Vaticano manda recolher livros sobre sexualidade e diversidade familiar

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Por: André | 08 Fevereiro 2012

Um dos livros é de um pastor argentino e o outro do teólogo católico espanhol Marciano Vidal. Ambos falam de casais e modelos de família. A taxativa ordem de retirar os livros da venda veio através de queixas anônimas de conservadores locais.

A reportagem é de Washington Uranga e publicada pelo jornal argentino Página/12, 05-02-2012. A tradução é do Cepat.

“Uma mistura de estranheza, dor, absurdo, vergonha... foi o que senti”, garante Andrea Hojman, diretora da coleção Senderos Bíblicos da editora católica San Pablo. Ela se refere à ordem dada pelo Vaticano, para retirar de circulação dois livros que tratam de temas de sexualidade e diversidade familiar porque “contêm opiniões contrárias à doutrina da Igreja sobre a sexualidade”, em uma carta pública.

Os livros são Parejas y Sexualidad en la Comunidad de Corinto [Casais e a Sexualidade na Comunidade de Corinto], do pastor metodista argentino Pablo Ferrer, e Sexualidade e Condição Homossexual na Moral Cristã [Editora Santuário, 2008], do teólogo católico espanhol Marciano Vidal. Ambos foram publicados em 2010 na Argentina pela editora católica San Pablo, da Sociedade de São Paulo internacional, uma congregação religiosa de nível mundial cujo carisma é a comunicação e que tem livrarias em todo o mundo.

Em conversa com Página/12, o autor Ferrer (40 anos) garantiu que seu livro faz parte de uma coleção de “divulgação” que procura contribuir para a “reflexão” sobre temas bíblicos (“a leitura bíblica tem diversidade de interpretações”).

De acordo com informações recolhidas por este jornal, a mecha se acendeu quando a própria Editora San Pablo publicou, no dia 17 de abril de 2011, no boletim semanal O Domingo, que é distribuído em todas as paróquias da Argentina, uma nota em que se publicizava: “Casais e sexualidade na comunidade de Corinto. Pablo Manuel Ferrer. As Comunidades cristãs que se expressam no Novo Testamento foram espaços de busca e debate. A Primeira Carta aos Coríntios reflete a memória e as ideias de um grupo de cristãos e cristãs, seus problemas e os modos como os enfrentaram pastoralmente. Um tema foi a forma de viver em casal, porque Jesus abriu novas possibilidades”. No dia 29 de maio, O Domingo acrescentou um anúncio sobre o livro de Marciano Vidal.

Os anúncios acenderam os ânimos de alguns grupos ultraconservadores que se auto-atribuem a responsabilidade de velar pela “ortodoxia” da moral católica. São grupos que mantêm contatos diretos com o Vaticano. As denúncias voaram para Roma, embora os denunciantes, como acontece habitualmente, nunca fossem identificados por Roma. O cardeal William Levada, prefeito (máxima autoridade) da Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício), em carta de 5 de novembro de 2001 ordenou ao superior geral (mundial) dos Padres e Irmãos Paulinos, o italiano Silvio Sassi, “remediar o quanto antes a situação, que é causa de confusão entre os fiéis, e informar a este dicastério as medidas que forem adotadas”.

Sassi acatou de imediato a censura vaticana e mediante uma carta ordenou imediatamente ao diretor local, o sacerdote Agustín Cortés García, “retirar os livros das estantes”, “tirá-los dos catálogos” da editora e “proibir a publicidade nas publicações das Sociedade de São Paulo”. Os livros já não são encontrados na Argentina, embora continuem a ser vendidos em outros lugares do mundo.

O livro de Marciano Vidal foi editado originalmente no Brasil pela Editora Santuário, a mesma que publica a maioria dos documentos da Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB). Já está na terceira edição em dois anos sem que ninguém diga nada, o que parece indicar que nesse país não “causa confusão à fé dos fiéis”.

Para Ferrer, a reação vaticana respondendo às denúncias locais é uma resposta ao fato de que o livro expõe “a diversidade familiar como um tema central”, porque “não há um modelo único de família e a Sagrada Família não é o único modelo”. Segundo o autor, “talvez a maior preocupação esteja em que esta diversidade possa ser mostrada também no texto bíblico” para deixar em evidência “que a família é uma construção social”.

O pastor Ferrer, professor no Instituto Superior de Estudos Teológicos (Isedet), de Buenos Aires, garante que o texto publicado surgiu de uma oficina bíblica e destaca que “a Editora San Pablo publicou o texto assim como eu o havia mandado, não mudaram nenhuma vírgula”. Surpreende-se porque os que ordenaram a censura “nunca justificaram os motivos, nunca houve uma explicação”, embora um dos motivos resida no fato de que no livro se sustente que para o apóstolo Paulo “o desejo sexual deve ser vivido” e, entre outras coisas, que para o próprio Paulo a indissolubilidade do matrimônio “não é um mandato, mas uma proposta”.

Em uma dura carta de resposta à censura, Andrea Hojman, diretora da coleção, sustenta que “esta cadeia de cartas que convocam ao silêncio e obrigam ao desaparecimento não fazem mais que me recordar dos anos de terror e obscuridade que vivemos na Argentina durante a última ditadura cívico-militar-religiosa. O aparelho do Estado ocupando toda a sua maquinaria repressiva, real e simbólica, no silêncio e no desaparecimento daqueles que considerava estranhos à sua doutrina e que poderiam ameaçar a sua ‘ordem’”.

E acrescenta que neste caso se trata de “um aparelho de controle ideológico capaz de cruzar continentes, persuadir epistolarmente e fazer sentir a autoridade sobre as consciências”. No mesmo tom afirma que “seguramente aqueles que detêm o controle ideológico da Igreja católica entenderão que seus recursos provêm de parâmetros de outra ordem, que não coincidem com as democracias civis e que pretenderão perpetuar os cenários de duplo padrão. Mas na Argentina, onde esses livros que incomodam são publicados, vivemos em democracia”.

É possível que, por interesse pessoal e por curiosidade, você queira ter acesso aos livros. Não os procure. Por decisão do Vaticano, nas livrarias argentinas não vai encontrá-los. Talvez no Brasil.

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