‘Se entendermos a floresta não será preciso derrubar um galho de árvore’

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17 Dezembro 2015

Pesquisador pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) com trajetória científica reconhecida em todo o mundo, Niro Higuchi, ressaltou a importância da floresta amazônica para o desenvolvimento econômico e social do planeta.

Membro titular da Academia Nacional de Engenharia (ANE) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o pesquisador destacou a importância da formação de recursos humanos altamente qualificados que sejam capazes de entender as interações e associações que ocorrem com a floresta amazônica. Para ele, não é possível tentar utilizar a floresta amazônica sem conhecimento de alto nível.

A entrevista foi publicada por Envolverde, 16-12-2015.

Eis a entrevista.

Em um momento no qual os líderes de todos os países estiveram reunidos para discutir a preservação ambiental e muito se discute, principalmente, sobre o papel da Amazônia, como temos contribuído em um cenário mundial com a preservação do meio ambiente

A floresta amazônica é a maior floresta contínua do mundo e está relativamente preservada. Diria, hoje, que a nossa estimativa não alcança 15% do desmatamento da Amazônia. Então, temos 85% de uma área gigantesca preservada, ou seja, 450 milhões de hectares. Só este fato ganha uma importância enorme, pois com esse bioma preservado, há ainda muita possibilidade de entender como eles funcionam em condições naturais e como poderão responder quando alterado ou modificado, ou, até mesmo, quando impactado por outro tipo de uso da terra. Portanto, o papel da Amazônia no ambiente mundial é extremamente relevante apesar de que ainda é pouco conhecido. Mas, diante do desconhecido é melhor seguir a estratégia de preservar o bioma.

Relaciona-se a preservação da Amazônia como uma maneira de brecar as mudanças climáticas. Isto é possível ou esse processo de mudanças no clima alcançou um estágio irreversível?

Vamos falar no singular. A mudança climática foi identificada com um aumento de temperatura no planeta Terra no período de 1880 até 2004, e depois eles estenderam esse prazo até 2012, então foi constatado um aumento de temperatura, um aquecimento global, isto é, uma mudança climática. Mas, tudo isso foi causado pela tecnologia. O que eu quero dizer é que se você colocar a floresta amazônica e compará-la com todos os outros tipos de atividades, todas as outras atividades do ser humano envolvem tecnologia.

Mais de 80% das emissões e do estoque de gás de efeito estufa na atmosfera foram causados por causa do desenvolvimento tecnológico. Então, o desmatamento, seja da Amazônia ou de qualquer floresta, contribui com menos de 20% nesses gases de efeito estufa e esses gases são o que realmente causam todas essas ‘dores de cabeça’ para o planeta Terra.

Olhando apenas por esse aspecto, se resolver o problema do desmatamento da Amazônia, resolvo apenas 20% do problema, isso se todo o desmatamento fosse na Amazônia, o que não é. O que nós temos de resolver é todo 100% e 80% dependem da tecnologia. Para ser muito objetivo, a tecnologia criou o problema que levou ao aquecimento global e não tem alternativa, é a tecnologia que tem de achar uma solução para resolver essa questão de mudança climática.

E qual seria essa alternativa?

O clássico do clássico era você desmatar e substituir a floresta por outro uso de terra, como por exemplo, a agropecuária, a produção de alimentos entre outros, porém não é o que ocorre. Temos uma floresta que foi desenvolvida há milhares de anos e para essa floresta ter se desenvolvido, ela dependeu de muitas interações com o solo, com o clima, com todos os seres vivos de todos os ecossistemas. Então, quando você tem todo esse processo evolutivo, muito conhecimento é agregado a isso.

Teríamos que tentar entender como, por exemplo, essas plantas se desenvolvem e aproveitar delas esse banco de informações. Se a gente conseguisse utilizar a floresta, utilizando apenas o banco de informações, não seria preciso derrubar um galho de árvore. Mas, se a gente for para um lado mais prático, o que se fala muito é da biodiversidade e ela não demanda destruição de floresta. Você pode utilizar a biodiversidade e agregar muito valor a essa floresta, mantendo todos os serviços ambientais da mesma.

