capitalista depois dos anos 1970, deslocando completamente o terreno da luta de classes, em nível social e mundial, razão pela qual ainda temos dificuldade para enfrentá-la.

Gostaria de retomar um argumento que não utilizei no livro porque procede desse grande reacionário que é Carl Schmitt e que se refere ao problema da propriedade. O argumento me foi muito útil para pensar sobre o poder da moeda, embora Schmitt não fale desta última. Toda ordem política-econômica está construída e organizada a partir de três princípios, baseados nos diferentes significados da palavra “nomos”. Estes três princípios estão na base da economia de crédito/débito.

Em primeiro lugar, “nomos” significa “tomar/conquistar” e, portanto, apropriação. Toda nova sociedade (e toda nova sequência do domínio capitalista, por exemplo, o pós-fordismo) começa com a conquista, o roubo, com uma espécie de apropriação/expropriação primitiva. Até o capitalismo, esta fase consistia na apropriação/expropriação da terra como um pressuposto de toda a economia e do direito posterior. No capitalismo contemporâneo, esta fase foi organizada pelas finanças e pelo crédito que expropriou, por meio da moeda, a sociedade em seu conjunto (não somente o trabalho, mas o conjunto das relações sociais, dos saberes, da riqueza, etc.). Ou seja, as finanças como uma máquina de captura predatória.

O segundo significado de “nomos” é “compartilhar/dividir”. A divisão/distribuição “faz as partes” (porém, de modo radicalmente diferente de Rancière). Atribuindo “o meu e o seu”, define a propriedade e o direito. No capitalismo contemporâneo, a propriedade é distribuída pela moeda e pelo crédito/débito e é, principalmente, posse ou privação de títulos de capital.

O terceiro significado de “nomos” é produzir, produção. Fica claro que na sequência aberta no final dos anos 1970, há uma apropriação/expropriação, uma distribuição/divisão (propriedade) que antecede logicamente à produção. O conceito de produção, para não ser economicista, deve incluir estes três princípios. Em “O Anti-Édipo”, de Deleuze e Guattari, a distribuição das funções, da propriedade e a apropriação é organizada pela moeda como um pré-requisito da “produção”.

O interessante é que, até o capitalismo, a ordem dos eventos no processo de constituição de uma sociedade é descrita como apropriação, divisão, produção. A economia clássica e o liberalismo tiveram a pretensão de fazer acreditar que a “produção”, caracterizada pela liberação das forças produtivas e das travas do Antigo Regime, resolvia em seu próprio interior o problema da apropriação e da divisão. É o que os neoliberais e seus governos técnicos continuam afirmando. Tornando o nível de vida sempre mais alto (crescimento), a “divisão resulta mais fácil e a apropriação não é só imoral, mas também, do ponto de vista econômico, irracional e, portanto, insensata” (Schmitt).

Schmitt menciona Lênin e Marx como autores que, em parte, não caíram na tentação da “produção”. O primeiro considera o imperialismo e a colonização como necessários à apropriação/expropriação, enquanto Marx considera a acumulação primitiva, e sua feroz violência, como condições imprescindíveis do capital. Para mudar a produção é necessário “expropriar os expropriadores” e distribuir socialmente a “propriedade”. Este é o problema desta crise que os liberais e os socialdemocratas não querem ver – ou melhor, veem perfeitamente, mas não querem aceitar! Um novo crescimento, um novo New Deal, que não implique uma nova apropriação e uma nova propriedade (que exproprie os expropriadores, esta é a questão!), não faz mais que perpetuar as condições da crise.

O crescimento é uma relação política, antes que econômica. Crescimento verde, crescimento tout court, Novo New Deal, políticas de emprego, etc., não atingem inteiramente os fundamentos políticos da crise, ou seja, as características da apropriação e da divisão próprias do neoliberalismo. Sendo estas as propostas liberais e “socialdemocratas” para sair da crise, podemos esperar seu aprofundamento que, na verdade, já está em curso. O crescimento da Alemanha, por exemplo, não modifica as causas da crise, porque acrescenta as diferenças e as desigualdades de classe, não somente a precariedade dos trabalhadores pobres, mas também a dos assalariados qualificados, concentrando a riqueza produzida nas mãos de uns poucos. E é sempre a economia da dívida que “expropria”, “divide” e comanda a “produção”. Felizmente, a austeridade que a Alemanha, por meio do controle do euro (a forma contemporânea da moeda como capital, da moeda como comando), quer impor aos europeus não funciona e está transferindo a “instabilidade” dos mercados para o terreno político, alterando a relação capital/Estado, capital/sistema político, com resultados imprevisíveis.

