A prática do estágio no Brasil. Entrevista especial com Manuela D"Ávila

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15 Agosto 2007

O projeto de lei que regulamenta a prática do estágio no Brasil foi aprovado pela Câmara dos Deputados e agora tramita pelo Senado. Ele é da autoria dos deputados Átila Lira (PSB-PI) e Manuela D`Ávila (PCdoB-RS), com o intuito de adequar os estágios às práticas pedagógicas de universidades elaboradas na última década. Sobre este assunto, a IHU On-Line entrevistou, por telefone, a deputada Manuela D’Ávila, que garante que o projeto irá garantir que os estagiários não sejam explorados como mão-de-obra barata.

Manuela fala sobre a mobilização dos estudantes, da pressão dos empresários e dos agentes integradores que são contra o projeto de lei sobre os estágios, sobre o Governo Lula, a Nova Central Sindical e, finalmente, sobre o fato de estar sendo cogitada para concorrer à prefeitura de Porto Alegre.

Manuela D’Ávila é graduada em Ciências Sociais pela UFRGS e em Jornalismo pela PUCRS. Durante esse período, militou pela União Juventude Socialista. Em 2001, ingressou no Partido Comunista do Brasil e um ano depois na Comissão de Solidariedade Internacional da Direção Nacional da UJS. Em 2003, foi vice-presidente Sul da União Nacional dos Estudantes e, em 2004, foi eleita vereadora de Porto Alegre com o famoso jargão “E aí, Beleza?”. Finalmente, em 2006, elegeu-se como deputada federal.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Os estudantes já sabiam que o estagiário era tratado como mão-de-obra barata e não como alguém que poderia aprender e vivenciar na prática a área em que decidiram se profissionalizar. Por que, em sua opinião, não houve uma mobilização forte por parte deles para que esse projeto fosse encaminhado antes?

Manuela D’Ávila – Na realidade, quem faz estágio normalmente passa o dia no seu local de trabalho e luta para seguir como estudante, que é uma das principais contradições enfrentadas. Essa era uma bandeira muita antiga do movimento estudantil e nós não tínhamos condições de apresentá-la. Também não havíamos visto vontade política dos governos anteriores para tratar deste problema de maneira séria. Na medida em que o Ministro da Educação quis encaminhar este projeto, o processo aconteceu de forma mais rápida e com grande aceitação por parte dos estagiários. Então, trata-se de uma questão política. O Governo Fernando Henrique, sobretudo, alterou a legislação através de decreto, com a perspectiva de precarizar ainda mais o estágio. Isto é um problema conceitual, pois o estágio deve ser debatido de forma que possamos entendê-lo como a preparação para o mundo do trabalho dos jovens estudantes brasileiros.

IHU On-Line – E agora o Governo Lula está recebendo bem o projeto...

Manuela D’Ávila – Tanto que foi um projeto que foi enviado pelo Ministro da Educação. Nós conversamos com ele sobre a necessidade de incorporarem ao Plano de Desenvolvimento da Educação como uma ferramenta fundamental de preparação educacional para o mundo do trabalho. Assim, o ministro Fernando Haddad encaminhou o projeto como urgência constitucional, ou seja, com prazo definido para tramitar. Este é um projeto que faz parte dos objetivos do atual governo, isto é, não ficará a vida inteira parado.

IHU On-Line – O que falta para ele ser aprovado?

Manuela D’Ávila – Os projetos chegam à Câmara e, se aprovados, vão para o Senado. Então, hoje, este projeto está no Senado e se ali sofrer alterações, retornará à Câmara. Mas eu acho que ele não vai voltar, porque, uma vez que nós o aprovamos com o consenso da Câmara dos Deputados, ele deve passar pelo Senado e depois vai à sanção do presidente da República. Portanto, em dois meses já deverá estar valendo como lei.

IHU On-Line – Alguns estudantes não têm concordado com o projeto, pois afirmam que sua bolsa-auxílio será diminuída. Até que ponto as empresas influenciam nesse projeto com atitudes que pressionam os estudantes/estagiários?

Manuela D’Ávila – Existem muitos interesses que envolvem este projeto. Às vezes, nós só percebemos certos interesses no decorrer do processo de criação do projeto. Por exemplo, nós proibimos a cobrança de taxas por parte dos agentes de integração porque essas taxas decaíam sobre as bolsas dos estudantes. Daí é possível imaginar qual foi a reação dos agentes de integração que praticavam a cobrança dessas taxas. É uma reação bastante ruim: alguns enviaram e-mails anônimos ao seu próprio banco de dados para tentar deformar e gerar desinformação sobre o projeto de lei em relação aos estágios.

