O Papa Francisco não é nenhum marxista, mas não se engane: ele irá desafiar a principal potência capitalista do mundo

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20 Julho 2015

"Este papa latino-americano teve uma vista privilegiada dos resultados reais da deificação da América do Norte, como ele diz, para com o livre mercado, uma idolatria ideológica que se mostra, principalmente, benigna em manuais de economia", escreve Kevin Clarke, editor e correspondente da revista America, em análise publicada pelo jornal The Washington Post, 14-07-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Kevin Clarke escreveu “Oscar Romero: Love Must Win Out” (Liturgical Press).

Eis a análise.

Parafraseando uma piada que circula nos círculos jesuítas: O Papa Francisco é o melhor na humildade. Ele provou isso novamente em seu voo de volta a Roma vindo da América do Sul, ocasião em que admitiu abertamente que “foi um erro meu” não ter falado mais sobre as lutas de classe média no mundo. Uma crítica com palavras duras do capitalismo desenfreado na Bolívia havia sido a sua mais recente denúncia de uma economia do descarte e o anúncio da necessidade de uma maior atenção sistêmica para a situação difícil pobres do mundo.

Durante uma de suas entrevistas coletivas com tema livre a bordo de seu avião, evento que já se tornou uma marca registrada do atual pontificado, o Papa Francisco explicou aos repórteres que, devido ao fato de os pobres estarem no “coração do Evangelho”, eles desfrutam de uma opção preferencial na atenção que ele lhes reserva.

Mas ele também agradeceu a um repórter por tê-lo lembrado de seu dever também de advogar em favor da classe média no mundo, e garantiu que iria voltar sua atenção para as suas preocupações após a adequada e devida diligência jesuítica de estudo e reflexão.

Ainda que muitos possam pensar que um sujeito como Francisco poderia se acomodar na pretensa – e muitas vezes erroneamente compreendida – infalibilidade de seu ofício, este pontífice parece completamente à vontade com a capacidade totalmente humana de errar e aceitar correções, isso mesmo vindo de ambientes tão improváveis, como um grupo de jornalistas a bordo de um avião.

Dificilmente, no entanto, este constituiu o seu pedido de desculpas mais significativo. Num discurso na Bolívia, ele deu sequência a um pedido de desculpas anterior do Papa João Paulo II para expressar, com mais humildade, o arrependimento pelas transgressões que a Igreja cometeu contra os povos nativos do Novo Mundo.

Estas observações na América Latina dão o tom do que provavelmente serão as principais preocupações de sua alocução sem precedentes diante do Congresso americano em setembro. Aqueles cujo coração batem um pouco mais rápido durante as historinhas de dormir, de um capitalismo laissez-faire do século XIX, devem apertar os cintos quando Francisco viver a Washington. “Reina a ambição desenfreada de dinheiro”, disse ele na Bolívia, o que conduz a um planeta ignorante, envenenado com o “esterco do diabo”. Não exatamente de forma sutil, mas às vezes o Papa Francisco tem de desempenhar o papel de profeta e dizer as coisas difíceis que podem despertar as consciências de primeiro mundo.

Este papa latino-americano teve uma vista privilegiada dos resultados reais da deificação da América do Norte, como ele diz, para com o livre mercado, uma idolatria ideológica que se mostra, principalmente, benigna em manuais de economia, mas que pode produzir resultados feios fora das salas de aula: degradação ecológica, escravidão assalariada, e outros.

O Papa Francisco, em consonância com uma longa história de tradição social católica, pensa que há uma maneira melhor para ordenar a economia mundial – uma maneira que os seus antecessores imediatos promoveram timidamente. Mas a sua crítica à atual ordem mundial não será, provavelmente, bem-vinda em um país que permanece presunçosamente convencido de sua excepcionalidade e de uma da reivindicação de infalibilidade histórica que faria corar qualquer pontífice.

Haverá, sem dúvida, acusações lançadas contra o Papa Francisco quando ele falar, nos EUA, de sua preocupação para com a criação, com os pobres do mundo e, aparentemente em breve, com a classe média. Alguns têm já tentaram descartar a sua crítica do excesso capitalista como sendo um “socialismo”, tocando num assunto bastante negativo presente na psique americana com a intenção de encerrar qualquer deliberação inteligente da mensagem exigente deste papa.

Mas o papa não é um marxista; ele não é uma espécie de político revolucionário. Ele é, como ele mesmo disse, acima de tudo um pecador e um cristão. O papa já reconheceu que o magistério católico em si não irá prescrever reformas socioeconômicas específicas para o futuro mais justo que ele aguarda e deseja. Tal trabalho ficará para nós realizá-lo.

O Papa Francisco não está interessado em mudar os sistemas políticos ou econômicos, e sim em transformar os corações; ele está interessado nos atos de conversão pessoal que podem levar à transformação social. Ele não está convidando apenas a uma mitigação do sofrimento dos pobres ou reformas dos mercados globais, mas a mudar o que é redentor para todos.

A sua revolução é uma revolução da consciência de que “salva” a minúscula percentagem de ricos do mundo daquele pântano espiritual do materialismo, na medida em que este resgata bilhões ao redor do mundo das privações agudas da pobreza.

Ele não veio para professar o socialismo, mas para proclamar um princípio moral social: de que uma ordem econômica justa – uma ordem bem dentro do nosso alcance – é uma que serve às pessoas e protege a Terra, e não uma que exaure as pessoas e a criação como objetos descartáveis. Esta não será uma mensagem muito bem recebida nos Estados Unidos, mas é uma mensagem que a principal potência capitalista – e a maior consumidora da enorme generosidade da Terra – precisa ouvir.

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