Darwinismo e humanidades

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28 Mai 2014

"O que mais distingue a evolução humana é a consciência e capacidade de comunicar tanto sua história pretérita (mítica ou real) como necessidades e ambições futuras. Algo que ainda parece bem longe de poder ser razoavelmente explicado pelos "módulos mentais" da psicologia evolutiva, "blocos-base" da neurociência, ou misteriosos "memes" do "darwinismo universal", escreve José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP, em artigo publicado pelo jornal Valor, 27-05-2014.

Eis o artigo.

Por mais de um século a relação das humanidades com o darwinismo foi muito atrapalhada pelas incipiências e precariedades que caracterizaram os dois lados. Como até sua "síntese moderna", de meados do século passado, o darwinismo era demasiadamente especulativo, até os anos 1970 foram desastrosas quase todas as iniciativas de usá-lo para entender os humanos e suas sociedades. As mais notáveis - que deram origem ao repugnante "darwinismo social" e ao hediondo crime da eugenia - só poderiam ter levado as humanidades a recusar qualquer convite para que a relação fosse reavaliada.

Mesmo assim, a "biofobia" resultante de tão negativo legado não chegou a impedir que nos anos 1980 o darwinismo começasse a se legitimar como paradigma que não se restringe às ciências naturais. Foi o traumático debate que se seguiu ao esboço lançado em 1975 por Edward O. Wilson de uma "sociobiologia humana" que dez anos depois engendrou firme acolhida do darwinismo em ao menos três disciplinas dedicadas ao entendimento de comportamentos humanos: psicologia, antropologia e economia.

As três sociedades científicas que mais contribuem para tirar o darwinismo do gueto das biociências foram criadas na segunda metade da década de 1980. Psicólogos e antropólogos se juntaram a biólogos para fundar a "Human Behavior and Evolution Society" (HBES), que lançou o periódico "Evolution & Human Behavior" como sucessor do "Ethology & Sociobiology". Pesquisadores dessas três disciplinas também se associaram a ecólogos na "International Society for Behavioral Ecology" (ISBE), que publica "Behavioral Ecology". E economistas fundaram a sua "International Joseph A. Schumpeter Society" (ISS), que edita o "Journal of Evolutionary Economics". Mas também se destacam na literatura científica cruciais contribuições darwinistas provenientes de outras cinco disciplinas - arqueologia, ciência política, filosofia, sociologia e relações internacionais - mesmo sem similares organizações e periódicos.

Disso tudo emergiram três posições sobre o grau de abrangência do darwinismo. Os que não vão além das analogias, como os pioneiros economistas Richard R. Nelson e Sidney G. Winter, preferem se dizer adeptos de um "darwinismo parcial". Distanciam-se assim do "darwinismo universal" liderado pelo filósofo Daniel Dennet e pelo biólogo Richard Dawkins, mas também do "darwinismo generalizado" contraposto pelo economista Geoffrey Hodgson, para quem esse paradigma só faz sentido na análise de sistemas populacionais complexos, e não para todo e qualquer fenômeno, como pretende a tribo do www.universaldarwinism.com

Todavia, o futuro do darwinismo nas humanidades será bem menos determinado pelo debate entre essas três posições do que pelos desfechos de duas outras controvérsias de fronteira, coincidentemente desencadeadas há dez anos por duplas de biólogos.

A primeira é contestação de que as possibilidades de cooperação entre as pessoas dependeriam direta e exclusivamente de sua proximidade genealógica. Essa tese da "aptidão inclusiva" baseada em "seleção de parentesco", que desde 1964 havia hegemonizado todo o campo darwinista, passou a ser minimizada pelas simulações computacionais de Martin A. Nowak. Foi o que levou seu colega Edward O. Wilson à guinada em favor da seleção "multinível" baseada em "cinco regras da evolução da cooperação", título de artigo de Nowak na revista "Science" (2006:314), com a ótima versão popular "Why We Help", na "Scientific American" de julho de 2012.

A outra promissora controvérsia foi provocada pela proposta de se distinguir quatro dimensões evolucionárias independentes, pois, além dos tão celebrados sistemas de herança genética - nos quais se concentraram os esforços de pesquisa - também se mostram relevantes outros três conjuntos: os epigenéticos (transmissão de fenótipos em vez de genótipos, em processos que não envolvem o DNA), e mais dois, eminentemente socioculturais: os "comportamentais" e o "simbólico".

Segundo as biólogas Eva Jablonka e Marion J. Lamb, autoras de "Evolução em quatro dimensões" (Companhia das Letras, 2010), há interação entre três sistemas de herança comportamentais: por transferência de substâncias; por aprendizado socialmente mediado pela observação de indivíduos mais experientes; e por imitação. Exemplos: a formação de preferências alimentares, o processo de aprendizado nos primeiros três dias de vida e a imitação vocal.

Mas a radical diferenciação dos humanos ocorreu porque, além da importância adquirida por esses três sistemas de herança comportamentais, outro modo de transmissão evoluiu e assumiu o controle: a transferência maciça de informação mediante símbolos. O que mais distingue a evolução humana é a consciência e capacidade de comunicar tanto sua história pretérita (mítica ou real) como necessidades e ambições futuras. Algo que ainda parece bem longe de poder ser razoavelmente explicado pelos "módulos mentais" da psicologia evolutiva, "blocos-base" da neurociência, ou misteriosos "memes" do "darwinismo universal".

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