Eu acho que os estudantes devem buscar informações sobre qual é a realidade do projeto que foi aprovado. Eu recebo, diariamente, perguntas sobre mudanças que não foram feitas na lei, assim como eu recebo perguntas sobre exceções, e é claro que elas estão previstas. Nós temos exceções, por exemplo, para os estagiários que trabalham oito horas, quando o estágio for a prática exclusiva naquele semestre. Muito do que está no projeto substutivo não está sendo passado aos estudantes. Nós tivemos um processo de construção do substutivo ouvindo a todos os interessados. É evidente que não temos como contemplar todos os interesses, porque muitos deles são contraditórios em relação aos interesses para o desenvolvimento do nosso país e para a juventude. No entanto, eu acredito que todos saíram ganhando com o projeto final.

Acho que os empresários saíram ganhando, pois agora passaram a ter uma lei única, com regras claras. Antes não tinham nem isso. Os empresários brasileiros reclamam muito, e têm certa razão, pois não dispõem de mão-de-obra qualificada. Então, nós estamos trabalhando para qualificá-la. Agora, a construção do substutivo não foi uma construção feita a partir de interesses menores, mas de interesses maiores, principalmente os da juventude brasileira, que precisa estudar e se formar. E não só os empresários precisam dessa mão-de-obra qualificada; o Brasil também precisa, pois é ela que irá gerar riqueza e crescimento.

IHU On-Line – É possível pensar numa espécie de “política sindical” para os estagiários, onde há mais do que uma lei a favor desses estudantes que trabalham?

Manuela D’Ávila – Eu acho que o movimento estudantil precisa dar conta do debate relativo ao estágio, e acho que tem tentado fazer isso. Quando nós tirarmos o monopólio dos agentes de integração, nós permitiremos que o próprio movimento estudantil possa dar conta de ofertar vagas, assim como fiscalizar no sentido de tomar conhecimento dos problemas dos estágios. Portanto, se nós reforçamos na lei que o estágio é um ato vinculado ao processo educacional e não ao mundo do trabalho, isso é um assunto para os movimentos estudantis. É correto pensar que o movimento estudantil, dentro dos seus desafios, também deve dar conta dos problemas e das condições relativas à preparação dos estudantes para o mundo do trabalho.

IHU On-Line – Qual é a importância de ter a participação dos jovens na política?

Manuela D’Ávila – Eu acho que a aprovação da lei seja uma das provas de que é importante ter a participação do jovem na política. Na verdade, nós consolidamos a democracia a partir das cores que nós vamos dando a ela e nós temos uma participação muito baixa da juventude na política institucional. Talvez esse seja um dos motivos de nós não termos tido um parlamentar que dedicasse quase um semestre da sua atuação à construção de um projeto de lei alternativo aos estágios. Então, essa é uma das provas de que o projeto é importante e pode trazer benefícios para a vida da juventude, seja individualmente, como nesse caso da lei que regulamenta os estágios, seja coletivamente, na perspectiva de que se hoje eu não estou nessa situação, ainda assim há os meus colegas que estão e precisam que algo aconteça.

IHU On-Line – Já se pensa numa Reforma Universitária no Brasil. Para você, do que carecem nossas universidades públicas e privadas?

Manuela D’Ávila – Primeiro: temos que democratizar o acesso às nossas universidades. É preciso fazer com que mais jovens consigam entrar nelas, e mais jovens consigam terminar o seu estudo universitário, mas, sobretudo, nós precisamos fazer com que o vínculo entre a universidade e o desenvolvimento do país seja mais profundo. Acho que precisamos pensar em como fazer com que o ensino superior brasileiro tenha uma profunda ligação com a produção de conhecimento, com a produção cientifica e tecnológica e, a partir disso, fazer com que os jovens que estão na universidade contribuam ainda mais para o desenvolvimento do Brasil. Então, eu acho que, além de contribuir para a conclusão dos estudos deles, é necessário  aumentar a relação da universidade com o setor produtivo brasileiro, com as estatais brasileiras, com aqueles que produzem o conhecimento nacional e, a partir dessa produção de conhecimento, garantir a soberania e a independência do país.

IHU On-Line – Como você vê a atuação de Lula junto ao movimento estudantil?

Manuela D’Ávila – O presidente Lula foi quem conseguiu resgatar o papel da universidade pública. Eu mesma lutei contra a política de privatização do presidente Fernando Henrique e tenho orgulho de dizer que defendo um presidente que criou 40 novas universidades públicas e está criando 160 novas escolas técnicas que tinham tido a sua criação proibida a partir de um decreto de lei, por mais irreal que isso possa parecer.

