O Papa “não tem medo. Sente que tem uma missão e está decidido a cumpri-la”, afirma Pérez Esquivel

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Por: Jonas | 21 Setembro 2015

O cabelo espesso já é grisalho, mas seu passo é rápido e sabe para onde ir. Não deixou de considerar nenhuma causa em defesa dos direitos dos mais fracos em suas pautas. Todos os dias, Adolfo Pérez Esquivel passa pelo obelisco, onde um punhado de indígenas Qom instalou uma barraca e reivindica a atenção do governo da senhora Kirchner. Uma das maiores alegrias que teve, nos últimos tempos, foi a da beatificação de dom Romero, no mês de maio. Havia conversado sobre a causa do bispo salvadorenho, durante seu primeiro encontro com Francisco, poucos dias após ter sido eleito Papa. “Fiz uma brincadeira”, recorda Pérez Esquivel: “precisa retirar Romero do sarcófago”. A segunda vez que esteve com o Papa Bergoglio, ele se recordou disso e, na sequência, disse-lhe que o havia retirado do ataúde. Também recorda a última vez que falou por telefone com dom Romero, no dia 22 de março, dois dias antes de uma bala explosiva o matar sobre o altar: “Telefonei para ele de Barcelona para me desculpar pelo fato de minha visita ter demorado, porque não consegui terminar os compromissos que tinha”.

 
Fonte: http://i61.tinypic.com/727p1w.jpg  

Outro sacerdote que gostaria de ver nos altares é o bispo argentino Enrique Angelelli, assassinado durante a ditadura, no dia 4 de agosto de 1976. “Viajei com ele na mesma caminhonete que utilizava quando o mataram; levou-me até Chilecito, em sua província, La Rioja...”.

Pérez Esquivel lamenta muito não poder viajar a Cuba, onde o convidaram. Espera que o encontro pessoal do Papa com Fidel Castro – que o porta-voz papal acaba de confirmar – possa realmente acontecer. Da Argentina, acompanhará em oração seus dois amigos, Bergoglio e Fidel. “Em família rezamos por ele todos os dias”, afirma. Em seguida, a atenção se concentra na América Latina...

A entrevista é de Alver Metalli, publicada por Tierras d’America, 17-09-2015. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Quando observamos o panorama internacional, vemos que a Igreja do Papa Francisco está muito envolvida nos conflitos regionais. O caso mais emblemático é Cuba, mas há muitos outros pontos quentes, entre Bolívia e Chile, entre Venezuela e Colômbia, entre Nicarágua e Costa Rica, entre Haiti e República Dominicana, as negações de paz entre o governo e a guerrilha em Cuba. Em todas estas situações, a Igreja ofereceu mediações, bons ofícios, abriu canais, aproximou as partes e propiciou acordos. O que mudou na Igreja de Francisco?

Sobretudo, duas coisas: a primeira, que hoje à cabeça da Igreja está um homem que pertence a América Latina; a segunda, que este homem é um pastor que se preocupa com o destino de povos que conhece perfeitamente. Acredito que o papel ativo da Igreja na América Latina, nos conflitos que você enumerou, mas também em outros – pensemos na questão indígena que é fonte de enfrentamentos dentro de um mesmo país -, está estreitamente relacionado com a pastoralidade do Papa. A misericórdia, que é um pilar de sua concepção de Igreja, em Francisco é também uma categoria política, ou, ao menos, também tem uma flexão deste tipo. Os indígenas colombianos de Cauca têm uma expressão que resume muito bem a reflexão que estamos fazendo: “A palavra sem ação é o vazio e a ação fora da pertença à comunidade é a morte”. Em Francisco, a palavra é uma energia que move e um ensinamento que ressuscita e recria a esperança nas pessoas.

O papa Francisco é católico? Parece que a revista Newsweek tem dúvidas a esse respeito...

É universal e, portanto, católico, muito mais que seus antecessores. Pelas razões que acabo de dizer. O Papa Francisco chegou até periferias geográficas e existenciais, onde nenhum outro havia chegado antes. Inclusive, no plano ecumênico. Estive em uma reunião no Vaticano e quando estava saindo me encontrei em meio a uma grande quantidade de rabinos. Seu ecumenismo rompe compartimentos rígidos, estruturas congeladas.

Detenhamo-nos em Cuba, na vigília da viagem provavelmente mais complexa do Papa Francisco. Uma abertura como esta que estamos assistindo era quase impensável há alguns meses...

Eu a estava esperando...

Como estava esperando-a?

(Sorri) Eu estava em Santa Marta com Francisco, no dia 11 de maio, no dia seguinte a sua reunião com Raúl Castro...

E ele lhe antecipou algo?

(Dúvida) Posso lhe dizer que havia ficado muito impressionado com Raúl Castro; descreveu-lhe como um homem muito pragmático e muito claro em suas decisões, em sua visão das coisas, em sua linha de ação reformadora.

Conhece-o pessoalmente?

Sou amigo dessa pessoa... (Pérez Esquivel destaca uma foto na parede onde está com um Fidel Castro robusto e em forma). Não se pode esquecer que ele – Fidel – e seu irmão se formaram com os jesuítas e que, ao longo do tempo, mantiveram relação com vários bispos. Posso lhe dizer, por experiência pessoal, que sente um grande respeito pelos crentes.

O descongelamento trouxe consigo uma série de contragolpes e pequenas e grandes mudanças que estamos observando quase todos os dias. Como você vê a situação?

Confio-lhe uma informação. Há quatro meses, recebi uma carta de Obama, uma longa carta de três páginas e meia em resposta ao que nós, alguns prêmio Nobel, havíamos escrito, recordando-lhe que durante a campanha eleitoral havia se comprometido a colocar fim às guerras e a fechar as prisões de Guantánamo e Abu Ghraib. Na carta, disse-me que concorda comigo, que é justo abandonar o uso da tortura, que é preciso avançar no caminho da pacificação regional, etc., mas admite que enfrenta dificuldades políticas, que chegou a um ponto a partir do qual é muito difícil superar as resistências, porque a maioria republicana do Congresso não acompanha as mudanças. Esperamos que persevere e não se deixe dominar pelas resistências que estão cercando ele, coisa que por outra parte também acontece com o Papa.

Evo Morales disse que a vida do Papa corre perigo e o comentarista de uma importante cadeia de televisão dos Estados Unidos disse que Francisco era “o homem mais perigoso do mundo”. Você acredita que, realmente, a integridade física do Papa corre perigo?

Não me surpreende. De qualquer modo, ele não tem medo. Sente que tem uma missão e está decidido a cumpri-la. Na América Latina percebemos sua firmeza.

A Argentina está perto de uma mudança de governo...

A situação política da Argentina é complexa. A liderança política atual está provocando muito dano à possibilidade de uma recuperação. Nós lutamos contra a ditadura para recuperar as liberdades públicas e a democracia, uma democracia que ninguém nos presenteia, uma democracia que se constrói cotidianamente. Ao contrário, vemos mais violência, mais discriminação.

O Papa também está preocupado?

Em momento algum deixa de pensar na Argentina. Presta muita atenção ao que está ocorrendo, sei disto por ele e sei por outros. Está preocupado...

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