A ruptura antropológica e o colapso econômico global. Oportunidades para recodificar as vidas. Entrevista especial com Franco Berardi

A entrevista a seguir é uma transcrição integral da conferência de Franco Berardi no IHU, que integra a programação do evento “O mundo distópico do século XXI. (In)sustentabilidades e os novos possíveis”

Foto: Unsplash

23 Abril 2021

 

A devastação ambiental, social e econômica que nos conduziu à pandemia global que vivemos em escala planetária é resultado, segundo sustenta Franco Berardi (Bifo), de “40 anos de agressão neoliberal e financeira que destruíram antecipadamente as defesas imunitárias da sociedade”. A fala do pensador italiano foi proferida durante o evento O mundo distópico do século XXI. (In)sustentabilidades e os novos possíveis, cuja transcrição é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU. As perguntas que compõem o texto foram formuladas pelo próprio autor.

 

“Como se sabe, as grandes empresas que produzem vacinas, por exemplo Pfizer, AstraZeneca, Johnson & Johnson, trabalharam com grande segurança, porque o dinheiro necessário à pesquisa foi dado pela sociedade, por meio dos Estados Nacionais”, pontua Berardi para sustentar que não há razões para não liberar o conhecimento científico do vínculo privado e do lucro. “As vacinas foram produzidas pelo trabalho cognitivo, científico, técnico, intelectual e braçal daqueles que têm competência técnica para tanto”, complementa.

 

Uma das alternativas, sugere Berardi, é recuperar a frugalidade como forma de habitar o mundo. “A palavra frugalidade se torna central na época que vivemos. Frugalidade não significa pobreza, renúncia, mas adequação da nossa necessidade às possibilidades produtivas da comunidade. Significa a possibilidade de autodefinir nossas necessidades e de sair do ciclo destrutivo das relações capitalistas de publicidade e consumo, que provocam exploração, sofrimento mental e produção constante de miséria”, propõe.

 

Franco (Bifo) Berardi durante o evento do IHU

Franco Berardi é graduado em Estética pela Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Bolonha. Passou pela Juventude Comunista, teve grande destaque no Movimento Operário durante o Maio de 1968 e atuou no movimento anarco-sindicalista italiano nos anos 70. Fundou a revista A/traverso (1975-1981) e fez parte da equipe da Radio Alice, primeira rádio livre da Itália (1976-1978). Foi professor de Teoria da Mídia na Academia de Belas Artes de Brera, em Milão.

 

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line – Como pensar o futuro diante da ruptura antropológica e do colapso econômico global?

Franco Berardi – Eu tenho consciência de que, de fato, para o Brasil é um momento de especial dramaticidade. Tenho muitos amigos brasileiros e diariamente recebo mensagens sobre a desgraça política, representada pelo golpe de Estado jurídico, que levou ao poder um perigoso incompetente. Então eu sei que se trata de medir as avaliações e hipóteses sobre o futuro com a condição na qual vivemos hoje. Por outro lado, se o Brasil está em uma situação tão dramática, a Europa também está e a Itália em especial.

Deste ponto quero partir de uma consideração do que aprendemos com esta pandemia com a vacinação em massa. Antes de mais nada, a humanidade não estava preparada para uma explosão viral, mesmo que os cientistas, virologistas tenham anunciado isso anteriormente, em um livro de 2012, que falava antecipadamente o que acabamos experimentando em 2020. Mesmo assim, o mundo não estava preparado, por quê? Não porque não existiam instrumentos sociais, científicos, farmacológicos para agir em casos como este, mas porque 40 anos de agressão neoliberal e financeira destruíram antecipadamente as defesas imunitárias da sociedade.