Acredito que o presidente Lula, talvez por não ter tido acesso à educação formal,  valorize essa relação. Nós temos o Prouni, que é algo fantástico para a juventude brasileira, pela democratização do conhecimento. Nós temos a ampliação de vagas das universidades federais e temos um presidente que se preocupa com o ensino superior. Falta muito, é evidente, afinal nós fazemos parte de um país em que nove em cada dez jovens não têm acesso ao ensino superior. Mas o fato de faltar muito não significa afirmar que nada está sendo feito.

IHU On-Line - Em sua opinião, o projeto do Governo Lula ainda está próximo da esquerda e até do comunismo?

Manuela D’Ávila – Eu acho que o projeto para a educação do Governo Lula está próximo à realidade do povo brasileiro. Construir o socialismo no nosso país é tentar entender e se aproximar cotidianamente das angústias do brasileiro. Acho que o presidente já tem respondido significativamente a elas. Portanto, o projeto educacional dele está muito perto da esquerda do nosso país e da América Latina. Durante muitos anos, nosso povo não teve acesso à educação, que é o que garante a liberdade plena. Portanto, se nós investimos na educação como um sistema, também estamos ajudando o povo a ter consciência crítica, ficando mais próximos da construção do socialismo.

IHU On-Line – Qual é sua avaliação hoje da história da aliança entre o PCdoB e o PT?

Manuela D’Ávila – Nós temos uma aliança de muitos anos porque temos muitas coisas em comum com o PT. Mas nós não somos o PT, portanto nós também guardamos diferenças. Apoiamos o presidente Lula porque sabemos que ele representa o governo mais avançado para o nosso país, mas nos sentimos na obrigação, sendo outro partido com ligação profunda com o movimento social e com as lutas do povo brasileiro, de pressionar esse governo para que ele ande mais no caminho das mudanças e que aprofunde o desenvolvimento do país. Achamos que conseguimos muitas vitórias, mas, por maiores que elas sejam, são ainda pequenas perto das necessidades do povo brasileiro. Isso não significa estar distante do PT. Significa estar próximo de cada brasileiro e de suas angústias.

IHU On-Line – Qual é a sua posição sobre a Nova Central Sindical dos Trabalhadores?

Manuela D’Ávila – Nós achamos que é possível construir a unidade entre centrais sindicais. Nós não rompemos com a CUT - Central Única dos Trabalhadores - por acharmos que temos que nos afastar do PT, mas porque podemos construir mais com os trabalhadores do Brasil, se construirmos um marco entre as centrais sindicais. Precisamos fazer com que a CUT tenha uma postura de maior combatividade e de maior independência e transparência nas suas ações. Isso significa a construção de uma nova central e de uma unidade entre as centrais sindicais, ou seja, entre aqueles que querem que o Brasil cresça, respeitando os direitos dos trabalhadores e envolvendo-os no crescimento econômico do país.

IHU On-Line – O jovem que hoje não faz parte do movimento estudantil, a partir do momento em que sai da universidade e vai para o mercado de trabalho, irá entender, futuramente, as proposições das centrais sindicais?

Manuela D’Ávila – Nós temos uma preocupação gigantesca com a grande massa de desempregados no país. Eles são geralmente jovens e aqueles que têm o trabalho mais precarizado. Portanto, a central classista (Nova Central Sindical) trabalha vinculada à juventude e talvez essa seja, hoje, uma dos grandes lutas da central sindical dos trabalhadores e das outras centrais sindicais. A central sindical classista certamente dará conta disso e trabalhará com muitos jovens.

IHU On-Line – Você será candidata à prefeitura de Porto Alegre nas próximas eleições?

Manuela D’Ávila – É muito cedo ainda para falar sobre essa questão, mas é algo que está em debate, pois o PCdoB tem a vontade de disputar a eleição. Se nós disputarmos, será com o meu nome, mas estamos discutindo isso com outros partidos, que são nossos parceiros na construção de um projeto para a capital do Rio Grande do Sul. Para tanto, estamos elaborando um projeto para Porto Alegre e, depois de debatê-lo, com outros partidos parceiros, queremos discutir o nome com mais viabilidade eleitoral. Se esse nome for o meu, talvez eu seja candidata e eu vou em frente, pois acho que os desafios devem ser superados e enfrentados e não cabe a nós individualmente criar problemas ou soluções. É preciso construir um projeto coletivamente, e é isso que estamos fazendo.

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