Rolezinhos reclamam direito juvenil ao consumismo

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10 Fevereiro 2014

Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

Irromperam em massa nos centros comerciais para se divertirem. Mas a resposta, uma mescla de medo, admiração e dura repressão, fez surgir no Brasil um novo movimento juvenil, o dos rolezinhos.

Na linguagem juvenil, “dar um rolé” significa sair com amigos, e a convocação para esses passeios em grupo se transformou, para alguns, em um movimento revolucionário, e, para outros, no espelho do desejo consumista da classe média emergente.

A reportagem é de Fabiana Frayssinet, publicada no portal Envolverde, 07-02-2014.

Surgiram em dezembro, quando alguns jovens convocaram pelo Facebook um rolezinho em um shopping de São Paulo, “para que rolasse algo divertido”, em um país onde o entretenimento e a cultura são caros. Apareceram seis mil jovens. A repressão policial e o medo do governo do Brasil, que receberá em junho e julho a Copa do Mundo da Fifa, estenderam os rolezinhos para outras cidades.

“Viemos para mostrar que o jovem pobre pode consumir”, disse à IPS o estudante de geografia Iata Anderson, quando os rolezinhos foram convocados em 19 de janeiro diante do luxuoso Shopping Leblon, no Rio de Janeiro, o que provocou o fechamento preventivo do estabelecimento, apesar da pequena afluência.

Anderson, como muitos outros participantes de rolezinhos, tem menos de 20 anos e, apesar de viver em uma favela, representa uma nova classe média brasileira, que estuda em universidade pública e tem acesso à internet, ao crédito e ao poder de compra, graças a uma década de governos esquerdistas, de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e da atual presidente, Dilma Rousseff.

“Vim apoiar os rolezinhos de São Paulo, reprimidos com gases e surra pela polícia. Isso só acontece porque são negros da periferia, que não se enquadram no padrão de luxo e sofisticação dos shoppings”, afirmou Anderson. No dia 11 de janeiro, a Polícia Militar enfrentou com balas de borracha e gás pimenta cerca de mil jovens em um rolezinho em um shopping da periferia de paulistana. Houve 60 prisões.

A Associação Brasileiras de Centros Comerciais assegurou que esses são “espaços democráticos que atendem pessoas de todos os perfis sociais e de diferentes idades, e acolhem a diversidade e a inclusão social, muitas vezes em regiões com escassas opções de entretenimento. Também são ponto de encontro da maioria dos jovens”.

Por isso, para o sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análises de Violência, da Universidade do Rio de Janeiro, “foi desproporcional” a repressão e inclusive o fechamento dos shoppings para evitar os rolezinhos. “Vai contra a tendência histórica dos shoppings, templos de consumo e agora também centros de diversão, que atraem cada vez mais gente diversa, comprando ou não, e ultimamente acolhem serviços públicos”, declarou Cano à IPS. Ele teme que os shoppings percam sua vocação “universalista” para se tornarem “mais elitistas”. Mas muitos já sofriam isto.

“Se um negro vai ao shopping, logo a segurança vem atrás achando que vai roubar”, contou à IPS o auxiliar de carga Diego Meier, que qualificou esses estabelecimentos como “lugares da burguesia e do capitalismo”. Segundo Anderson, afro-brasileiro como Meier, “às vezes sou mal atendido e observo que os negros são os da segurança ou os que limpam os banheiros. Temos que ter os mesmos direitos, independente da cor, da classe social ou do poder aquisitivo”.

A própria presidente Dilma Rousseff criticou a repressão e o preconceito contra os jovens pobres. A ministra para as Políticas de Igualdade Racial, Luiza Bairros, argumentou que os rolezinhos fazem “manifestações pacíficas” e que não se deve associar o fato de serem negros com o crime, como é comum. “Os problemas surgem quando brancos se assustam com a presença desses jovens”, acrescentou.

“O shopping é uma novidade. Queremos conhecer um lugar onde só iam as classes altas”, explicou à IPS o estudante de informática Waldei Teixeira. No Brasil, as classes média e alta vinculam a afluência maciça de jovens pobres e negros a espaços públicos, como as praias, aos arrastões. No entanto, o pessoal dos rolezinhos não saqueia, não rouba, não destrói.

“Há muito mais tumulto nos shoppings durante as compras de Natal. Por acaso isso compromete a segurança do shopping?”, questionou Anderson. Mas o que nasceu como uma diversão coletiva evoluiu, principalmente pela repressão, que “gera um objetivo político, porque, ao se sentir desafiado, o jovem tenta romper essas proibições”, pontuou Cano.

O mundial de futebol e as eleições presidenciais de outubro convertem os rolezinhos em um instrumento político, apontou à IPS o jornalista e ex-deputado pelo Partido Verde, Fernando Gabeira. “Pequenos movimentos podem se transformar em grandes movimentos, como ocorreu em junho” de 2013, quando houve grandes protestos contra o aumento da passagem no transporte público e a corrupção, e pela melhoria na saúde e na educação, recordou.

Inicialmente, os rolezinhos “tinham ao argumento da democratização do espaço ou de desfrutar da beleza dos shoppings”, indicou Gabeira. Agora, cada um coloca no fenômeno “seus desejos políticos e ideológicos”, ressaltou. Para organizações sociais e de esquerda, os rolezinhos expressam descontentamento popular ou luta contra a discriminação.

Por outro lado, no governo são considerados “expressão do dinamismo, da mobilidade social e das mudanças que caracterizam a sociedade brasileira nos últimos anos”. Essa mobilidade se expressou mediante o desejo consumista desse novo “nicho de mercado”, no qual, paradoxalmente, também apostaram os shoppings. Uma nova classe média ávida por celulares, computadores, televisores de última geração ou roupa de marca.

Para Gabeira, os rolezinhos reclamam que, como parte de uma sociedade de consumo, também têm direito de consumir. A transformação de uma classe social, até há pouco tempo sem futuro em outra que tem sonhos, já se expressava na música ouvida a todo volume pelos jovens agora integrantes dos rolezinhos nos centros comerciais. O “funk ostentação” mostra nas letras e nos vídeos que o caminho para a felicidade é a ascensão social, marcado pela posse de bens de luxo e, depois de tê-los, pelo acesso a mulheres loiras.

“Esse tipo de funk já anunciava o fenômeno dos rolezinhos. Mostra um desejo de se integrar socialmente, consciente ou inconsciente. Mas, também é parte de sua cultura”, explicou à IPS o estudante de cinema Gonzalo Gaudenzi, que acompanhou o surgimento do gênero. O funk brasileiro (inspirado no rap norte-americano) surgiu nas periferias urbanas com letras sobre temas cotidianos, como narcotráfico, drogas, repressão policial ou sexo.

Entretanto, com o bem-estar social, passou a refletir as aspirações de muitos dos 30 milhões que saíram da pobreza nesse país de quase 200 milhões de habitantes, graças a um modelo econômico que adota o consumo interno como trampolim para o crescimento. “Se a música que ouvem o dia todo lhes fala que para conseguir melhores mulheres e status social é preciso ter os melhores carros, as melhores roupas, relógios, embora não possam comprar, querem estar perto desse mundo, senti-lo. E onde se consegui isso? Nos shoppings”, enfatizou Gaudenzi.

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