 

 

Na Itália, nos últimos dez anos depois da crise financeira de 2008, como os bancos estavam mal, a sociedade inteira, os trabalhadores, tiveram que pagar as dívidas dos bancos. Então foram cortados o orçamento da educação em 8 bilhões de euros e o da saúde em mais de 10 bilhões de euros, fora os serviços sociais. Tudo isso para tornar possível ao sistema bancário recomeçar o seu sistemático roubo que já existia antes e continuou depois. Isso não basta. Temos que considerar que há 40 anos desde que uma senhora inglesa disse “Não existe nada que se possa chamar de sociedade, existem indivíduos, famílias, empresas em conflito para obter lucro”. Desde que Margaret Thatcher lançou a campanha de transformação neoliberal da economia, iniciou-se um processo de privatização sistemática dos serviços que haviam sido construídos pelos trabalhadores para os trabalhadores, tais como a escola pública, a saúde pública, o transporte público, a comunicação pública etc. Essa guinada privatista foi feita porque nos disseram que o interesse da maioria da população é ser mais bem servida por quem busca o melhor lucro pessoal. Esse foi o esforço dos teóricos neoliberais para convencer a sociedade de que o melhor para a nossa vida é deixá-la na mão de Jeff Bezos, Mark Zuckerberg, Goldman and Sachs, do Fundo Monetário Internacional - FMI, porque eles se ocuparão de nós muito melhor (sic) do que poderíamos fazer sozinhos.

 

 

Para realizar o processo de privatização, a teoria neoliberal afirmou que para garantir a inovação técnica e a inovação farmacológica, da criação das vacinas, por exemplo, é necessário o lucro. É inacreditável que todo o mundo político e a maioria da sociedade tenham acreditado em fábulas, mentiras, paralogismos, isto é, um raciocínio que parece verdadeiro, mas com premissas falsas.

Como se sabe, as grandes empresas que produzem vacinas, por exemplo Pfizer, AstraZeneca, Johnson & Johnson, trabalharam com grande segurança, porque o dinheiro necessário à pesquisa foi dado pela sociedade, por meio dos Estados Nacionais. O investimento era garantido desde o início. Depois estas grandes empresas produziram a vacina e agora vendem para quem oferece mais. Na Itália, a vacina não chega. Por quê? Porque vai para Inglaterra, Estados Unidos, Israel, que pagam mais. Então alguém protesta, repetindo o discurso das grandes empresas, “mas a vacina não teria chegado se não tivesse o lucro e para proceder com a inovação é necessário ter muito lucro”.

São mentiras como essa que o neoliberalismo tem nos contado há 40 anos. Acionistas não produzem vacinas. Na verdade, a vacina existe por conta dos virologistas, dos biólogos, dos engenheiros, dos programadores, dos médicos, todos estes profissionais que recebem seus salários mais ou menos altos, mas que nada tem a ver com o lucro.

 

 

IHU On-Line – O que mudará como efeito desta situação pandêmica que estamos vivendo?

Franco Berardi – Eu vejo na imprensa europeia algumas pessoas dizerem que “agora” todos entenderemos a necessidade de mudar de direção, que a loucura do neoliberalismo acabará e se voltará a uma intervenção direta do Estado e a uma socialização daquilo que é social. Bem, não é o que está acontecendo, muito antes pelo contrário. Em 13 de março a Organização Mundial do Comércio - OMC, uma das grandes instituições criadas nas últimas décadas para garantir o domínio total das corporações globais, junto ao FMI e ao Banco Mundial, recusou um pedido muito simples feito pela Índia e por outros países do Sul do mundo. Tratava-se, simplesmente, de autorizar que os países pobres do mundo pudessem produzir a vacina para a sua população sem ter que pagar o custo da patente, que torna impossível para muitos países ter acesso à distribuição da vacina. Ou seja, significa liberar o conhecimento científico do vínculo privado e do lucro para permitir a toda a humanidade usufruir de um bem que não foi produzido pelos acionistas das corporações do capital. As vacinas foram produzidas pelo trabalho cognitivo, científico, técnico, intelectual e braçal daqueles que têm competência técnica para tanto.

Não tem nada a ver com os chefes ou shareholders da Pfizer, que não têm nenhuma competência em virologia ou engenharia, o que sabem é algo que tem a ver sobre como roubar da humanidade, uma ciência que se chama economia. Aliás, não existe uma ciência chamada economia. Eu sinto muito pelos economistas que estão ouvindo, inclusive tenho amigos economistas, mas eles concordam comigo que a economia não é uma ciência, é uma técnica que busca maximizar o lucro. Uma técnica que foi criada dentro de um saber, de um modelo epistêmico, baseado em princípios que modelaram uma tecnologia específica, que se chama economia, mas que é uma ciência que não sabe nada, afinal quando os economistas previram o que ia acontecer? Quase nunca. Um em um milhão sabe o que vai acontecer, os outros não sabem nada, porque o economista não está ali para saber, está ali para executar. Caso contrário não se chamaria economista, mas crítico da economia política. Karl Marx era economista? Não. Sem dúvidas é o maior entre aqueles que se ocuparam da economia nos últimos 200 anos e ele mesmo se intitulava “crítico da economia política”.

