''Os muçulmanos devem se oferecer como escudos humanos para igrejas e sinagogas''

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25 Fevereiro 2015

Hamza Piccardo esteve entre os primeiros italianos convertidos ao Islã, há 40 anos, em 1975, virando as costas para a militância juvenil na extrema esquerda de Imperia. Vinte anos depois, publicou a tradução do Alcorão, ainda em uso nas comunidades muçulmanas da península, que chegou a 250 mil exemplares distribuídos.

A reportagem é de Gad Lerner, publicada no jornal La Repubblica, 24-02-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Agora que está prestes a completar 63 anos, muitos dos quais passados no topo da Ucoii (União das Comunidades Islâmicas da Itália), ele dá espaço para o seu filho David Piccardo, que nessa segunda-feira, no Viminale [Ministério do Interior italiano], participou de um encontro com o ministro Alfano, preferindo esculpir para si um papel de batedor livre na galáxia não homogênea da Irmandade Muçulmana.

"Especifiquemos que, com a Irmandade Muçulmana, tenho uma proximidade amigável, mas não sou um membro orgânico da congregação. Hoje, nas nossas comunidades islâmicas, que se opõem tanto às petromonarquias quanto ao IS, está se manifestando uma dialética importante: por um lado, os muçulmanos dialogantes; por outro, a tendência dos puros e duros que – a meu ver, equivocando-se – interpretam a guerra em curso como inevitável empurrão contra o Ocidente e o sionismo".

Eis a entrevista.

É por isso que ainda não foi pronunciada uma excomunhão definitiva, com o termo takfir (apóstata), aos seguidores do chamado Califado?

Você está errado. Várias autoridades islâmicas já condenaram sem meios termos os crimes do IS, definindo-os como incompatíveis com a nossa fé. Só que a expressão takfir, segundo a jurisprudência islâmica, se refere à relação íntima entre o crente individual e Alá. Não se pode abusar dela.

O senhor vai admitir que o avanço do IS marca uma trágica involução histórica do Islã.

Já vivemos outras, esta também vai passar. O fascínio do uniforme preto, a ferocidade ostentada pode exercer um apelo em algum rapaz apaixonado pelos filmes do Zorro, mas eu asseguro a você que estamos registrando um fluxo de conversões ao verdadeiro Islã que não tem nada a ver com o IS: uma operação montada artisticamente, com a conivência de muitos atores externos interessados em desestabilizar o mundo sunita. Quem pode acreditar realmente que os camelos vão chegar a beber nas fontes de São Pedro? O IS vai desaparecer assim como apareceu, quando não servir mais. Isso não significa que eu subestime a tragédia em curso, especialmente para milhões de refugiados.

O senhor não teme a influência que a propaganda dos degoladores exerce sobre as novas gerações de muçulmanos, também na Itália?

Eu constato, com efeito, uma espécie de pulsão milenar. A ilusão de resolver, através de um desempenho muscular, as polêmicas internacionais. Mas o Islã europeu tem uma vocação dialogante. Ele aprecia as diferenças. Reconhece as diversas sensibilidades internas à Itália, à Europa, aos Estados Unidos, com as quais podemos nos defrontar de maneira profícua. Eu penso no papel positivo da Igreja, nas críticas ao sistema dominante formuladas pelos movimentos sociais e ambientalistas, na reivindicação de uma cidadania plural.

Que impressão o senhor teve ao ver uma corrente humana de muçulmanos noruegueses que cercaram, em solidariedade, a sinagoga de Oslo?

Muito bem-vinda. A proteção dos povos do Livro é um preceito da nossa fé. Vou lhe dizer mais. O atentado contra o Krudttønden Café de Copenhague, onde estava sendo realizado um debate livre, me deu uma ideia.

Qual?

Seria bonito se um certo número de expoentes islâmicos, eu também me incluo, decidissem se oferecer como escudos humanos por ocasião de futuros eventos semelhantes. Embora isso não substitua, naturalmente, a necessidade de um trabalho de vigilância das forças de ordem.

O senhor seria um escudo humano também para uma reunião na qual participasse Lars Vilks, o autor das caricaturas satíricas de Maomé?

Eu considero essas caricaturas blasfemas e inutilmente ofensivas. Mas, do ponto de vista humano, tenho o dever de proteger a incolumidade de toda criatura, incluindo Lars Vilks. A expansão do Islã no mundo contemporâneo, a não ser em situações particulares, não pode contemplar o uso das armas para alcançar o seu objetivo de conversão.

O senhor não será acusado de apostasia, depois de afirmações como essa?

Veja, o convertido muitas vezes começa com o zelo do neófito. Quantos de nós, no momento da conversão, jogaram fora os livros e os discos. Depois, fomos pegá-los de volta. Recita um verso do Alcorão: "Há sinais para aqueles que têm intelecto". Não basta aprender o Alcorão de cor, é preciso compreendê-lo e, portanto, também interpretá-lo. O literalismo trai o espírito, fingindo respeitar a letra.

O senhor fez diversas peregrinações a Meca e viu a sua mudança. Que reação a "nova" Meca pode provocar em um crente?

É um choque cultural se deparar com o luxo e com o consumismo com que o regime saudita tem circundado o nosso lugar mais sagrado. Chegamos ao limite da profanação. Pode derivar daí, entre os peregrinos, uma repulsa perigosa. Tudo em vantagem da erva daninha do literalismo. Nós não queremos ter nada a ver nem com um regime ávido como o saudita, nem com o IS, que é uma derivação dele, não totalmente imprevista, aliás.

O seu filho Davide participou do encontro das comunidades islâmicas com o ministro Alfano. Quais são as suas expectativas?

Alfano poderia ter poupado a frase sobre o Islã que atira e o Islã que reza. Mas o encontro do Viminale é positivo, especialmente se favorecer a completa emergência das comunidades islâmicas. Nós somos cidadãos engajados também no plano da segurança, assim como em uma luta de tipo espiritual e cultural. Ao mesmo tempo, pedimos proteção e respeito: você viu o vídeo do Repubblica.it em que um jovem vestido de imã recebe olhares e palavras hostis ao passear pelo centro de Milão?

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