Martini, a renúncia de Bento XVI e o conclave de 2005

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20 Julho 2015

As confidências do biblista padre Silvano Fausti, jesuíta, que morreu no último dia 24 de junho, confessor e guia espiritual do cardeal Carlo Maria Martini, reacenderam os holofotes sobre o papel desempenhado pelo ex-arcebispo de Milão no conclave de 2005, que elegeu Bento XVI.

A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 17-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Em uma vídeo-entrevista (GliStatiGenerali.com), Fausti relata dois episódios. Um relativo à renúncia do Papa Ratzinger e a aquela última conversa com Martini, ocorrido em Milão, no dia 2 de junho de 2012, por ocasião do Encontro Mundial das Famílias.

O purpurado jesuíta, gravemente doente com Parkinson (ele morreria três meses depois), encontrou-se com Ratzinger no início da tarde, no arcebispado.

Naquela ocasião, segundo o relato de Fausti, Martini disse a Bento XVI que havia chegado o momento de ele renunciar, porque a Cúria Romana parecia ser irreformável: "É justamente agora, aqui não se consegue fazer nada".

O padre Fausti é uma fonte de primeira mão, dada a relação que o ligava a Martini. Além disso, é bem conhecido que Ratzinger e Martini se estimavam, embora a partir de posições diferentes. Não há dúvida de que, com franqueza, em um momento doloroso para a Santa Sé, no meio do escândalo Vatileaks, o arcebispo emérito de Milão tenha sugerido a renúncia a Bento XVI.

Sabe-se também que o Papa Ratzinger tinha em mente a possibilidade de renunciar há algum tempo, provavelmente desde o início do seu pontificado. Ele tinha vivido perto os últimos anos de João Paulo II e tinha visto como a doença do pontífice havia aumentado o poder da sua comitiva.

Além disso, o que atesta a reflexão de Bento XVI sobre a possibilidade da renúncia é o livro-entrevista com Peter Seewald ("Luz do mundo"), publicado em novembro de 2010. Por admissão dos seus colaboradores mais próximos, também se sabe que a decisão foi tomada por Ratzinger após a viagem para o México e Cuba, em março de 2012. O pontífice tinha voltado exausto daquela travessia intercontinental e tinha tomado consciência de que não conseguiria cumprir a viagem já programada para o Brasil, para a Jornada Mundial Juventude em julho de 2013.

Nessa situação, inseriu-se o escândalo do Vatileaks, que, paradoxalmente, não acelerou a renúncia, mas a atrasou.

O secretário de Estado de Bento XVI, Tarcisio Bertone, declarou ter recebido a comunicação da decisão da renúncia "em meados de 2012", portanto, presumivelmente, no mês de junho. O mesmo foi contado pelo bispo Georg Gänswein, prefeito da Casa Pontifícia e secretário particular de Ratzinger. Dom Georg desmente categoricamente que a razão para a renúncia esteja ligada ao Vatileaks, observando que o anúncio chegou depois da conclusão do caso, isto é, depois do fim do processo contra o mordomo Paolo Gabriele e a audiência com Bento XVI, que o perdoou.

Tanto Bertone quanto Gänswein haviam tentado – em vão – convencer Ratzinger a permanecer no cargo. Nesse contexto, colocam-se as palavras de Martini. Não é possível saber se Bento XVI, no último breve encontro no arcebispado no dia 2 de junho, falou com Martini sobre as suas intenções. É mais provável que tenha sido o cardeal jesuíta que lhe falou sobre isso, como o padre Fausti relata.

Muito mais complexas de decifrar são as confidências do padre Fausti sobre o conclave de 2005, quando, segundo a sua reconstrução, Martini teria deslocado os seus consensos para Ratzinger, para evitar "jogos sujos" que visavam a eliminar todos os dois para eleger "um da Cúria, muito rastejante, que não conseguiu".

Segundo Fausti, Ratzinger e Martini "tinham mais votos, Martini um pouco mais". Teria havido uma manobra para eleger um purpurado curial. "Descoberto o truque, Martini foi à noite ao encontro de Ratzinger e lhe disse: 'Aceite amanhã se tornar papa com os meus votos'." Tratava-se de fazer limpeza. "Ele lhe dissera: 'Aceite você, que está na Cúria há 30 anos e é inteligente e honesto: se conseguir reformar a Cúria, bom, senão vá embora".

Dada a autoridade da fonte e o seu papel de confessor e diretor espiritual de Martini, não há motivo para duvidar do fato de que o arcebispo emérito de Milão, naquele seu primeiro e único conclave, finalmente votou e fez os seus apoiadores votarem em Ratzinger.

No entanto, continua sendo discutível e discutida a parte que atribui a Martini um pacote de votos importantes e, ao menos inicialmente, até mesmo superiores aos dos Ratzinger. Não há dúvida de que, naquela eleição papal, o único grupo organizado, que tinha começado há muito tempo uma obra de convencimento dos outros cardeais, era o dos apoiadores de Ratzinger.

Trabalhavam nesse sentido o cardeal Bertone, na época arcebispo de Gênova, durante anos número dois do purpurado bávaro na Congregação para a Doutrina da Fé; o cardeal colombiano curial Alfonso López Trujillo; diversos alunos de Ratzinger, entre os quais, por exemplo, o arcebispo de Viena, Christoph Schönborn.

Segundo as reconstruções mais credenciadas daquele conclave, o cardeal Joseph Ratzinger, personalidade reconhecida e respeitada mesmo por aqueles que estavam em posições diferentes, que tinha conduzido com grande equilíbrio e sabedoria como decano do colégio a fase do pré-conclave, tinha partido, desde a primeira votação da noite, com um consistente pacote de votos (entre 30 e 40, segundo alguns; mais de 40, segundo outros). O grupo dos apoiadores de Martini haviam totalizado muitos menos (cerca de 10).

O arcebispo emérito de Milão, já doente de Parkinson (a mesma doença que atingira João Paulo II, o papa recentemente falecido), tinha aceitado ser candidato, mas apenas "de bandeira", para permitir que os seus apoiadores contassem, deixando bem claro que, por causa das suas condições de sua saúde, ele não aceitaria a eleição.

O segundo votado naquele conclave, portanto, não foi Martini, mas Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, que, de acordo com a reconstrução oferecida por Lucio Brunelli na revista Limes, graças à publicação do diário de um purpurado, alcançou na terceira votação do conclave (a segunda da manhã do dia da eleição) nada menos do que 40 votos. Um pacote substancial, que agitou os apoiadores de Ratzinger.

Foi decisivo a hora do almoço. Tendo voltado à Capela Sistina, os purpurados, na quarta votação, elegeram Bento XVI. Não é difícil imaginar que, diante da possibilidade de soluções improvisadas no caso de um impasse que levaria, no terceiro dia do conclave, a novas candidaturas em relação às duas principais que haviam surgido, Martini tenha preferido apoiar uma personalidade como a de Ratzinger.

Mas também existem outros testemunhos, segundo os quais, na hora do almoço daquele 19 de abril, alguns purpurados, incluindo Martini, teriam tido a percepção de que o dia podia se concluir sem a eleição. E isso eliminaria da corrida tanto Ratzinger – que havia aceitado a candidatura contanto que a eleição fosse rápida e não dividisse o Colégio Cardinalício –, quanto o segundo mais votado, isto é, Bergoglio. O que faria despontar um terceiro candidato, que até aquele momento tinha permanecido na sombra.

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