 

 

IHU On-Line – Qual é o modelo econômico que está destruindo o planeta e o gênero humano?

Franco Berardi – Chamam de neoliberalismo porque é uma palavra que agrada aos cretinos. Na realidade é uma outra coisa, trata-se de um absolutismo do capital e esta palavra dá a ideia mais adequada a este sistema. O poder absoluto é aquele que não reconhece ninguém, nenhum limite, nem ético, nem político, nem ecológico, nem jurídico. Este é o domínio que, há 40 anos, tomou o poder em todo o mundo. Então, esta é a condição na qual nos encontramos. Agora nos perguntamos: e depois? O que vai mudar?

No início da pandemia alguns pensavam que a experiência da pandemia mudaria o curso da política mundial. Mas a decisão da OMC nos demonstra que não é assim, mas que as populações globais estão aproveitando esta ocasião como possibilidade de tornar seu domínio mais completo e de encontrar novas possibilidades de exploração e submissão da vida e da sociedade. Essa é a previsão mais realista e mais provável. Essa decisão da OMC nos mostra que o capital entrou em sua era genocida, de modo que o genocídio se torna a estratégia final do capitalismo. No Brasil vocês sabem bem do que estou falando, pois o poder daquele indivíduo do qual não vou dizer o nome é um poder que tem um caráter, evidentemente, genocida. Então nós temos que pensar o nosso futuro, sobretudo das novas gerações, tentando imaginar saídas e como se desenvolverá a situação concreta, mas, sobretudo, a subjetividade. É da subjetividade que depende evitarmos uma próxima extinção do gênero humano.

 

 

Acredito que a pandemia marque uma passagem, uma transformação, uma mutação que tem caráter certamente técnico, provavelmente político, mas sobretudo antropológico. Isso porque a modalidade de relação linguística, psíquica, através desta experiência pandêmica, se configura como uma margem. Estamos em uma passagem, estamos atravessando um trauma prolongado e durante este trauma elaboramos condições psíquicas que possam tornar possíveis um novo equilíbrio que nos permita analisar e entender as modalidades deste trauma, isto é, como ele se manifesta, como se desenvolve e o que ele se torna.

Se eu quero pensar este trauma, vem à minha mente as palavras da responsável pelo controle sanitário do Canadá, em setembro de 2020, que disse “skip kisses”, evitem o beijo, e quando tiverem relações sexuais, não esqueçam da máscara sanitária. Essa senhora também disse que o melhor nesses tempos era “is going solo”, ou seja, façam por conta própria. Quando ouvi isso pensei que tinha algo exagerado, mas depois pensei que, afinal de contas, ela disse o que tinha que dizer como responsável sanitária, que é dar conselhos para evitar o contágio, que em alguns casos pode ser mortal e em outros muito grave, além de ser socialmente destrutivo.

O ponto é: o que ocorre na mente e no corpo dos seres humanos, especialmente dos jovens e das crianças, que chegam ao mundo e recebem a “sugestão” psíquica de que o corpo do outro é perigoso? Que a pele do outro é perigosa? Que os lábios do outro são perigosos? Vocês entendem o que quero dizer? Os lábios não são somente a parte do corpo que nos permite experimentar o prazer, que torna a vida tolerável, são também o lugar de emissão da palavra, do significado. Estamos atravessando uma passagem na qual se redefine a percepção do nosso corpo e do corpo dos outros.

