Panorama ambiental da Região Metropolitana de Porto Alegre

Foto: Tafael Medeiros - Seinfra

Por: João Conceição, Guilherme Tenher e Marilene Maia | 03 Agosto 2020

As políticas públicas se tornam dispositivos de acesso a direitos cidadãos e ao enfrentamento das mais diversas vulnerabilidades presentes em nossa sociedade. Dado que o cenário atual impõe inúmeras adversidades, (re)pensar as políticas públicas no atual contexto, debatendo os principais desafios e possibilidades, torna-se uma tarefa urgente. A institucionalização da austeridade fiscal como paradigma político e o corte de gastos no orçamento público para áreas como meio ambiente impõem a necessidade de uma profunda discussão sobre os impactos destas políticas no cenário brasileiro.

Diante deste cenário, o ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, tem dedicado para tratar das políticas públicas, sistematizadas inicialmente no “Panorama social da Região Metropolitana de Porto Alegre”, agora também nesta publicação a temática do meio ambiente. 

Confira os principais pontos do panorama do meio ambiente:

 

58% da população não possui coleta de esgoto

 

Entre 2016 e 2017, de acordo com o Trata Brasil, o número de pessoas que não recebia água com regularidade adequada aumentou de 50.354 para 92.670, isto é, um aumento de 84% em apenas um ano. Para o último ano analisado, 6,5% da população ou 275.505 moravam em domicílios sem acesso à água tratada; esse número já chegou a 486.754 em 2010. A região ainda possui 2.464.631 domicílios sem acesso ao serviço de coleta de esgoto, o que significa 58,5% da população da Região Metropolitana de Porto Alegre.

Na Região Metropolitana de Porto Alegre, até 2017, apenas Esteio não tinha plano de saneamento. A partir de 2020, “a existência de plano de saneamento básico será condição para o acesso aos recursos orçamentários da União ou aos recursos de financiamentos geridos ou administrados por órgão ou entidade da administração pública federal, quando destinados a serviços de saneamento básico”, alerta a matéria publicada no IHU On-line.

Apesar da diminuição de internações por doenças associadas à falta de saneamento, a Região Metropolitana de Porto Alegre registrou 1.975 internações em 2017. Dentre elas, 1.802 eram por doenças gastrointestinais infecciosas. As internações por leptospirose, por exemplo, passaram de 114 para 155 entre 2010 e 2017. Na região, ainda há 4.494 moradias sem banheiro de uso exclusivo.

 

Falta de investimento em saneamento causou 6 mil demissões

 

Além do impacto na saúde, o investimento em saneamento tem resultados positivos no mercado de trabalho. O número total de empregos gerados pelos investimentos em saneamento na Região Metropolitana de Porto Alegre passou de 9.346 em 2010 para 3.184 em 2017. Esta movimentação contabiliza uma perda de 6.162 postos de trabalho. Isto equivale a aproximadamente duas demissões por dia durante os sete anos aqui analisados.

No ano de 2010, estimava-se que os investimentos em saneamento empregavam, diretamente, 2.501 pessoas na Região Metropolitana de Porto Alegre. Este número baixou para 852 trabalhadores em 2017, isto é, uma variação negativa de 65,9% no número de cidadãos admitidos nestas atividades. Da mesma forma, os empregos indiretos gerados por este tipo de investimento eram de 1.214 contratados em 2010, passando para 414 em 2017. Tal movimentação equivale também a uma perda de 65,9% no número de empregados. Ademais, contabilizou-se uma perda de 3.713 postos de trabalho entre 2010 e 2017 no número de empregos induzidos por investimentos em saneamento.

 

Um terço da água potável é desperdiçada em Porto Alegre 

 

Uma das consequência da falta de investimento em saneamento ao meio ambiente é o desperdício de água. Porto Alegre registrou um índice de perda na distribuição de água de 28,46% em 2017 devido a vazamentos, erros de leitura dos hidrômetros, furtos, entre outros fatores. Isto significa que, para cada 100 litros de água captada, tratada e pronta para ser distribuída, 28,46 litros ficaram pelo caminho. Este desperdício, além de causar ineficiência na cobertura populacional do serviço, fez com que a capital do Rio Grande do Sul deixasse de faturar 36% a mais em 2017.