A definição de economia da dívida é também um potencial instrumento de transversalidade das lutas: o endividamento diz respeito a todos (afiançados, sem fianças, trabalhadores autônomos, desempregados). Por um lado, o comando capitalista se reorganizou em torno das finanças, que captura e decodifica os fluxos produtivos e, por outro, assiste-se uma progressiva incorporação do capital fixo na força-trabalho.Financeirização e cognitivização são a abscissa e a coordenada do diagrama do poder contemporâneo em que se desdobram as diversas figuras do trabalho, as diversas formas de vida. Dentro deste paradigma pós-fordista, a dívida e os juros podem ser considerados como a nova forma de medida capitalista?

O crédito/débito supõe diversas coisas. É um dispositivo de captura da riqueza social, é um dispositivo de comando porque redefine através do crédito a atribuição dos investimentos e é, também, uma nova forma de medida, de valoração da medida. Os mecanismos de valorização introduzidos em todos os âmbitos, incluindo a universidade, procedem das finanças. As finanças conceberam este processo dizendo que na fábrica fordista, onde a medida era impossível, para poder investir, por exemplo, em uma empresa, as finanças tinham que possuir todos os instrumentos possíveis de valoração, uma perfeita transparência que se conseguiu a partir da contabilidade introduzida nos anos 1980 e 1990.

A medida é outro princípio introduzido por Carl Schmitt, afirmando que o fruto da apropriação, o que é adquirido por meio da “conquista, descobrimento, expropriação” deve ser “medido/pesado/dividido”. Portanto, não é que não haja medida, mas que, como as finanças e o crédito demonstram, trata-se antes de uma medida “subjetiva”. Sem dúvida, é uma nova medida e é uma medida arbitrária, que depende somente da lógica do poder, e esta lógica da valoração/medida se impõe em todos os aspectos da vida, introduzindo a figura do especialista e da valoração na escola, na política, na universidade, nos hospitais, até no governo, etc. É necessário, fundamental, subverter esta estrutura hierárquica, partindo da reapropriação social e da troca de conhecimentos, romper esta lógica da medida, da valoração, do especialista.

Entre as páginas mais interessantes do livro está a polêmica contra o “igualitarismo” de Rancière e Badiou e a “reflexividade” de Beck (e Habermas). O radicalismo não-marxista francês e o pós-marxismo socialdemocrata alemão, muito diferentes entre si, apresentam, no entanto, duas analogias: omitem a luta de classes do debate da esquerda e propõem teorias da comunicação que não levam em consideração as relações de poder. Em definitivo, o que Guattari definia como a normalização franco-alemã parece encontrar também articulações progressistas. Porém, mesmo os movimentos ao longo do século se veem atingidos por um sentido acima de tudo ético ou por um certo idealismo comunicativo. Seria o momento de voltar a ser marxista?

Em Badiou e Rancière está o político, mas não o capitalismo. Está o político, mas o pré-capitalista. Estão Platão e Aristóteles, antes que Marx. Não está a produção, nem a fábrica. A fábrica entendida como primeira atualização da concatenação homens/máquinas/signos que encontramos, atualmente, não somente na produção, mas em toda relação social. E que encontramos também no Estado/welfare, em suas administrações. Sempre me chamou a atenção que em Badiou e Rancière não apareçam nem sequer o conceito, nem sequer a palavra “máquina”, como também não aparece nem a palavra técnica ou ciência. A máquina (no sentido de máquina social e máquina técnica) desapareceu também de outras teorias críticas, justamente agora que está em todas as partes, exatamente agora que acompanha cada gesto, expressão, ação de nossa cotidianidade. Penso que o conceito de linguagem e de giro linguístico, na filosofia analítica, provocou grandes erros, pois remete a um processo que não me parece de subjetivização materialista.

No capitalismo, a subjetivização está sempre relacionada com a máquina técnica e social. O capital é uma relação social, uma relação de poder, mas “assistida” por máquinas sociais e máquinas técnicas. Esta é a especificidade do capitalismo. Não é uma simples relação intersubjetiva, entre “homens”, como em Hannah Arendt (ou Rancière), em que na ação não existe um átomo de “matéria”. Penso que é necessário permanecermos “fiéis” ao “Fragmento sobre as máquinas”, em que se formaram várias gerações.

Por estas razões, penso que a subjetivização política em Badiou e Rancière é “idealista”. Em Badiou, a luta de classes é pensada em abstrato, sua antologia é a matemática. Badiou e Rancière falam da economia como se não tivesse nada a ver com a política, quando o político está completamente redefinido pela economia. O capitalismo é isto e não outra coisa: “Nosso destino é a economia”, que é uma relação de poder, uma relação onde estão aqueles que administram o poder e aqueles que sofrem seus efeitos, e os que sofrem têm a possibilidade de se rebelar, de mudar a situação. A subjetivização não gira em torno da democracia, mas a partir dos processos maquínicos de exploração e dominação que se tornam democráticos com as lutas.