Naturalmente isso é importante do ponto de vista psíquico, mas também é importante do ponto de vista da solidariedade social e da capacidade de empreender o processo político de transformação coletiva no futuro. A primeira coisa a dizer é que temos uma tarefa psicanalítica, psicoterapêutica, que está antes de qualquer outra tarefa. Precisamos saber que esta passagem, esta transição pode produzir efeitos de devastação psíquica muito profundos. A depressão em massa, mas também um tipo de sensibilização fóbica em relação ao corpo do outro, que se manifesta como medo da emoção e, tendencialmente, como autismo. A pandemia está desenhando a possibilidade de uma verdadeira epidemia de autismo ou de depressão. Isto se refere, sobretudo, à geração que está crescendo. Como professores, psicoterapeutas e intelectuais, precisamos saber disso, porque, quem sabe, somos nós, aqueles que trabalham com as palavras, os conceitos e as metáforas, quem poderá agir em uma situação com esta periculosidade.

No plano psíquico precisamos nos preparar para uma elaboração do trauma que evite uma solução de tipo depressivo ou autístico. Mas ao mesmo tempo precisamos saber que a subjetividade a ser construída não é a guerra de todos contra todos, e sim a reconstrução de uma ligação solidária com os outros. Além disso, devemos levar em consideração o fato de que o absolutismo capitalista se demonstrou irremovível. O lucro virá antes de tudo. Morrerão dez milhões de pessoas? Não interessa. O que interessa é que o lucro privado das grandes corporações e dos acionistas seja garantido.

 

 

Lembremos que o princípio do nazismo hitleriano é o mesmo princípio do capitalismo: os mais fortes e os mais violentos têm o direito de sobreviver. É duro admitir, eu sei, mas precisamos nos acostumar com o fato de que essa ideia venceu no século XX. Um filósofo alemão de origem judaica chamado Günther Anders, pouco conhecido no mundo latino, infelizmente, escreveu, nos anos 1950/1960, que depois de Auschwitz e Hiroshima o nazismo não é um episódio fechado, mas a tendência mais profunda de uma sociedade na qual o saber é submetido aos interesses da classe dominante, do lucro. Mais, que este domínio sobre a técnica a torna infinitamente potente e os homens impotentes. É a impotência da sociedade e da política o grande problema de nosso tempo.

Sei que isso é horrível, forte e ruim, mas acredito que seja melhor pensar sobre estas coisas, ainda que eu deseje estar errado. A minha convicção é a de que entramos em uma época em que o domínio da máquina absolutista do capital e a impotência da política nos colocam em uma condição na qual se torna legítimo pensar que o horizonte do nosso tempo seja o da extinção. Não é por acaso que esta palavra, “extinção”, que não existia no léxico político, se tornou importante para esta nova geração de jovens militantes. Sobretudo aqueles que criaram movimentos como o “Extinction rebellion” e o “Fridays for future”, que protestam com Greta Thunberg contra o perigo extremo de uma extinção em massa. Este é o horizonte.

Acredito que as armas da política estejam impotentes e que há grandes políticos capazes de suscitar a nossa inteligência, o nosso sentimento e nossa solidariedade. O discurso realizado pelo ex-presidente Lula semanas atrás foi uma fala de um grande político e grande filósofo, um grande poeta. Mas acredito que Lula não fala somente a seus eleitores brasileiros, pois nós vimos que podemos eleger um governo de esquerda ou direita, mas o poder está nas mãos dos financeiristas, dos militares, e a política conta pouco. Então acredito que desta experiência e deste trauma sairemos com uma nova percepção da mudança, que não é mais a política, a vontade, mas uma sensibilidade. A história da civilização moderna, desde o maquiavelismo italiano, se baseia na ideia de que a vontade humana pode governar os eventos do mundo, não todos, mas aqueles que interessam. A vontade governa a direção dos eventos da coletividade. É verdade, ao menos de Maquiavel a Lenin, que a vontade humana soube agir, mal ou bem, de modo potente.

 

 

Mas a história moderna acabou, porque ela se baseava em uma relação entre o humano e a natureza, o humano e a complexidade do mundo e da informação, que podia ser ao menos coordenada. Como disse o filósofo grego [Protágoras] “O homem é a medida de todas as coisas”, mas hoje isso não é mais verdade, porque saímos da esfera do humanismo e migramos para uma esfera em que os eventos determinantes, como a radiação nuclear de Fukushima ou a proliferação global do coronavírus, bem como a mudança climática, são todos eventos irreversíveis no ambiente planetário. Não têm volta atrás. É exatamente o método da ação que tem que mudar. Na modernidade o método da ação era guiado pela força da vontade, de modo que se fazia aquilo que a maioria da sociedade desejasse. Hoje não. Se a maioria da sociedade quer se livrar das radiações nucleares produzidas por Fukushima, essa vontade não serve para nada.