As três cidades mais populosas da Região Metropolitana apresentaram dados acima daqueles calculados para o Brasil e para o Rio Grande do Sul.Além de Porto Alegre já citada, Canoas apresentou um percentual de 51,38% e Gravataí contabilizou 53,6%, ou seja, para cada 100 litros de água captada, 53,6 litros são desperdiçados no processo de distribuição. Relativo às perdas no faturamento, Porto Alegre deixou de faturar 36% do total de 2017 pela má distribuição de água. Canoas e Gravataí perderam mais da metade do valor faturado no mesmo ano, registrando índices de 52% e 54%, respectivamente.

 

Vale do Sinos é a região com maior potencial poluidor do estado do Rio Grande do Sul

 

A Região Metropolitana de Porto Alegre registrou em 2015 um Índice de Potencial Poluidor da Indústria - Inpp-I de 49,623. Este número é 7,16% maior que o registro de 2002. Este aumento fez com que a região representasse, em 2015, aproximadamente 53% do índice potencial poluidor do estado.

Canoas foi o município que contabilizou o maior Inpp-I em 2015, chegando a 17,112, número este 62% maior que o registro de 2002. A indústria canoense representa sozinha 19,4% do total calculado para o estado, posicionando-se em 1º lugar entre os municípios com maior potencial poluidor. Porto Alegre, em contrapartida, registrou uma queda de 28% no seu índice, também diminuindo sua participação no estado de 5% em 2002 para 3,62% em 2015.

Outro município com maior índice de potencial poluidor no ano de 2015 foi São Leopoldo com 1,672, posicionando-se em 10º lugar entre as demais municipalidades do estado. Novo Hamburgo, em seguida, com um índice de 1,323, posicionou-se na 13ª colocação. Em 2002, esse município estava na 7ª posição; isto significa que a indústria novo-hamburguense diminuiu sua participação potencial poluidora de 3% para 1,5% entre o período 2002-2015 no Rio Grande do Sul.

Segundo a reportagem da Fundação de Economia Estatística - FEE, responsável pela publicação do Inpp-I: “a economista Cristina dos Reis Martins detalha que “em 2015, quase a metade dos municípios gaúchos (242) dependiam de indústrias com alto potencial poluidor, enquanto apenas 25 municípios (5%) concentravam indústrias com baixo risco ambiental. Em relação à participação dos municípios no volume de produção potencialmente poluidora, em 2015, 59,5% desse volume ficou concentrado em apenas 10 municípios: Canoas, Triunfo, Gravataí, São Leopoldo, Porto Alegre, São Leopoldo, Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Rio Grande, Santa Cruz do Sul e Erechim. Destaca-se que seis entre esses municípios se encontram na Região Metropolitana de Porto Alegre e dois na Região Metropolitana da Serra“.”

 

Mina Guaíba: um empreendimento de altíssimo impacto ambiental 

 

O projeto Mina Guaíba é uma mina a céu aberto em área de mais de quatro mil hectares, localizada nos municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre, em Eldorado do Sul e Charqueadas, para trazer gerar 166 milhões de toneladas de carvão mineral para uso em gaseificação em termoelétricas a carvão. De acordo com o Paulo Brack, do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais - InGá,“o desejo de mineirar é decorrente da existência das maiores reservas de carvão justamente nesta região, já que o Rio Grande do Sul possui mais de 85% das reservas potenciais do país.”

Para Brack “um dos maiores problemas do projeto é a sua localização, que consideramos incompatível, pois consiste em um empreendimento de altíssimo impacto ambiental, que exigiria a supressão total de mais de dois mil hectares de vegetação, flora e fauna, rebaixamento de lençol freático e alteração de cursos de água, justamente na Área de Amortecimento do Parque Estadual do Delta do Jacuí. É difícil conceber a aprovação de uma licença ambiental a um empreendimento que representa a maneira mais agressiva de intervenção em ecossistemas e uma forma de geração de energia elétrica que está sendo abandonada no mundo.”

“O projeto Mina Guaíba alteraria profundamente o curso de dois arroios e causaria o rebaixamento do lençol freático em muitas dezenas de metros, contaminando irremediavelmente aquíferos e cursos de água adjacentes. A poeira do carvão, a ser retirado, transportado e moído, e as consequentes águas ácidas com metais pesados tóxicos comprometeriam a produção de arroz e qualquer outro cultivo agrícola”, finaliza Brack em entrevista à IHU On-line.

(Mapa cedido por Paulo Brack)

 

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