Canonizações infalíveis? Entrevista com Giuseppe Sciacca

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Por: André | 14 Julho 2014

A tese de mons. Giuseppe Sciacca, secretário-adjunto da Assinatura Apostólica: “Proclamar santos é típica expressão do primado pontifício, mas não faz parte da infalibilidade assim como foi definida pelo Concílio Vaticano II”.

Quando o papa proclama um novo santo, estendendo o culto a toda a Igreja, é infalível? Muitos teólogos, a maioria, acreditam que sim, e isto é o que normalmente se diz e se ensina. Perguntamos sobre o assunto ao bispo Giuseppe Sciacca, famoso canonista e secretário-adjunto do Tribunal da Assinatura Apostólica.

 
Fonte: http://bit.ly/1ordNsv  

A entrevista é de Andrea Tornielli e publicada no sítio Vatican Insider, 09-07-2014. A tradução é de André Langer.

Eis a entrevista.

O Papa é infalível quando proclama um novo santo?

De acordo com a doutrina comum e dominante, o Papa, ao proceder a uma canonização, é infalível. Como se sabe, a canonização é a sentença com a qual o Pontífice declara solenemente que um beato goza da glória do céu e estende seu culto à Igreja universal, preceptiva e definitivamente. Não se discute, pois, se a canonização é expressão do primado de Pedro. Mas ao mesmo tempo, não deveria ser considerada infalível, segundo os critérios para a infalibilidade que encontramos definidos na Constituição Dogmática Pastor Aeternus do Concílio Vaticano II.

Isto significa que, segundo a sua opinião, o Papa pode equivocar-se ao proclamar um santo?

Não disse isso. Não pretendo negar que a sentença emitida nas causas de canonização tenha um caráter definitivo; seria temerário (mais ainda, ímpio) afirmar que o Papa pode errar. Mas, o que estou dizendo é que a proclamação da santidade de uma pessoa não é uma verdade de fé, porque não pertence ao conjunto das definições dogmáticas e não tem como objeto direto ou explícito nenhuma verdade de fé ou de moral, contida na revelação, mas somente um fato indiretamente relacionado. Não é casual que nem o Código de Direito Canônico de 1917 nem o Código atual nem o Catecismo da Igreja Católica exponham a doutrina da Igreja sobre as canonizações.

Monsenhor, mas é preciso reconhecer que a maior parte daqueles que apóiam a infalibilidade contam com um aliado considerável: Santo Tomás...

Claro, sei muito bem disso. Tomás de Aquino é o autor de maior prestígio que sustenta esta tese. Mas é preciso dizer que o uso da linguagem e do conceito de infalibilidade em épocas tão distantes do século XIX, isto é, do Concílio Vaticano I, corre o risco de cair no anacronismo. Santo Tomás situava a canonização a meio caminho entre as coisas da fé e os juízos sobre os fatos particulares que podem ser contaminados por falsos testemunhos, apesar de concluir que a Igreja não podia se equivocar: defendia, efetivamente, que “é pio crer que o juízo é infalível”. Disse, e repito, que a Pastor Aeternus define rigorosamente e delimita o conceito de infalibilidade pontifícia que, anteriormente, podia absorver e conter ou ser assimilado ao conceito de “inerrância” ou “indefectibilidade”, mas que não se define “de fé” enquanto deve ser necessariamente crido por todos os fiéis.

E o que fazemos com as palavras do Papa Bento XIV (Próspero Lambertini), que em seu “De servorum Dei beatificatione et beatorum canonizazione” afirma que “soa a heresia” a tese da não infalibilidade?

É uma tese não vinculante, pois faz parte da sua obra de grande canonista, mas no âmbito de doutor privado. Não tem a ver com seu magistério pontifício.

Mas também numa nota doutrinal da Congregação para a Doutrina da Fé, de maio de 1998, alude-se à infalibilidade nas canonizações.

Trata-se de uma passagem claramente explicativa, e não definitória em relação aos conteúdos. O argumento segundo o qual a Igreja não pode ensinar ou favorecer não significa afirmar que seja um ato errôneo ou que necessariamente engane. De fato, o erro pode ter sido muito raro ou inclusive nunca ter existido. A canonização, que todos admitem que não deriva imediatamente da fé, nunca é uma verdadeira definição em matéria de fé ou de costumes.

Há elementos históricos que autorizem sua postura?

Parece-me que revela a autoconsciência, pelo menos problemática, que os Papas tinham da infalibilidade nas canonizações a fórmula da chamada “protestatio”, em vigor até o Pontificado de Leão X. Os Pontífices, imediatamente antes de proceder ao ato da canonização, afirmavam solene e publicamente que não pretendiam fazer nada que fosse contra a fé, da Igreja católica ou da honra de Deus. Também se pode citar as breves orações que mons. Antonio Bacci, depois cardeal e grande cultor do “stylus Curiae”, pronunciava em nome do Papa durante os ritos de canonização em São Pedro, depois da preparação do advogado consistorial, com expressões que não seguem a tese “infalibilista”, por exemplo, “inerrans oraculum” (inerrante, não infalível oráculo), “immutabile sententiam (imutável, não infalível sentença), “expectatissimam sententiam” (esperadíssima, não infalível sentença). Mais ainda: um historiador como Heinrich Hoffmann admite que uma objeção sobre a infalibilidade poderia provir (dentro do então rito de canonização em vigor até a reforma de Paulo VI) pelo fato de que imediatamente antes da solene declaração, os Pontífices manifestassem algum receio, “mentem vacillantem”, invocando “specialem Sancti Spiritus asssistentiam” (uma assistência especial do Espírito Santo).

Perdoe-me, mas, então, o que é a canonização?

É o encerramento definitivo e irreformável de um processo, é a sentença final de um processo histórico e canônico, que diz respeito sempre a uma questão histórica real. Englobá-la na infalibilidade significaria estender a própria infalibilidade muito além dos limites definidos pelo Concílio Vaticano I.

Mas, atualmente, no instante da proclamação, o Papa diz “decernimus e definimus”, ou seja, “decretamos e definimos”. Soa como uma “definição”...

É por isso que compartilho a tese de alguns canonistas autorizados que sugerem evitar a fórmula utilizada para a definição das verdades de fé e que propõem a fórmula, mais correta, de “declaramus”, isto é, “declaramos”. E, de fato, como escreve um teólogo “clássico” da escola romana do século passado, como mons. Antonio Piolanti, entre as condições necessárias para identificar a infalibilidade exige-se que o Pontífice manifeste explicitamente, de alguma maneira (como aconteceu em 1854 com a definição do dogma da Imaculada Conceição, ou em 1950 com o da Assunção), no “stylus” da fórmula, além do contexto, a intenção de propor a toda a Igreja, como dogmática, uma verdade contida no depósito da revelação.

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