Migrantes: papa se defronta com as direitas da Europa

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23 Agosto 2017

A resposta ao desafio do fenômeno migratório, de acordo com Francisco, pode ser articulada em torno de quatro verbos fundamentados nos princípios da doutrina social da Igreja: acolher, proteger, promover e integrar. Ao explicar esses verbos, o papa avança em total confronto com as respostas que a política vai formulando cada vez mais abertamente na Europa.

A reportagem é de Carlo Di Cicco, publicada por Tiscali, 22-08-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Um dos primeiros críticos foi [Matteo] Salvini, mas isso não é novidade. Mesmo entre os moderados de centro-direita como [Antonio] Tajani, presidente do Parlamento Europeu que imagina restrições para as mesquitas, se católicos, parece ser necessário examinar se é conveniente abordar a questão dos imigrantes do ponto de vista da conveniência eleitoral ou do ponto de vista do humanismo e da fé, que parte do princípio de que todos somos pessoas e filhos de Deus, e, portanto, não existe uma base sólida para discriminar quem quer que seja.

Outra questão é a história da segurança, mas se trata de uma questão que o Estado deve garantir sempre e para todos os cidadãos, e não deve se tornar um motivo de discriminação.

Estamos falando do Papa Francisco, que, mais uma vez, com coragem e coerência cristãs, pôs-se no meio do caminho das políticas migratórias europeias e internacionais que, cada vez mais, vão se configurando como alimentadas pelo medo, em vez do direito e da justiça.

Quem quiser saber mais sobre como Francisco pensa basta ler a mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado de 2018, que será celebrado no próximo dia 14 de janeiro.

Não se trata de lê-lo com os preconceitos que as forças políticas e culturais um pouco reacionárias semearam e continuam semeando de mãos cheias entre as pessoas, mas limpando o campo da confusão.

Francisco é muito claro e argumentado a partir da doutrina social da Igreja, que não é uma invenção dele. Ela existe há muito tempo, só que dá um pouco de medo a todos, até mesmo os cristãos, porque força a sair da própria concha e do próprio egoísmo, e a pensar grande e com coragem.

Talvez prevendo as objeções habituais – e Salvini confirmou isso, ao devolver a bola para o Vaticano, se ele espera que sejam adotadas políticas de acolhimento –, nascidas principalmente pela falta de conhecimento do problema, o papa esclarece duas coisas, uma em abertura e outra em fechamento.

A primeiro diz o que ele mesmo e a Igreja estão fazendo pelos imigrantes, sem invadir as competências políticas e administrativas. Francisco considera que a situação dos migrantes e dos refugiados é um “sinal dos tempos”, ou seja, uma chave de leitura que, se não for empregada, não é possível entender o que está acontecendo.

Desde logo, recém-eleito, ele tentou ler esse sinal, reorganizando o dicastério vaticano para o Desenvolvimento Humano Integral, mantendo sob a sua direta orientação (algo que nunca aconteceu antes) a seção para os migrantes, as pessoas deslocadas, os refugiados e as vítimas do tráfico. Na sua pessoa, ele pensou em resumir “a solicitude da Igreja” para com as pessoas pertencentes a essas categorias.

A resposta ao desafio

Tal solicitude, acrescenta ele, “deve expressar-se, de maneira concreta, nas várias etapas da experiência migratória: desde a partida e a travessia até à chegada e ao regresso. Trata-se de uma grande responsabilidade que a Igreja deseja partilhar com todos os crentes e os homens e mulheres de boa vontade, que são chamados a dar resposta aos numerosos desafios colocados pelas migrações contemporâneas com generosidade, prontidão, sabedoria e clarividência, cada qual segundo as suas possibilidades”.

A resposta ao desafio do fenômeno migratório, de acordo com Francisco, pode ser articulada em torno de quatro verbos fundamentados nos princípios da doutrina social da Igreja: acolher, proteger, promover e integrar.

Ao explicar esses verbos, o papa avança em pontos que entram em choque com as respostas que a política vai formulando cada vez mais abertamente na Europa. Não se deve restringir, mas ampliar, com justos critérios, as malhas do acolhimento, antepondo sempre a segurança pessoal da seleção nacional. Um ponto de vista que se baseia no princípio da centralidade da pessoa elaborado por Bento XVI, um papa que, erroneamente e com a superficialidade habitual, os adversários de Francisco tentam colocar como alternativa à sua pastoral de misericórdia.

O relacionamento com os imigrantes deve se conjugar a partir do ponto de vista dos direitos e da dignidade das pessoas imigrantes que, de modo algum, devem ser um pretexto para negar os direitos daqueles que acolhem, que são exatamente os mesmos direitos. Entre esses direitos, a “salvaguarda das práticas de recrutamento ilegal”.

É muito particular a atenção que o papa dedica à defesa e à promoção dos direitos dos menores e, nessa luz, manda benzer a polêmica do ius soli, que, na Itália, tornou-se um modo para não resolver a questão dos imigrantes.

“No respeito pelo direito universal a uma nacionalidade – escreve o papa –, esta deve ser reconhecida e devidamente certificada a todos os meninos e meninas no momento do seu nascimento. A situação de apátrida, em que às vezes acabam por se encontrar migrantes e refugiados, pode ser facilmente evitada através de uma legislação sobre a cidadania que esteja em conformidade com os princípios fundamentais do direito internacional.”

É necessário um justo valor da dimensão religiosa dos imigrantes, com a garantia a todos os estrangeiros presentes no território da liberdade de profissão e prática religiosas.

Desafio à política

A Igreja, assegura Francisco, “está disponível para se comprometer, em primeira pessoa, na realização de todas as iniciativas propostas acima, mas, para se obter os resultados esperados, é indispensável a contribuição da comunidade política e da sociedade civil, cada qual segundo as próprias responsabilidades”.

Além disso, ele lembra que, até o fim de 2018, as Nações Unidas se comprometeram a redigir e aprovar dois pactos globais (Globals Compacts), dedicados aos refugiados e aos migrantes. Os católicos estão avisados. Portanto, são convidados a aproveitar todas as oportunidades para compartilhar essa mensagem com todos os atores políticos e sociais que estão envolvidos – ou interessados em participar – no processo que levará à aprovação dos dois pactos globais.

Em última análise, pode-se dizer que a mensagem de Francisco é um bom desafio para a política. Será que a política saberá refletir em vista do bem comum em vez da afirmação de pontos de vista e interesses particulares dos vários líderes? Estes, naturalmente, estão avisados: as suas escolhas que influenciam as pessoas deverão ser respondidas por eles.

Muitas vezes basta o bom senso dos políticos para fazer com que muitas pessoas que seguem os seus líderes com entusiasmo também se arrependam. Só resta saber se, na Itália, os políticos foram muito longe a ponto de dar marcha à ré, voltando a propostas de solidariedade e de justiça. Francisco lhes pede uma coragem extraordinária.

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