Sobre a contribuição de Beck, é necessário vê-la como um dos modelos da impossível “terceira via”, da nova socialdemocracia. A sociedade do risco de Beck me parece completamente ridícula, porque – para dizer em termos muito simples – as diferenças de classe atravessam também o risco, coisa inconcebível para estas teorias onde se deixam de lado a luta de classes como uma velha ferramenta inutilizável. Os únicos que não arriscam são os capitalistas; os riscos são todos para os proletários. Se levássemos até o fundo o discurso de risco na economia da dívida, os investidores que se arriscam investindo na dívida soberana deveriam assumir a responsabilidade. Se os Estados quebrarem, perderão seu dinheiro e ponto final. No entanto, acontece o contrário: os que não são responsáveis pagam o risco do sistema econômico. O verdadeiro risco é para as pessoas, e o mesmo vale para o risco ecológico.

Beck pensa o político a partir de uma difusão e uma democratização dos centros de decisão e de governo, da multiplicação das mediações, dos “debates”. O que está acontecendo diante dos nossos olhos é exatamente o contrário. Acredito que há uma centralização das decisões e das tecnologias de governança. Através do governo técnico, esta crise impõe uma recentralização da administração, uma recentralização dos dispositivos de governança estatais, que deixa de lado a “política representativa”, a democracia dos cidadãos, etc. O curioso é que é verdade que o governo técnico decide, mas sua enérgica decisão para reduzir os salários, as rendas, os gastos sociais, é definitivamente ineficaz para sair da crise. Vão contra um muro, só que entre eles e o muro estamos nós. A socialdemocracia foi constituída em torno de bases políticas precisas, que não parecem reproduzíveis hoje, nos termos propostos por Beck, pois já não existe esta possibilidade. A crise atual faz fracassar completamente estas teorias da terceira via, elaboradas nos anos 1980 e 1990.

Passando da teoria à prática, é evidente a insuficiência dos sindicatos (inclusive, daqueles mais combativos) e a incapacidade da esquerda radical (pensemos no papel dos Verdes nas reformas do welfare alemão) em ler o presente. Os novos movimentos estão começando a colocar a questão da dívida, como, por exemplo, a campanha contra a dívida estudantil nos Estados Unidos e contra a “Equitalia” na Itália. Os Indignados e Ocuppy ocupando fisicamente as praças (como fábricas), também acenam para a reapropriação da metrópole. Não obstante, o quebra-cabeça da organização continua muito aberto: se é, certamente, necessário inverter o trabalho sobre si do homem endividado em termos recompositivos construindo pontes sólidas entre sujeitos diferentes, não existe o risco de menosprezar a condição das singularidades?

Aqui é necessário partir do esgotamento da lógica da representação (tanto política como linguística). Um longo processo de crise da representação está chegando ao fim, tanto do ponto de vista do capital, como do ponto de vista da emancipação. A crise da dívida é antes de qualquer coisa uma crise da governabilidade, que redefine tanto os governados (o homem endividado) como os governantes (governo técnico). Também joga uma luz sobre o conceito de governabilidade de Foucault, rompendo radicalmente com sua genealogia. Assistimos, desde a época de Thatcher, a uma privatização da governabilidade, que é a outra cara da privatização da moeda. A tecnologia governamental não é uma tecnologia do Estado (inclusive quando o Estado desempenha um papel central como instituição “privatizada”) e a economia não se limita somente à possibilidade de se governar, mas a assume totalmente. O governo técnico é a realização deste processo de privatização. A lógica da representação é substituída pela lógica funcional, operativa (diagramática diria Deleuze e Gattari) da moeda/crédito, uma lógica que não passa pela representação, nem pelas semióticas significantes e representativas (linguagem), nem pela dos “sujeitos” que decidem (à maneira de Schmitt). No capitalismo, a lógica da “produção” e a lógica da representação (política e linguística) funcionam juntas, porém a partir da supremacia da primeira. E numa crise, a primeira ocupa todo o espaço político.

O que é um governo técnico, um governo não representativo? É uma tentativa de transposição da lógica do “just in time” da empresa para a política. O governo deve garantir que a população responda, em tempo real, às modificações das variáveis econômicas. O spread, a bolsa, os salários, as rendas, os gastos sociais devem adaptar-se em tempo real aos sinais emitidos pela economia da dívida. Os neoliberais definiram a subjetividade dos governados pelo conceito de “capital humano”, uma definição feita por Foucault. O que é o “capital humano”? O “capital humano” é aquele que responde sistematicamente às modificações introduzidas artificialmente no “ambiente”. O capital humano já não é o “átomo de liberdade” da economia clássica, mas uma variável sistêmica e subordinada, cujos comportamentos devem adaptar-se, ser compatíveis, responder em “just in time” aos sinais emitidos pela economia.

