''Não se esqueçam de Oscar Romero''

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24 Abril 2014

Enquanto a TV distribui os milagres de Medjugorje pregados por Paolo Brosio, o papa anuncia um santo ao qual falta um milagre "teologicamente comprovado": João XXIII sobe aos altares junto com Wojtyla. Bergoglio rompe a regra já desconsiderada na beatificação do padre Puglisi assassinado pela máfia. Nenhum prodígio além do amor que desafiava as sombras.

A reportagem é de Maurizio Chierici, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 22-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Um ano atrás, o papa pediu a beatificação de Romero, bispo de El Salvador, desagradável para os cardeais romanocêntricos. Freavam o postulador, Vincenzo Paglia, presidente do Pontifício Conselho para a Família. Memória renegada, enquanto o pequeno pastor é venerado nas igrejas luteranas e anglicanas: recordam o seu martírio no dia 24 de março, dia daqueles tiros sobre o altar.

Mas, na entrada da pequena catedral de São Félix do Xingu, na Amazônia brasileira, Pedro Casaldáliga também expõe o retrato do pequeno pastor, "santo do povo e das Américas". Extravagância que o cardeal Ratzinger, então prefeito para a Doutrina da Igreja, não suporta.

No lema do brasão, o bispo catalão promete "nada possuir, nada pedir, nada calar". Ele se confunde entre os índios da diocese: boné de beisebol, chinelos gastos que "degradam a dignidade episcopal".

Outra catedral: na nave ao lado do altar de San Salvador, o sorriso de Romero era sufocado pelos ex-votos por graças recebidas. Chegavam ao teto, insinuavam-se entre as estátuas dos santos esquecidos pela colônia espanhola: barbas e perucas fluentes.

A visita de João Paulo II (1996) o enterrou nos subterrâneos. Políticos e coronéis desconfiavam dos devotos que frequentavam más companhias. Romero defendia os sem nada, inimigo insidioso, portanto, dos donos de tudo. Um oficial (desaparecido nos EUA da família Bush) no fim o matou.

A chegada no Vaticano de um papa do fim do mundo mudou o ar das sagradas salas. Bergoglio sofreu a crueldade dos governos de uniforme. Em silêncio, organizava a fuga das vítimas predestinadas. Páginas secretas que os sobreviventes trazem novamente à luz.

Mas o desespero de Romero permanecia distante da infelicidade da burguesia argentina. El Salvador, país pequeno, escravidão dos agricultores nas mãos das grandes famílias nutridas pela bonança do governo Reagan (6 milhões de dólares por dia para os esquadrões da morte) para punir a "traição" de um bispo que passou das tentações do Opus Dei ao "comunismo dos sem deus".

Delírio exportado para a Europa dos negócios. Em fila, nas homilias, ele listava os nomes dos mandantes dos massacres: militares e latifúndio contra padres, freiras, agricultores, jovens culpados de ajudar os desesperados na esperança da dignidade para todos. E Roma olhava de longe. Quase um sinal para quem não o suportava.

Uma vez, fomos encontrá-lo nos dois pequenos quartos do seminário transformados em residência episcopal. Estávamos saindo de San Salvador: dez crimes a cada noite não fazem notícia nas doces cidades europeias. Ouvimos a última homilia. Ele convidou os militares a desobedecer a ordem de atirar sobre os sem nada: "São irmãos de vocês, vocês falam o mesmo dialeto, vocês cresceram nos mesmos campos...".

Abalados pela extrema coragem, queremos saber: mas não é uma utopia? "Se eu não acreditasse na utopia, estaria vestido assim?". Depois, os abraços da despedida. "Quando os jornalistas vão embora, a luz se apaga. Na sombra, tudo pode acontecer". E aconteceu. Esperamos o anúncio de Francisco.

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