A astúcia política de Marina Silva é colocada à prova na corrida eleitoral

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Por: Cesar Sanson | 25 Agosto 2014

Considerada por muitos uma "Lula de saias", a candidata do PSB aspira a ser a primeira mulher negra a reger os destinos do Brasil e diz ser possível aliar crescimento econômico e justiça social. O comentário é de Juan Arias em artigo publicado por El País, 24-08-2014.

Eis o artigo.

Marina Silva, de 56 anos, premiada internacionalmente por seu empenho na luta a favor da ecologia, aspira a ser a primeira mulher negra a reger os destinos do Brasil. Conhecida como intransigente com os modos da “velha política”, acredita que é possível conjugar crescimento econômico com uma forte dose de justiça social. Afirmou: “Não nego meu desejo de tentar conjugar o pragmatismo com os sonhos”. Seu nome, Marina, é um apelido como também é o de Lula. É chamada de “Lula de saias”. Militaram juntos durante 30 anos, no Partido dos Trabalhadores (PT), ambos forjaram-se política e socialmente nos movimentos sindicais de esquerda.

Marina, cujo nome é Maria Osmarina Silva de Lima, possui, como o ex-sindicalista Lula, um forte carisma popular ainda que mais tingido de misticismo e intransigência.

As origens de Marina, nascida na comunidade de Breu Velho, em Rio Branco, no Estado do Acre, no norte do país, porta de entrada da Amazônia, são talvez mais humildes que as de Lula. Sua família com 11 filhos dos quais sobreviveram somente oito, passava fome extraindo borracha entre os chamados “seringueiros” e vivia em uma casa de palafita. Marina não pôde ir à escola pois tinha de trabalhar com seu pai. Seu primeiro trabalho foi de empregada doméstica.

Já com 16 anos entrou no programa Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) em Rio Branco, capital do Acre. Quis se tornar religiosa em um convento da cidade, mas escutando uma conferência sobre a Teologia da Libertação, decidiu entrar na política. Afiliou-se ao Partido Comunista Revolucionário que estava ligado então ao Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula, no qual entrou no ano seguinte e do qual esteve afiliada durante quase 30 anos.

Ao contrário de Lula, que não concluiu um curso superior, Marina, auxiliada economicamente por um amigo deputado, cursou a Universidade e se licenciou em História. Junto com o mítico sindicalista Chico Mendes, assassinado por sua defesa da Amazônia e dos trabalhadores do campo contra os coronéis, fundou no Acre a Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Sempre inquieta e nunca satisfeita em suas lutas, se viu tentada pela política partidária. Foi vereadora, deputada e aos 36 anos foi a senadora mais jovem e mais votada da democracia do Brasil. Quando Lula chegou à Presidência da República, a escolheu para Ministra do Meio Ambiente. Marina se queixava de ser boicotada no governo nos seus projetos a favor da defesa da Amazônia, que durante seu governo conseguiu que fosse destruída 60% a menos do que era antes. Em 2008, abandonou o governo, e na sequência, o PT, e se afiliou ao pequeno Partido Verde (PV) para poder disputar as eleições presidenciais. Com pouquíssimo apoio conseguiu quase 20 milhões de votos, obrigando Dilma Rousseff a disputar o segundo turno.

Quatro anos mais tarde, o sonho de Marina era se lançar como candidata de um novo partido fundado por ela, a Rede. Atrasos burocráticos fizeram com que seu partido não fosse oficializado a tempo porque não se chegou ao número necessário de assinaturas para obter o registro. Marina, que compartilha com Lula uma grande astúcia política para se impor aos imprevistos, acabou se afiliando ao PSB de Eduardo Campos. O líder socialista escolheu Marina como candidata à vice-presidência. Ela aceitou, ainda que não seja mulher que goste de ser segunda em nada. O destino – ou a “providência divina”, a que ela atribuiu o fato de ter decidido no último minuto não viajar no avião de Campos, que o levaria à morte na trágica manhã de 13 de agosto – acabou colocando-a como candidata à presidência.

De saúde fragilíssima, atacada por várias malárias, três hepatites e uma contaminação grave por mercúrio que restringem ainda mais dramaticamente sua alimentação e suas forças físicas, quando os médicos a davam por incurável colocou-se nas mãos de um pastor evangélico com fama de possuir o dom da cura.

Desde então é uma militante discreta da Assembleia de Deus, onde, entretanto, é vista com uma certa desconfiança por considerarem-na, ao contrário do que se costuma dizer dela, como demasiadamente liberal e progressista para os cânones fortemente conservadores da mencionada igreja. Chegou a propor um plebiscito popular para discutir os temas do aborto, as drogas e o casamento homossexual, temas considerados tabus e diabólicos por seus correligionários evangélicos.

Seus adversários políticos a acusam de falta de experiência para governar o país e de sentir-se “predestinada”. Dizem que é “uma pessoa dócil com mãos de ferro”, inflexível em suas decisões.Outro ambientalista, Dener Giovanni, chegou a pintar Marina como um personagem que se move entre “o lavar as mãos” e o “silêncio covarde das convicções”. A analista política Dora Kramer afirma, entretanto, que a candidata socialista é uma política intransigente mas incapaz de “golpes baixos” e que tem como lema que na política, como na vida, “nem tudo vale”.

Marina, que se casou duas vezes, é mãe de quatro filhos. Difícil poder definir e enquadrar um personagem tão complexo, multifacetado, enigmático e, ao mesmo tempo, de forte magnetismo e rigor ético que a torna simpática para os mais jovens e os antipolítica. Tirou seu lema de vida pública e privada dos evangélicos que a pedem para ser, diz, “sensível como uma pomba e astuta como uma serpente”. Será correto dizer que na política é mais serpente que pomba?

Seu trabalho é muito mais reconhecido e admirado fora do Brasil do que em casa. Em 1996, aos 38 anos, recebeu nos Estados Unidos o Prêmio Goldam de Meio Ambiente para a América Latina e Caribe. Em 2007, a ONU lhe concedeu o Champions of the Earth, o maior galardão da instituição no campo ambiental. Nesse mesmo ano, o jornal britânico The Guardian colocou a senadora Marina Silva como uma das 50 pessoas do mundo capazes de ajudar a salvar o Planeta. Nas Olimpíadas de Londres em 2012, foi convidada na inauguração a levar a bandeira dos jogos junto com o Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon e vários prêmios Nobel. Ela costuma lembrar a citação evangélica de que “ninguém é profeta em sua terra”.

Seu último grande desafio será agora enfrentar nas urnas em outubro a poderosa candidata e presidenta, Dilma Rousseff, mais agnóstica do que crente, mas que apenas alguns dias atrás leu textos bíblicos diante de 5.000 pastores evangélicos para quem lhes pediu a benção. Já há quem profetize entre ambas uma nova luta bíblica no estilo do pequeno Davi contra o gigante Golias. No Brasil, como em toda a América Latina, ninguém parece escapar, como Miguel Ángel Bastenier bem escreveu neste jornal, ao inelutável destino dos deuses.

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