(Re)Ver as Metrópoles é (re)ver as políticas públicas

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02 Setembro 2015

Para Dirce Koga a revisão das políticas públicas passa por encarar os territórios urbanos em suas complexidades constituintes

Dirce Koga, em conferência na Sala Ignacio 
Ellacuría, no IHU.

Fotos: Ricardo Machado/IHU

Um morador de rua, ao tentar ser mediador de um possível diálogo, interpela sua companheira de território na tentativa de convencê-la a atender a assistente social. A resposta da mulher vem rápido como um disparo: “Diz para ela que eu não ?" Esta pequena e verídica anedota contada por Dirce Koga, durante sua conferência na sala Ignacio Ellacuría e Companheiros no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, é ilustrativa para pensarmos os desafios das políticas públicas nas Metrópoles.

“Esta é uma forma que a moradora de rua encontrou para ressignificar o sentido de morar na rua. E essa é uma resistência forte na Metrópole, em que mesmo morando no meio do caos, da rua, da ausência total do Estado, prefere não ter a ajuda que lhe é oferecida”, reflete Dirce Koga. A conferência de Dirce Koga integra o 2º Ciclo de Estudos Metrópoles, Políticas Públicas e Tecnologias de Governo. Territórios, governamento da vida e o comum.

Força e Resistência

Com seu jeito e sorriso nipônico, Dirce debateu questões fundo de com relação a forma como tradicionalmente observamos as metrópoles, prendendo a atenção de uma plateia de mais de 70 alunos na noite da terça-feira, 1-09-2015. “No nosso trabalho, devemos tentar captar os atores com quem atuamos nessa luta de resistência, na violência forte das realidades. É quando encaramos as questões nesta perspectiva é que percebemos que determinados sujeitos, normalmente considerados os mais frágeis, são os que nos ensinam e guardam experiências de força e resistência”, ressalta.

Banalização da vida humana

A aurora do século XXI fez emergir uma realidade inédita na multimilenar história das sociedades humanas: pela primeira vez a população urbana ultrapassou a população rural. Isso significa que na escala das metrópoles tudo é sempre muito numeroso, inclusive os desafios, em um contexto em que as vidas humanas tornam-se, às vezes, um dado meramente quantitativo.

“Ao lado desta experiência quantitativa temos a vivência, que é mensurada pela qualidade das vidas, tão distintas, tão peculiares”, analisa. “É nesse contexto que está um dos grandes desafios das políticas públicas e em como dar respostas a este cenário tão particular que é, ao mesmo tempo, o do stress e da quantidade que banaliza a condição humana”, complementa.

Texto, Contextos, Subcontexto

A professora lembra que nossa redemocratização é um processo, relativamente, jovem, mas que mesmo assim conseguimos excelentes avanços no que se refere ao texto. “O texto constitucional é, sem dúvida um avanço e a própria política acaba trazendo à sociedade estas referências importantes do ponto de vista da regulação da vida democrática e da regulação dos direitos”, argumenta.

 

Entretanto, ao pensar os contextos, Dirce Koga aponta um dos principais desafios à realização das políticas públicas. “Embora tenhamos avançado nos textos, não conseguimos avançar na contextualização. O modo como planejamos e operacionalizamos a política pública, ainda é um modo em que o ponto de partida ou a referência não é o contexto. Ao pensarmos política pública, damos as costas à realidade brasileira e ficamos de frente com nossas institucionalidades”, critica.

Frente as multiplicidades que emergem na metrópole, os subcontextos permanecem invisíveis como uma espécie de desconhecido das políticas públicas. “Lidamos com a metrópole como se fosse um ajuntamento de cidades pequenas. Mas no Brasil, as cidades, do ponto de vista da política pública,funcionam com uma espécie de cidade fantasma ou cidade fantasia. Dificilmente consideramos as particularidades das cidades brasileiras e por isso pensamos as políticas públicas de forma homogeinizante”, pondera.

Contradições

Um exemplo um tanto quanto claro para entendermos, na prática, as contradições dos processos de composição e implementação das políticas públicas, é o horário do funcionamento dos postos de saúde, que normalmente atendem entre 8 horas e 17 horas, justamente, no horário em que as pessoas estão no trabalho. Some-se a isso o critério territorial como o condicionante do atendimento.

“A política não se adapta às nossas regras de vivência. A dinâmica administrativa da política vai para uma direção e o cotidiano vai para outra”, explica. “Um exemplo é a exigência de que determinados serviços públicos sejam atendidos por quem mora próximo. Se você tem um serviço público ao lado de sua casa, que funciona no horário em que está no trabalho, você fica de fora do atendimento. Isso porque também não pode não pode usar aquele próximo ao seu trabalho porque o critério é a proximidade. O problema é que somos cada vez mais nômades e, além disso, a metrópole não condiz com a rigidez da política pública”, destaca.

"A política não se adapta às nossas regras de vivência. A dinâmica administrativa da política vai para uma direção e o cotidiano vai para outra"

 

Distância

Dirce ressalta que há uma incompatibilidade brutal entre a realidade metropolitana e as políticas públicas. “O que vai se configurando no dia a dia da metrópole é um conflito de tempos e de interesses, que dá impressão que a metrópole está anos luz à frente da política pública”, aponta.

Ao analisar tais particularidades, ela destaca que mesmo programas como o Minha Casa, Minha Vida, que prentendem melhorar as condições de vida da população, mostram-se insuficientes pela maneira como são concebidos. “Muitas vezes onde estas residências são construídas não há sequer o serviço instalado, não há creche, não há escola, não há posto de saúde, não há transporte. Há, sim, uma casa, mas não há serviços”, analisa.

Diversidade

“Se queremos uma política pública que atenda a diversidade dos territórios, temos que encará-lo como um ator e protagonista da política pública, não somente como ponto de chegada, mas como ponto de partida. Esse é o grande desafio da Metrópole”, apresenta Dirce. “O nosso modo tradicional de entender a cidade é descrevendo-a. Fazer outra coisa é difícil porque significa romper com algumas normas da ciência e alguns vícios que temos na academia e na política pública que tenta quantificar e tipificar nossas cidades. Mas temos que tentar romper com a visão administrativa e tentar entender a cidade em sua complexidade”, propõe a professora.

Quem é Dirce Koga

Dirce Harue Ueno Koga é graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Possui mestrado, doutorado e pós-doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Atualmente é pesquisadora, professora titular da Universidade Cruzeiro do Sul e Coordenadora do Programa de Mestrado em Políticas Sociais na mesma universidade. Ainda é professora assistente da PUC–SP, no Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social. Coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas Cidades e Territórios junto ao Programa de Mestrado em Políticas Sociais da Universidade Cruzeiro do Sul.

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