Lula soube transformar o Brasil de forma importantíssima nos primeiros anos de seu governo, realizou um programa enorme e triunfal. Teve gente que pôde sair da miséria e da ignorância graças ao Lula, mas depois... Mesmo com Dilma, parecia que não funcionava mais, porque ela se colocou frente à onipotência do poder financeiro e, então, trata-se de tentar encontrar outras estradas. Me refiro ao que diz a filósofa californiana Donna Haraway, de inspiração feminista, “basta de pensar como se o homem fosse o dominador da terra. Nós não somos mais. Tentemos pensar nós mesmos como creators”, palavra em inglês que quer dizer algo como “criaturinhas”. Criaturas que se encontram em um processo de constante transformação em que o importante é a afetividade, não a vontade, mas a percepção do ambiente, a capacidade de estar no ambiente. Porém, parece-me, as experiências mais interessantes que estão se preparando para o próximo futuro são aquelas ligadas à cismogenética, pequenas comunidades de pessoas, de jovens, de artistas, de intelectuais, de cientistas, de trabalhadores etc. Um lugar no qual deveria começar uma prática de produção local garantida pela comunidade igualitária e frugal.

 

 

A palavra frugalidade se torna central na época que vivemos. Frugalidade não significa pobreza, renúncia, mas adequação da nossa necessidade às possibilidades produtivas da comunidade. Significa a possibilidade de autodefinir nossas necessidades e de sair do ciclo destrutivo das relações capitalistas de publicidade e consumo, que provocam exploração, sofrimento mental e produção constante de miséria.

Quando Karl Marx raciocina sobre o caráter essencial do capitalismo, esse sistema que teve uma função progressiva na história humana até se mostrar genocida, criminoso, destrutivo, ele percebe que o capitalismo transforma a atividade humana concreta, útil, em trabalho abstrato. Isso quer dizer que o nosso trabalho dentro das condições do capitalismo não serve para produzir aquilo que nos serve, mas para se tornar um valor abstrato que permite a acumulação do capital. É exatamente nesta passagem da atividade ao trabalho abstrato que está a origem da condição sempre menos racional, menos feliz e menos humana.

 

 

Trata-se, então, de recolocar a utilidade concreta do trabalho no centro de nossa atividade social. É o princípio da utilidade que nos permite raciocinar nos termos de uma frugalidade feliz. Isso quer dizer, certamente, o abandono do modelo do crescimento, do modelo da expansão capitalista que não é mais possível sem devastação. Não se pode continuar com um modelo que consome, extrai e destrói recursos físicos e mentais. Em certo sentido, a pandemia nos mostrou que chegamos a limites extremos e seguir assim significa reproduzir, em uma escala sempre maior, o genocídio de caráter essencialmente econômico, mas que tem formas essencialmente desumanas.

Me dou conta de que o que estou falando são discursos difíceis de serem traduzidos na prática, na ação cotidiana, porém, espontaneamente, muitos estão indo nesta direção. O FMI, outra organização internacional criminosa, algum tempo atrás publicou um relatório prevendo que na primavera (do hemisfério Norte) de 2022 teremos revoltas, guerras civis, o que fez com muitos dados e relatórios analíticos e estatísticos. Mas Raúl Zibechi escreveu um artigo sobre esse relatório, dizendo que o FMI não deveria se preocupar com esta possível revolução, afinal até lá muitos morrerão, a polícia vai matar como faz diariamente, mas nada de muito grave deve acontecer. No caso de haver revoltas, cada um de nós decidirá como participará, mas essas revoltas não nos tirarão da catástrofe da história capitalista de hoje. A insurreição é uma ocasião para construir ligações fortes, liberar energia, mas não nos basta a energia, temos que criar uma nova forma de social. E acredito que ela será frugal, igualitária, ascética e orgiástica.

 

Assista à íntegra da conferência: 

 

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