O que o neoliberalismo não conseguiu obter do capital humano (a capacidade de responder em tempo real às exigências dos “credores”), pretende arrancar do homem endividado. Num primeiro momento, parece ter conseguido, mas já se veem os limites e a impossibilidade desta “política técnica”. Ao delírio da “autorregulação” dos mercados se acrescenta o delírio da autorregulação da governabilidade. Uma espécie de governo automático cibernético, diria Deleuze e Guattari, que não funcionará. Em meio a toda esta agitação destrutiva e antiprodutiva do capital, irrompe uma grande notícia: a sociedade contemporânea, na realidade, não pode ser governada pela lógica capitalista, a não ser em termos autoritários (e de uma nova reação), e nesta direção é que se movem as técnicas de governo. A sociedade excede a medida da economia neoliberal. O que é mostrado como uma força do capital, na verdade esconde uma grande fragilidade.

Vivemos num estado de exceção permanente, que hoje se converteu na regra, sendo inútil continuar chamando de exceção! Se o soberano é aquele que decide nestas condições, o soberano é hoje o Capital. Isto implica, evidentemente, uma mudança radical do conceito de soberania, realmente seu fim (este é o limite de Schmitt e de todas as teorias baseadas nele, Agamben, etc.), porque o capital não é uma “pessoa” (condição schmittiana da decisão) e nem sequer um grupo de pessoas, mas uma “máquina” (ou melhor, um conjunto de máquinas) com suas subjetivações ou personificações e, segunda observação, não existe um território, nem a possibilidade de expressar “valores” capazes de constituir uma comunidade, uma sociedade, como diriam os ultraliberais alemães.

O mercado, a empresa e a competência são regidos mais por princípios dissolventes, do que unificadores, destruindo sistematicamente o que mantém unida uma sociedade. O capital sempre se obrigou a utilizar os territórios anexados para encher suas lacunas com a integração política, e a mais importante, o Estado-Nação, tem se solapado sistematicamente a partir dos anos 1970. Todas as mediações representativas e institucionais fracassaram ou estão enormemente debilitadas. Na Itália, este processo salta aos olhos: a “Padânia” é a farsa do território e dos “valores” comunitários de que carece o capital “terciário”, representado por Berlusconi e os neofascistas, a outra cara da farsa, que, ao contrário, garantiram um sucedâneo de valores estatais e nacionais. Uma vez mais, a exibição da força do Capital é sinal de sua fragilidade, sempre quando emergir uma subjetividade que o combate em seu mesmo nível, revelando, na luta, suas fragilidades.

Também do ponto de vista dos movimentos, a lógica da representação está em crise. A democracia política e a democracia social (sindicatos, instituições sociais, etc.), fundadas sobre a representação, têm sido rejeitadas por todos os movimentos, nos últimos trinta anos. Algo novo está surgindo, com muitas dificuldades e ambiguidades. Os movimentos estão realizando experimentos interessantíssimos que, no entanto, ainda não estão à altura do ataque cometido pelo capital, ainda que os Indignados, Occupy Wall Street e especialmente o de Oakland, estejam muito avançados, já que, por um lado, se situam num nível imediatamente social, rompendo com as tradições corporativas e setoriais dos sindicatos e, por outro, evitam a “representação”.

Em todo caso, o aceleramento e aprofundamento da crise constituem a melhor lição para que sejam encontradas novas modalidades de organização e novos temas de mobilização. Não penso que se possa subjetivizar enquanto devedores, não acredito que seja possível; é uma categoria de designação capitalista, em que se é obrigado a ser devedor. No entanto, a dívida oferece imediatamente um terreno social, uma dimensão socializada de maneira transversal, que antes não tínhamos. Como diria Marx, o capitalismo se apresenta na sua total nudez, mas isto não supõe fazer um discurso triunfalista ou de filosofia da história. As condições mudaram em relação aos anos 1980 e 1990, existe um terreno comum que se resingulariza em relação à heterogeneidade das diversas lutas sociais, das diversas formas de vida, partindo das próprias práticas de reapropriação da metrópole, das lutas sobre a renda, etc.

As dinâmicas expansivas do capitalismo estão fechadas. Nos anos 1980, elas ainda podiam prometer riqueza para todos. Hoje, o capitalismo já não pode manter esta promessa de riqueza futura. Agora, o que nos promete são “lágrimas e sangue” para os próximos 10-15 anos, e uma feroz defesa de seus “privilégios”. Muitos dos velhos objetivos das luta de classe se tornam atuais.

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