Nós temos condições, só depende do conhecimento, da geração de tecnologia para aproveitar a floresta apenas das informações que estas desenvolveram ao longo do seu tempo.

Como a pesquisa científica pode auxiliar em todo este processo de conservação ambiental, desenvolvimento e controle do desmatamento?

A floresta Amazônica é uma floresta extremamente complexa, heterogênea e igualmente frágil e estamos diante desse tipo de informação. Não é possível tentar utilizar esse tipo de floresta sem conhecimento, conhecimento de alto nível.

Tudo tem que começar pela pesquisa básica e temos de entender, realmente, como essa floresta e todas as suas interações e associações funcionam em condições naturais. Depois de entendermos isso, nós temos condições de prever ou desenvolver alguma estratégia de mitigação dos efeitos dessas intervenções. Isso demanda muito estudo científico e, principalmente, conhecimento básico.

Em meados de 2012, o senhor declarou que a floresta Amazônica sequestrava da atmosfera cerca de uma tonelada de carbono por hectare ao ano. Esse valor aumentou? Conseguimos mensurar o impacto do desmatamento neste processo?

Esse estudo é muito localizado, é um estudo baseado apenas nas informações que nós coletamos na nossa estação experimental em poucas parcelas, e é um estudo de certo prazo, são quase trinta anos de observações.

Então, ao longo desse tempo, nesse pequeno espaço de floresta, nós observamos que essa floresta, em condições naturais, tem tido capacidade de sequestrar uma tonelada de carbono da por hectare/ano. A pergunta que se faz é se eu posso extrapolar isso para toda a Amazônia e se isso vai acontecer em toda a região. Se isso acontecer em toda a Amazônia, a floresta, só em termos de sequestro de carbono, ou seja, de limpeza da atmosfera, tem um papel extraordinário, pois essa capacidade de sequestro tem condições de neutralizar todo o carbono emitido pelo Brasil.

Temos um Código Florestal vigente que, mesmo necessitando ser readequado a determinadas realidades regionais, trouxe um avanço. Na sua avaliação, qual política adequada para conservação da floresta Amazônica?

Quando falamos em quadro florestal, temos de lembrar que o primeiro quadro florestal, de fato, foi aprovado em 1932, depois em 1965 e, finalmente, em 2012. Então, na realidade, nós temos três Códigos Florestais que, se olharmos historicamente, de 1932 a Mata Atlântica praticamente desapareceu, o cerrado foi muito impactado com o uso da terra, e outros biomas no Brasil também sofreram grandes impactos desde 1932.

Então, o Código Florestal não resolveu o problema e quando comparamos os três Códigos, pouca coisa mudou e todos eles tinham como premissa básica, conter o desmatamento, o que não funcionou.

No ponto de vista relativo, nós temos um desmatamento de apenas 15%, mas no ponto de vista absoluto, o desmatamento na Amazônia é muito grande, principalmente se você olhar o retorno (social, rural ou financeiro) que esse desmatamento foi dado para a região Amazônica. Eu acredito que a grande novidade do novo Código Florestal é a introdução do cadastro ambiental rural, que irá trazer um controle melhor da terra, da propriedade. Se nós conseguirmos implementá-lo, nós vamos ter uma grande arma contra o desmatamento de fato. Mas a gente nunca pode ter certeza que a lei, realmente, será cumprida. Então nós temos de esperar, pois nós temos uma lei muito interessante, bonita, bem cuidada, mas há poucos investimentos de pessoal, de equipamento, pra licenciar e fiscalizar.

Como o senhor acredita que a floresta Amazônica estará daqui a dez anos?

Se nós considerarmos apenas a ação do homem, com a diminuição das taxas de desmatamento nos últimos dez anos, então diria que a Amazônia vai ter, do ponto de vista de paisagem, uma modificação pequena. No entanto, o que nós temos observado é que ações naturais, consequência ou não da mudança climática, tem ocasionado na paisagem amazônica uma mudança muito maior e mais intensa que a própria ação humana, principalmente por causa das secas e das tempestades.

Portanto, a paisagem irá mudar muito pouco, dependendo apenas a ação antrópica que, por incrível que pareça, é muito mais previsível do que a ação natural que a gente perdeu completamente o controle.

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